quinta-feira, 30 de junho de 2011

As bebidas radicais jogam bem com a digestão e outras coisas mais



Ela: Já estou muito bêbada. Se continuar assim não respondo por mim.

Ele: Vamos ali ao balcão - rodada à minha conta.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O prometido é devido

Vou com alguma frequência jantar ao Esperança, restaurante italiano na rua do Norte, Bairro Alto, Céu. Ontem taberna e mercearia, hoje espaço de comes e bebes avant-garde com decoração moderna e algum aproveitamento dos materiais originais. A comida, o que no fundo ali interessa, é imperdível e em doses bem aviadas. Através dos empregados já tive a oportunidade de desejar felicidade eterna aos cozinheiros. Lamento que a carta de vinhos seja fraquita. As luzes estão sempre baixas, conferindo uma pinta de bar. Ouve-se jazz vivo, da fúria alegre de uma orquestra de melros, do bom, não aquela trampa sonolenta de hotel. Os preços só abusam um bocado (refeição completa dificilmente por menos de 20 euros). Servem até ao dia seguinte. Está sempre cheio. Aconselha-se reserva.

Naquele anoitecer acima de 30 graus sentia-me dominado por apetites de comer na rua e o meu amigo P. apoiou a ideia. O P. é o advogado mais fixe que alguma vez deverei conhecer. Ultimamente anda a esforçar-se mais por combater a inércia. Está mais disponível para conhecer. O P. é gente boa. 

Uma empregada brasileira que se esforçava por não se fazer entender no sotaque dela indicou-nos a última das mesas lá fora, mesmo em frente a uma janela com vista para o forno. Vimos a confecção das pizzas que iríamos comer. “Tá-se bem no Algarve”, dizia eu, que digo sempre isso quando se está bem onde quer que seja.

À boleia de um branco menos fresco do que o suposto vimos duas moças altas e pálidas passar por nós e parar mais à frente, ao pé da entrada principal do Esperança. Observaram o que tinham a observar, trocaram impressões et voilà!, chamaram uma empregada. Era mesmo ali que queriam comer. E cá fora. Lesta, a empregada brasileira do sotaque escondido olhou de pronto na nossa direcção – havia por ali uma mesinha vaga - e em menos de nada já elas estavam a sentar-se junto de nós com sorrisos encavacados de “olá!, podemos?”. Claro que podem.

Ainda demorei uns dez minutos a imbuir-me do espírito de local-que-gosta-de-fazer-turista-sentir-se-bem. Um ou dois bitaites e começámos a conhecer-nos. Eram suíças. Zurique. Ao meu lado a Barbara, estudante de Economia, loira, pernas de jogadora de voleibol, cabelo dourado potencialmente ganhador de concursos, a mais atraente, 22 anos; ao lado do P. a Eva, estudante de qualquer coisa, conhecedora de 1001 jogos de quizz, espertíssima, ruiva, a mais simpática, 23 anos.

Barbara e Eva, nomes bonitos.

Estavam cá de férias há alguns dias - “ohh we love Portugal!”- mas faziam beicinho por ainda não terem ido a banhos. Compreendi a situação. Grandes traumas já nasceram por menos. Por isso mesmo aconselhámos-lhes a reverter a respectiva sorte, atacando alguma praia no dia seguinte - o calor, frisámos, iria ficar ainda mais absurdo do que já estava.

“Well we heard about Costa da Caparica and Cascais. We’ll probably go there. Is Cascais good?”

Dissemos que sim, Cascais era good, tendo porém praias iguais a tantas outras às quais elas certamente já teriam ido, e, muito pior, trâaaaaansito, stresssssssss, arghhhhhhhhhh. Falámos do Portinho da Arrábida, onde tinhamos passado uma belíssima tarde na véspera, de como integra serra e costa, de como o passeio até lá faz a diferença, de como interessa dar de fuga da cidade e regressar ao pôr-do-sol. Depois interrompi a bajulação do Portinho e declarei: “Eis o que vai acontecer: vocês vão ficar connosco e amanhã levamo-vos lá.”

