Sugestão de acompanhamento musical:
One, two, three, four - Feist
O ministro distraído
1940 - Os alemães tinham entrado em Paris. No palácio de Buckingham, a notícia fora recebida por rostos sérios e deformados por um riso controlado. Urgia, contudo, ser mais forte que o passado: o futuro poderia bombardear o Reino Unido a qualquer instante. Perturbado, o General desabafou com o ministro.
- Precisamos de aviões.
- É de nariz no ar que levaremos com uns torpedos no rabo.
- É de rabo protegido que levaremos chumbo em cima.
- Quem é aquela jornalista?
- Parece séria, que idade tem?
- Os franceses devem `tar com um ganda melão.
- O rabo.
- Acho que tem menos de 25.
- Legião Condor.
- Legião Condom.
- Precipitas-te. Liga para Lockhead, preciso de aviões para sete esquadras.
- Eu?
- És o ministro, porque não trazes os aviões da América?
- Andaste a beber?
- Era uma boa opção.
- Beber?
- América, aviões v-v-v-v-v-v-v-t-t até aqui.
- Despenhavam-se a meio caminho, é muito longe.
- Diz-lhes que meter gasolina é uma boa ideia.
- O avião tremia e depois caía de nariz.
- Vamos levar chumbo em cima se não fizeres a chamada.
- Não tenho dinheiro no telemóvel.
- Hum? (queixo do General levantado)
- A-ham (tosse)
- Catxá-Catxá-Catxá (barba do General coçada)
- Eu disse tél..?
- Disseste. Tú aí, operador de câmara, o ministro disse telemóvel – não foi?
- Disse que eu ouvi, aqui a maquilhadora pode confirmar.
- Telemóvel.
- Ah-haham (muita tosse).
- Catxá-Catxá-Catxá (pêlos do nariz do General coçados)
(Corta)
Eliseu e Henriqueta
Entrada principal do Fórum Picoas, 29 pessoas reunidas pelas 14h da tarde. O Eliseu, 30 verões de copos (dir-se-ia que nasceu a beber), já tinha topado a Henriqueta: morena, modos brutos e sorriso sincero – deveria, tinha ele como certo, trabalhar na Cultura. O trabalho do Eliseu como segurança era um pouco chato e, não raramente, era possível vê-lo percorrer as secções daquela Redacção em busca das pernas perdidas. O Eliseu gostava muito de mulheres. Nessa tarde estava ele com o amigo Matias, quando viu a Henriqueta: modos brutos, sorriso sincero e bafo latifundiário. Aproximou-se.
- Deviam fazer salas de fumo.
- lolololol.
- Matias (sussurrou), o que é isto?
- (incrédulo) Não faço a mínima ideia.
- Vou tentar de novo.
- Isso, faz isso.
- Tens um nome bonito, Henriqueta, será que o Shakespeare gostaria desta Lei?
- looooooooooooooooooooooooooool.
- Matias (voltou a sussurrar), socorro.
- Vais ver que a coisa melhora. Dá-lhe tempo.
- Esta noite não durmo e a culpa vai ser tua.
- Vá, queres voltar já p`rá cancela e “boas, senhor director?”
- Sim, realmente.
- Vá, ela tem um sorriso sincero, bafo latifundiário e poesia.
- Poesia?
- Sim, poesia contemporânea.
- lol?
- “São novíssimos dias”.
- J. P. Simões é uma boa pomada.
- Coragem, dá-lhe outra oportunidade.
- Há uma nova Lei que decreta dias específicos para a prática do sexo.
- lolololololol.
- Matias vai à merda (ele bem tentou sussurrar).
- (ele já não) Continua pá, agora é que isto aquece.
- Fareis amor à segunda, quarta e sábado.
- Super hiper loooooooooooool.
- E se vos entusiasmardes à sexta, tereis a senhora ASAE a bater à porta.
- Mega lolada.
- Vou pegar no maço e ligar directamente à central a dizer que pequei.
- looooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooool.
- lol (desistindo).
- Fútil.
- Atão mas..?
- És fútil, um homem feito... tss-tss.
- Mas.. mas `tavas a dizer o mesmo, pensei que eram “novíssimos dias”!
- Já não se fazem homens como antigamente, adeus.
- Matias!