terça-feira, 30 de abril de 2013

Jesualdo Ferreira: obviamente para ficar

O professor ensina, os putos aprendem. É isto. Tem de ser isto.

Votei no Bruno de Carvalho, festejei a eleição dele como uma grande conquista do Sporting, mas vou cobrar. Desde logo, a continuação do Jesualdo. Os pontos na era dele conquistados ajudam, mas é o futebol dos putos que mais seduz. O crescimento táctico. Os mecanismos. A confiança. A resiliência. A união. A aposta num onze tipo. Pequenas coisas que dão trabalho e só resultam com quem percebe (mesmo) da coisa.

É o homem certo para ajudar a xavalada a potenciar o inesgotável talento que tem. Independentemente de se chegar à Europa ou não, por muito que custe escrever isto - e custa muito. Chega de aventuras. Haja juízo. Haja paciência. Isto melhora.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Em perspectiva

Na calada da noite irrompe um harmonioso assobio. Daqueles que quase irritam: como se atreve aquela pessoa a assobiar assim, tão airosa, tão feliz? Cuspo um fio de vinagre e interrompo a respiração para que ruído algum abafe o assobio; depois retomo-a, senão este texto já não sai. É um assobio muito bonito, podia ser de um tordo apostado em colorir a paisagem urbano-depressiva, só que sai demasiado forte, é sem dúvida humano. Tem um jeito marialva, quer e faz-se ouvir - lembra o Bruma e o Carrillo a fazer pouco dos defesas do Gi Vicente, tal a lata.

Oiço-o com admiração, o assobio - toda a força criadora da primavera está ali. Vou à janela, espreito lá para baixo à procura do culpado. Encontro-o: é o homem do lixo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Amanhã acordo mais cedo


Saio de casa mais cedo. Coisas a resolver nas finanças. Faço-me à calçada portuguesa. Perigos no chão (aquela moda dos donos de cães a agachar-se com um saco de plástico na mão já era) e no ar (raides aéreos de pombos). Temperatura boa. Desço e subo colinas, um bom teste para o joelho que magoei na manhã de Natal, o segundo teste depois de ter voltado a jogar à bola no sábado de manhã, com os olhos bem vermelhos e quatro horas de descanso no corpo. Tiro o casaco - já suo. Chego à repartição das finanças desejada. Demoro cerca de um minuto a tentar compreender qual das senhas devo tirar. Tiro três – antes prevenir. Nem me sento. A sala de espera está cheia: há uma média de 20 pessoas à minha frente em cada uma das senhas. Ocorre-me que, a enganar-me no balcão devido, terei de me enganar rapidamente de modo a ainda apanhar a minha vez num dos outros dois para os quais tenho senhas. Dez, vinte, trinta minutos à espera. Torna-se curta a hora que tenho para resolver as coisas. Aproxima-se um senhor com uma boina perfeita. Sobrancelhas carregadas e brancas. Mãos trémulas. Voz idem. Pede-me para lhe tirar uma senha ‘E’. Assim faço.

“Ooo-bri-ga-do.”

“Ora essa, chefe!”.

Quarenta minutos. Cinquenta. Observo um quadro com informações. Diz assim: “PODES ESTAR AÍ À VONTADE COM CARA DE QUEM ACHA QUE SE VAI DESPACHAR AINDA HOJE, SEM CHEGAR ATRASADO AO TRABALHO, PORQUE SE OLHARES BEM PARA A TUA CARTEIRA NÃO TENS LÁ O CARTÃO DO CIDADÃO.”

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Chuvinha é que é bom


O tempo uniu o meu irmão ao Inverno. Não escrevo isto para que soe bem, ele gosta mesmo de frio e chuva, de um certo ambiente de fim de mundo. E tanto gosta ele de tais encantos que, a custo, moído por uma noite longa, lá tirou o corpo da cama numa tarde pouco agradável e foi mexer os ossos para o passadiço de Alvor. Eu fui atrás, desconfiado. A minha mãe também. A habitual confusão de atletas, casais e cães naquela zona que envolve a ria de Alvor dava lugar a coisa nenhuma. À primeira vista estávamos sozinhos - enganei-me -, o que não me surpreendeu, dado que chovia e bem. Já no passadiço, e portanto à chuva, cruzámo-nos com dois cães que brincavam. Ao ver-nos passar por eles, acompanharam-nos em silêncio, muito dignos, durante centenas de metros. De fato de treino, o meu irmão ria-se; de calças de ganga, eu apercebia-me que já tinha o tecido bem colado às pernas. Mais à frente cruzámo-nos com um casal de estrangeiros. A minha mãe ficara no carro. “Está a chover”, constatou. Voltámos como volta quem esteve meia hora à chuva. O meu irmão, satisfeito, conseguira despertar o corpo moído ao mesmo tempo que contemplava a natureza sem cor ou temperatura humana - perfeito. Eu, que me tinha portado bem na véspera, ganhei pingos no nariz e a voz do Richard Hawley.