A Suiça afinal não acaba na raquete do Federer
Entre tanto
"We just to have to walk a little bit, hum?"
Cabelo de ganhar concursos
Naaa, Carcavelos é que é muita bom

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Obsessão



0m00s - 3m07s

Agarra bem nesse guarda-chuva vermelho. Vais precisar dele.

Mais perto do céu, ela começa a bater as asas.

Um homem com ar de lobo fecha os olhos para ver melhor. Observa por dentro. Abana a cabeça. Não quer acreditar no que está para chegar. Ama o violino como se ama uma guitarra.

No palco passeia-se um homem cabisbaixo, de mãos enterradas nos bolsos. Percebe-se que tem algo a dizer.

O homem cabisbaixo já se faz ouvir. Gostava, diz ele, de ter dito o que não disse.

Mãos sedutoras, uma sevilhana comedida. Magia. Mulher.

O céu não resiste. Não é chuva, é choro: o homem cabisbaixo quer saber até que ponto está próximo de perder quem ainda tem.

3m07s – 06m15s

O homem cabisbaixo viu passar o seu momento. Não se perdoa. Vai armar alguma. Um ameaço de explosão. Falso alarme.

O lobisomem continua a amar o violino, agora noutra posição.

Ninguém pára o homem cabisbaixo, ninguém lhe segura a mão esquerda que castiga a perna irmã e ninguém trava o andar sem rumo, ninguém cala o grito surdo das dúvidas, porra! que ninguém cala.

Novo arranque. O melhor baterista do mundo está nervoso. A realização também. O som cresce. Agitação. Empolgamento...

Meia noite: o homem vira lobo. Sintoniza o canto. Encontra-o. Uiva, solitário, à própria felicidade.

Ela vem-se. Por momentos perde os sentidos. Recupera-os.

Tempestade.

Intransponível muro de beleza.

Daqui só para trás.

06m15s – 08m34s

A melodia desmorona-se, é preciso recuperar o equilíbrio. Tempo de regressar. Alta velocidade. Tempo de partir esta merda toda.

O homem cabisbaixo enfureceu. Apanha o que tem à mão e bate no que tem aos pés, bate e insiste a ver se expulsa a tristeza.

Um traste dará o show dos trastes. Agradece. É aclamado. Despede-se. Sai de cena. Derrotado. Triunfal.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A lógica dos anjos


O anjo da guarda da Sofia fala muitas línguas e tem um talento grande para a livrar de chatices. É um anjo muito atarefado. Ela, a Sofia, até se esforça por não arranjar problemas, mas depois aborrece-se. Há dias encontraram-se num sonho e a Sofia perguntou-lhe quais os momentos da vida dela em que ele mais se tinha rido até então. Consta que o anjo ainda não acabou de enunciar a lista.

Um dia fomos a um jantar organizado por uma amiga casual, cheio de convidados casuais. Quase ninguém se conhecia: era, dizia a anfitriã, “um encontro de gente que se conhece de vista e certamente já terá trocado um ‘com licença’ à porta da casa de banho”. Achámos o conceito giro e lá fomos. O restaurante era castiço, com banquinhos de madeira envernizados e janelas grandes. Azulejos de cores fortes concediam ao espaço o ambiente luminoso de uma festa popular. Parecia a Lapa, mas a Sofia fez finca-pé e chamou-lhe Rio. Uma vizinha de cadeira da Sofia gostou logo dela, mal nos fizemos à mesa, e em pouco tempo começou a descrever-lhe com entusiasmo os grandes benefícios do sexo anal. A Sofia ria-se muito enquanto tentava compreender que tipo de aventuras o anjo da guarda lhe preparava daquela vez - perceber a lógica dos anjos sempre foi a grande obsessão dela. Bebemos duas caipirinhas cada antes de começarem a servir. Da ampla variedade de petiscos à nossa disposição virei choco frito e carapaus alimados, uma especialidade algarvia. A Sofia comeu melancia, uma especialidade dos sonhadores.

Era uma tarde-noite atípica na localidade que a Sofia dizia ser o Rio, parecendo a Lapa. Um denso manto de nevoeiro pairava nos intervalos entre as pessoas, fazendo de cada qual uma ilha fantasma. Fitei o olhar no pulso esquerdo à procura das horas, sussurrei-lhe algo ao ouvido, beijei-lhe o rosto e puxei-me para trás com a ajuda da cadeira. “Vou a casa e já venho.” Regressei meia hora depois, acompanhado de uma rapariga louca a cair pelos cantos. Dona de uma beleza muito portuguesa, já um pouco estragada, a M. mal se aguentava nos saltos que a erguiam oito centímetros acima do solo, atribuindo-lhe a altura certa para ser beijada sem grande desvio pelos mais altos. Sorria de olhos quase fechados, sempre com dois dentinhos à mostra. Fungava muito - estava no mundo dela. Tinha-a encontrado à porta de um bar enquanto arrepiava caminho para ver se acontecia alguma coisa. Aprendera com a Sofia, através do Jack Kerouac, que “é preciso saber o que se passa”. Daí que fosse normal fazer aquilo. A M. era uma amiga de infância que eu praticamente só recordava ter conhecido após a adolescência. Hoje, adultos, mal nos falávamos. Guardávamos aquela tensão levemente rancorosa dos ex-amantes. Qualquer tema era fresco se não nos envolvesse a dois e, ao invés, motivo de ruga cavada no rosto. Arranjei espaço entre mim e a Sofia e sentei-a. Entrámos em sintonia logo ao primeiro disparate. A Sofia, a quem a M. depressa elogiou os lábios carnudos, adorou-a enquanto empurrava melancia com caipirinhas. Piscou-me o olho quando chegámos à sobremesa. Não mais nos largaríamos nessa noite.

Mais tarde, à boleia dos convidados do jantar casual, fomos a um bar ali na zona e a música era tão má que decidimos entreter-nos com um concurso de shots enquanto cantávamos “hang the DJ!, hang the DJ!, hang the DJ!”. A Sofia tinha fama de campeã, eu não tinha fama alguma e a M. nem entrou no campeonato – achámos melhor que nos continuasse a satisfazer com aquele sorriso de roedora e a afastar aqueles que aspiravam a levá-la para casa. Fui eliminado a meio da competição, mas a Sofia continuou em prova. Passara o tempo todo a sorrir para a M., que no vestido justo devolvia um estratégico abanar de ancas e alegria. Sob incentivos de todos os amigos casuais, os uis e os ais, a Sofia chegou à final já com os olhos endiabrados e após o derradeiro shot correu até à rua para soltar tudo pela boca, num canteiro de jardim. Derrotada na final, continuava a admirar a M. do vestido justo e das curvas de perdição, que nessa altura já dançava comigo ao som do que eu lhe cantava ao ouvido.

A Sofia aproximou-se, hesitante, e puxei-a para um abraço a três. Com a cabeça pousada no ombro da M., olhos vermelhos nos meus, perguntou-me: “She is electric. Can I be electric too?”

Juro que sou uma lula morena


- Siga à praia amanhã?

- Até ia mas só queres é noite e amanhã não acordavas.

- Não é bem assim, troco uma noitada por um dia de praia mesmo 'praia'.

- Sei. Vamos à Costa?

- Vamos, vamos demorar tanto tempo no trânsito como a tostar ao sol.

- Presumo que não queiras ir a Carcavelos...

- Isso tem areia e mar mas chamar-lhe 'praia' parece-me rebuscado.

- Pois. Mas então onde raio vamos?

- Liga-me quando acordares.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

rapidinha sobre festivais

Alive! – nein (a dar cabeçadas na parede por falhar a frota de raposas)



SBSR – estou à espera não sei de quê para comprar o passe, Zach, mas se estiver vivo conta comigo



FMM – sou moço para dar uns mergulhos nas águas badalhocas de Sines.



Paredes de Coura – yeah yeah yeah yeah yeah yeahhhhh.

terça-feira, 21 de junho de 2011

What happens in heaven stays in heaven

a culpa é do Mota I

Para chegar até à praia, o gangue do sorriso teve a destreza das lesmas. Diga-se que o pouco agitado trajecto até à praia do Malhão também ajuda: é regular na irregularidade - sarapintado de buracos e terrapó. Por isso mesmo pareceu-nos bem aproveitar cada segundo, parar os carros junto à berma, saltar cá para fora e fazer um filme na terrapó com dança e disparates. Três rádios, três bandas sonoras, três pistas de dança. No carro de trás o Abreu e a Susana, acabadinhos de perder o dia de praia e ganhar o pôr-do -sol, disparavam Battles; no do meio, o meu, o Mota e eu oferecíamos Jackson Five. À frente o menu sonoro da Xana e da Joana D. contemplava o fim de uma qualquer música da Rihanna e logo a seguir o desabafo sobre (in)fidelidade antes de descarregar o autoclismo um dia assinado pelos Santos e Pecadores. Quando nos apercebemos do que se passava no carro delas... bem... o Abreu ficou com as pupilas dilatadas, o Mota enregelou, eu tive um ataque de tosse e a Susana entrou em negação. Mas tudo voltaria à normalidade e seguimos até à berma de uma falésia para ver o mais básico pôr-do-sol da história. Não havia nuvens e o grande ponto amarelo lá no alto nunca chegou a ficar alaranjado. Umas fotos com as super-máquinas analógicas que a malta cool tanto gosta de comprar e glup!, a grande bola de fogo era engolida em molhado. Ainda estou para contemplar aquela morte do dia em África, coisa de postal que os meus pais me contam com o melhor dos exageros desde que me lembro.

Fins-de-semana com Lisboa pelas costas implicam não dar os bons dias ao Dartagnan à entrada do Incógnito, mas são coisa boa, sobretudo quando a viagem é em si mesma um prémio. Fiz a minha pela costa, rumo a Vila Nova de Mil Fontes, recebendo indicações muito precisas para a praia devida, cortesia da Joana D.. “Moco tams na praia d malhao sabes ond fica?na estrada de quem de vem de porto covo para vila nova é do lado direito antes d chegares a brunheria.dpx na estrada de terra sempre em frente dpx a direita numa estrada de areia no meio de arbustos chegas a um parque de estacionamento ond ves um carro pegeout cizento matricula 12LI10 ou 10LI12.desces as dunas e vais para uma praia grande com uma casinha azul mas ns tams para a direita zona das rochas Numa praia pikena.nao tems rede :( vams estando atentos em busca de rede.bjs grands”

a culpa é do Mota II
Quem me conhece sabe minimamente os efeitos nocivos que este tipo de coordenadas podem ter nas minhas ideias, pelo que fui metendo mudanças até Mil Fontes com o meu cérebro a cheirar ao que a carne esturricada cheira. Cheguei a parar e sair do carro em Porto Covo, ponto morto e motor ligado (ai Rui, Rui...) enquanto atravessava a estrada para questionar uma mulher ainda jovem e bem gira, muito provavelmente mãe da equipa de infantis que a rodeava, como raio chegava a Mil Fontes sem placas por ali com a respectiva indicação. Rodeado do meu próprio fumo lá conseguir aparecer naquele buraco balnear, praia do Malhão, depressa por mim apelidada de lua, dada a proximidade. O grupo estava animado e além dos já citados incluía o digno JPC, a activista Joana F., a mui respeitável leoa Maria e a Filipa, aka Fada do Miradouro, sendo que na noite anterior as duas últimas tinham sido consagradas Grãs-mestres dos Mojitos e horas depois despediram-se do Alentejo, de regresso à capital. Naquela areia de ninguém havia jornais, revistas e livros para entreter e muita comida para ‘picar’, faltando apenas, digo eu, disse eu, uma geleira com minis. Mas havia uma bola, o que no meu caso substitui. Ao ver-me pontapear o esférico com a alegria do Chuck Norris quando de noite encara sozinho um grupo de 50 mexicanos a salivar numa rua estreita, o bom Mota confidenciou à mocinha dele, a Joana D., que, a ter um filho, gostaria que fosse eu. “Olha ele ali a divertir-se sozinho, sem incomodar ninguém!”. Babadíssima, a doce Joana D. veio ter comigo, relatou o caso e de pronto me ajoelhei e dei a mão à minha nova mãe, deixando-me levar até junto do meu novo pai enquanto chuchava o polegar.

girls just wanna have fun (a culpa é do Mota III)
Uma das minhas preocupações naquela estadia era o telemóvel, que estava a ficar sem bateria apesar de o ter deixado a carregar algum tempo durante a noite da véspera. Problema à vista. Não por isso de ficar incontactável durante dois dias, que é das coisas mais sedutoras que existem, mas porque combinara encontrar-me com uma amiga numa terriola ali perto, ao fim do dia seguinte. A sucessão de eventos dir-me-ia que mais fácil seria encontrar ouro por ali do que propriamente conseguir vê-la. Mas se não pus os olhos na miúda, foi na companhia da Xana, do Mota e da Joana D. que tive a minha primeira experiência numa praia de nudismo. Rodeados de pilas e grutinhas mais ou menos cuidadas, seguimos como se nada fosse em direcção à cascata pretendida e tomámos um banho de água doce. Um momento ideal para fotos gordurosas à Baywatch e permitir que, a olhos vistos, a água doce fizesse uma reavaliação dos danos que o rei sol nos deixava na pele após várias horas a torrar como gente grande (e parva). Embora parecesse precisa, a leitura dos estragos pouco teve a ver com aquela que agora faço – há bocado passei por mim em frente ao espelho da casa de banho e vi um corpo com queimaduras de algum grau suficiente para já ter solto uns belíssimos “ai foda-se!” àquele pessoal que teima em assinar reencontros com intensas palmadas nas omoplatas alheias. Banhista sofre.

Sendo um moço virado para a cidade, não resisto à serenidade de uma terrinha onde reúnes amigos a beber cerveja ou vinho (Lambrusco, a pancada daquela gente) no pátio de uma casa com cheiro a bisavós enquanto, cito a Joana F., ouves vacas a foder. E se o campo é bom, campo e costa juntos soam ainda melhor. A vida inspira-nos.

a culpa é do Mota IV
A Xana concordará. Apesar, ou devido à beleza dos olhos que nosso senhor o Criador máximo de todas as coisas lhe concedeu, ela nutre uma simpatia muito grande por sweats com capuz, e é com eles a cobrir a cabeça que se costuma movimentar no Bairro Alto e outros. É a forma mais eficiente que encontrou para, dentro do possível, tentar passar despercebida. Ainda assim, em noites boas, as abordagens são a cada cinco minutos. Todos querem ver de perto aqueles faróis que de tão verdes parecem azuis.

Vila Nova de Mil fontes é uma localidade pacífica por esta altura do ano, merecendo pouco a fama que tem de sítio-que-era-giro-e-onde-já-se-esteve-bem-mas-eh!-agora-tem-muita-confusão. De regresso a casa após uma noite calma, com jantar, gelataria, bar e quase discoteca (no templo Sudwest pedem cinco euros sem consumo aos rapazes, mesmo que a casa esteja vazia, o que era o caso), foi-nos recordado que o silêncio era muito prezado por aquelas bandas, nomeadamente pela vizinha do andar de cima. Os meus olhos cruzaram-se com os dela durante a tarde. Vestia de negro, tinha um buço considerável e à falta de mais dentes mordia praticamente em vão o interior da boca. Os hábitos que conservava no trato connosco eram conhecidos da véspera: reclamava durante a noite por não conseguir dormir e nas primeiras horas da manhã vingava-se com uma cassete de folclore alentejano, volume do rádio no máximo. “Oh não!, a puta da velha!”, desabafaria eu pelas oito da matina a remexer-me na cama de olhos esbugalhados por força das circunstâncias.

a culpa é do mota V (e da puta da velha aí no andar de cima)
Neste relato que é um carrossel especialmente egocêntrico, importa referir que tenho o toque de midas, embora ao contrário. Se, do menos para o mais grave, os níveis dessa escala forem um (descuidado), dois (trapalhão) e três (desastre), o meu nível será o quatro, cujo termo-definição permanece por inventar. Isso mesmo se pôde verificar quando paguei o meu jantar com o cartão multibanco levando atrás do recibo um emaranhado de rolos e peças da maquineta. Não tenho culpa.

Ao fim do dia seguinte, com planos alterados face ao desencontro com a minha amiga, despedi-me do gangue do sorriso e ataquei a estrada de terra rumo à de alcatrão. Na reentrada para a estrada nacional, virar à esquerda significava papar quilómetros de volta a Lisboa, onde trabalhava no dia seguinte. Para a direita as placas indicavam Odemira, São Teotónio, Zambujeira do Mar, Algarve. Como eu gosto de pregar surpresas à famelga...




quinta-feira, 16 de junho de 2011

És tão aborrecida que deves ter nascido numa manhã de domingo...

... só mesmo para aborrecer. Uma pestana a errar olho dentro. Odor a banana num autocarro cheio em Agosto. Ah.. parece que te oiço rosnar ao mundo logo pela fresquinha, mal acordas, abrindo a janela da tua linda casota, “rrrrrrrrr... tudo para a puta que vos pariu!”. Para ti, querida, que tens a sensibilidade de um camião TIR, deixo votos sinceros de que invistas em paixões por cesariana, que isso do parto natural, lamento, já era. Ou, por outra, é para outros. Esquece.. aceita ou esquece o espelho. Talvez assim deixes, através de nós, de amaldiçoar o dia em que nasceste - talvez deixes de fazer pouco de tudo o que é vivo ou morto sem perceberes que vivamorta estás tu. E viveremos todos felizes para sempre. A começar por ti.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Procurar é metade do prazer



A notícia de eu não aproveitar as manhãs é um exagero. Dou-lhes, isso sim, uma nova perspectiva: a de quem vem da noite.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Uma mulher é sempre algo mais

Invenção Colectiva, René Magritte (1933)

Em cada ideia um espectáculo de pirotecnia. A piada mais afiada: minha, tua, de quem apanhar.

A estratégica autocomiseração. A gargalhada para baixo, para o lado, para qualquer direcção menos na de quem a faz rir.

O vício, a facilidade de ser feliz (e para os outros o contágio de presente).

Astúcia na pose. Aqui agradável. Saber estar. Ali tresloucada. Disponível para se deixar ir. Sempre à altura do momento.

Viver o sonho quando outros sonham a vida.

A máscara certa no momento oportuno. Actriz. Portuguesa. Tanto.

Pouco talento na arte da mentira. Confiável.

Pé de dança fácil.

O melhor sentido de humor.

O mesmo radar de interesses.

O mesmo tipo de perdições.

A mesma cura.

O vinho. A revolução.

Companhia perfeita;

Corpo compacto, harmonioso, escondido.

Maçãs do rosto na primeira fila. Seios pequenos e bonitos. Pele seca.

Sem vaidade.

Poucos cavalos a galopar no peito. Observadora ao detalhe. Esperteza felina.

Os primeiros cabelos brancos (“não vejo nada, és maluca”). Os primeiros traços de preocupação no rosto. A paz que é pedido de socorro amordaçado atrás das lentes.

A curva de Miss Reef no lombo. Dunas sem publicidade. Nunca tão sedutora quanto possível. Pudor sobre o prazer.

Mais bela com mais pele à vista.

Falta-lhe o cheiro de mulher.

domingo, 12 de junho de 2011

"At least I author my own disaster"



Se focarmos um ponto lá longe, distante, só a nós visível, podemos passar sem dor nem culpa pelos gélidos corredores da memória e curtir isto tudo a direito. Temos um plano: o passado não é opção.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Música para partir sem olhar para trás...



... quando ele roubar a namorada do namorado dela.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

No happy end for you (título inspirado no episódio do Seinfeld, Soup Nazi)

Alguém que lhe dedicasse dois minutos de conversa percebia logo que a maior dor por ela sentida até àquele momento teria sido dormir de luz apagada. A altivez dos modos, o tom de voz Heloísa Apolónia, a não aceitação do erro... uma chata de primeira. Admirava-lhe o trote afirmativo na chegada e lento, de passerelle, ciente da atenção recebida, na partida. Mimada e atraente. Ninguém gostava dela. Poucos a suportavam. Todos a queriam levar para casa. Eu sentia isso tudo, frequentemente ao mesmo tempo, e tentei a minha sorte. Mais tarde percebi que ali começava a construir uma das minhas primeiras (e poucas) relações na plena posse das minhas faculdades - leia-se: sem copos, sem amigos – meus, pelo menos - em redor, sem nada a provar a não ser ela mesmo. (Um banquete). As coisas correram bem e conheci a mãe após a primeira noite. Apareceu-me em casa de manhã com pré-aviso de meia hora. Ainda eu ostentava a cara de parvo dos recém-acordados, lado a baixo com ela, quando surgiu na soleira da porta e, de dedo em riste, prometeu fazer cair o céu sobre a filha por esta ter passado a noite fora de casa sem lhe dizer porra nenhuma. Afaguei o cabelo à filha enquanto esta levava uma bronca épica. A mãe nunca chegou a entrar em território inimigo. No tapete da parte de fora se deixou ver e dali bazou, despedindo-se com um sorriso avinagrado, deixando-me sozinho - arrastou a filha com ela por uma orelha.

Para ter o bem bom fui forçado a testemunhar algumas coisas bem forinha, nomeadamente tempestades coléricas da miúda que decerto provocaram alterações na lógica muito própria das marés, e que eu, com a experiência daquela manhã, entendia na perfeição de onde vinham. Uma vez resolveu atacar o mundo porque um condutor a 100 metros de distância mudou de faixa sem fazer o respectivo sinal. Tive o azar de lhe tentar acalmar e levei com um camião de berros em cima. Aprendi a lição: nunca subestimar as potencialidades de uma vénus em fúria. Foi a primeira discussão.

Mas era pelo paraíso que dava o corpo ao manifesto e certo dia fizemos um passeio romântico por um jardim. Namorados perseguiam-se, crianças faziam macacadas e os passarinhos cantavam. Uma brisa estúpida ajudava à sinfonia. Que bela tarde. Deitámo-nos de lado na relva do jardim, frente a frente, e ela desapertou-me as calças. Fitando-lhe os olhos com as têmporas dilatadas compreendi as causas e antecipei as consequências. Dei o mesmo tratamento às calças dela e fomos generosos um com o outro. O dia continuava bonito e sugeri que trocassemos aquele lugar por outro mais recatado. Escolhemos um banco de jardim cercado de arbustos. Pareceu-me haver movimento atrás deles mas a generosidade dela crescia à medida que o meu raciocínio perdia faculdades. 1+2 e eu falharia a resposta. A dada altura perguntou-me até que ponto seria correcto investirmos numas castanhadas ali no meio dos arbustos. Considerei a hipótese com afecto e para lá seguimos. Mas as folhagens continuavam com uma agitação fora do comum para a brisa que se fazia sentir e aliás era para diante delas que nos precipitávamos, ambos de calças em baixo. Estranho. Na confusão ela estragou a fivela de cabedal onde enfiava o dedão-dedinho do pé numa das sandálias. Socorri-me de um preservativo. Compasso de espera. Sussurrei-lhe barbaridades ao ouvido. Ela tremeu e devolveu multiplicado. E, claro, foi precisamente quando iniciávamos a sessão de física experimental que as folhagens ganharam vida ao estilo David Attenborough. Cabrão. Durante aquele tempo todo um segurança esperara ali atrás até à hora h para dar sinal de si. Tinha visto tudo. Calças para cima e dali escapámos descabelados, ofegantes e atomatados. Eu sofria, fazendo-me entender de “foda-se” para cima. Ela perdia-se de riso e provocava-me. Aproximámo-nos de um segurança que não tinhamos visto antes, rumo a uma porta de saída lateral. Saberia do que se passava? De certeza. Baixei a cabeça passando por ele, a bem de não ser reconhecido num eventual regresso. Já ela, lá para trás, sem pressa, insinuou-se ao passar por ele de sandálias na mão, demorando tanto tempo quanto possível, bamboleante, descalça, espectacular.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Vem

Mordeu o lábio inferior e com dois dedos abriu caminho por entre o estore da janela do quarto, espreitando a rua. Lá estava ele. Sentia-se cercada por um homem imperfeito. O peito rufava em sobressalto. Num estalar de dedos conseguia acumular-lhe uma pilha de defeitos. Não aceitar a mão na rua era o pior de todos, mas também se revelava bruto aos domingos. Menos incómoda era a pose de fera em posição de ataque sempre que ao lado dela apareciam amigos e ex-namorados - o ciúme dele oferecia-lhe um sentimento de pertença. Era reconfortante. Também a excitava a ideia das masmorras. A banda desenhada cedo lhe fizera saber que por ali passava qualquer princesa digna de o ser - porque raio haveria de ser diferente com ela? O cárcere e a ilusão de haver um herói, algures, para a salvar, eram inteiramente do seu agrado. Na melhor das hipóteses seria disputada por dois homens na qualidade de pedra preciosa. Sobre as virtudes dele já ela se fazia entender através do próprio corpo, suado de tanta imaginação, e preferia não as estragar com palavras. Gostou de pensar que nunca lhe seria possível ver-se totalmente livre dele. Puxou o estore a metade da visibilidade e soltou o nó da toalha à volta da cintura, afastando-se lentamente, nua. Deixou-se ver. Foi à casa de banho e regulou as torneiras para um banho quente. Perfumou o pescoço. Dirigiu-se à porta de entrada e destrancou-a, deixando-a entreaberta. Voltou à casa de banho. Entrou na banheira. Devagar. Ligou o rádio na altura em que passava a canção certa. Abençoou o momento. Por instantes lembrou-se da mulher dele. Interrogou se naquele momento a senhora cornuda teria interrompido o trabalho e segurado uma pequena moldura com a fotografia de família que exibia na mesa do escritório, adorando-a e dando graças ao Criador com C grande pela vida tranquila e aborrecida que levava junto do bom marido e dos filhos adolescentes e palermas. Da porta de entrada soou o clique do trinco. Ouviu passos. Aproximação. O que lhe pareceu soar a um anel roçou a porta quase fechada que os separava. Uma, duas vezes. Depois... nada. Quem por ali estivesse deteve marcha e som. Ausência de movimento. Ela tremia de dúvidas e escavou fundo até encontrar tesão e pânico. Respiração em suspenso. Sem saber quem permanecia do outro lado da parede, ela devolveu ar ao peito e atropelou o silêncio: “vem.”