terça-feira, 29 de novembro de 2011

Se passares por polícias não cubras a cabeça

Estava fodido. Não me saía da cabeça o jogo em Carnide, perder sendo melhor. Tinha sido também um fim-de-semana agitado aqui do lado esquerdo, que, aliás, desacelerou um bocadinho. Só me faltava não encontrar um lugar para estacionar no regresso do trabalho, tendo o carro cheio de tralha para descarregar. Mas não seja por isso, nenhum buraco ali perto, de modo que o entrincheirei entre bairros de lata sob a benção de um cemitério, a última e mais comum das soluções, a um cigarro de casa - não fumo, mas é um funil temporário preciso. Frequentemente descarrego as coisas em segunda fila e depois vou estacionar o carro já sem documentos e valores, que deixo em casa, só naquela. Assim o fiz. Senti que roçava um dia perfeito quando comecei a sentir mais agudas as dores que já tinha na garganta e no lombo. Estava a chocar uma gripe, pensei, ao estacionar, e depressa cobri a cabeça com o capuz, que é para isso que eles existem, sobretudo quando nos sentimos engripados e é de noite e faz frio. E para casa caminhava quando a minha marcha foi detida por um de quatro ou cinco polícias que por ali andavam. “A sua identificação, por favor”, pediu-me. Perguntei-lhe porque raio me estava a pedir a identificação, ao que o polícia respondeu que tinha sido “registada uma ocorrência” na zona. Devolvi-lhe com tosse à mistura que o que o ocorria era que estava com uma carraspana olímpica, além de que não me podia identificar porque tinha deixado a carteira em casa depois de descarregar a tralha que trazia do Algarve, como de costume. “Esta zona não é famosa”, disse-lhe. Jovem, alerta, o polícia olhou-me, desconfiado, e teve a bondade de me deixar seguir. Agradeci e lá fui com a cabeça ao descoberto até cair de cama à boleia de medicação, com pausas de oito horas para poder pagar os medicamentos.

domingo, 27 de novembro de 2011

Pelas sombras

... não vires a cara, sim, é contigo - a seres livre, que o sejas, primeiro, de ti. Das tuas certezas, os nossos enganos. Sai do teu quintal, vê o que se passa, aprende: dois é a conta que D(eu)s não soube fazer por defeitos de ego. Não é que tenhamos demasiada culpa.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

James Blake

Ao saber que o segundo disco dos MGMT foi o meu preferido em 2010, um amigo chamou-me hipster. Bem, de onde a minha família vem isto resolvia-se com uma caçadeira, mas como eu até conheço a dele preferi chamar-lhe maluco – o Congratulations é honesto, subversivo, rico, rock com o melhor da sensibilidade pop, sei lá, é a melhor coisa que aconteceu à música em 2010. Conto pelos dedos de uma mão aqueles que entre os meus também pensaram assim, então e agora. Na verdade, mais de um ano após o lançamento, ainda não ouvi uma única música do álbum por aí, na noite que interessa. Sim, é menos dançável que o primeiro, mas nem uma?

Isto para falar do James Blake. Os meus amigos adoram-no; eu, epá, não gosto. Há quem ache que ele faz “minimal pós dubstep”. Outros dizem que ele é o grande artesão da electrónica silenciosa. Eu só o acho chato. Insisto em não levar muito a sério um músico cujo trabalho mais aplaudido chegou através de covers de temas da Feist (‘There’s a Limit To Your Love’) e da Joni Mitchell (‘Case Of You’). São covers bonitas? São, muito. E parecidas com as originais. Em ambos os casos. Não chega. Mas dá para fazer crescer água na boca. (Metáfora errada). Após vê-lo, ou suportá-lo, no Alive deste ano, a tendência era de que as posições se extremassem. Porém, algo mudou nos últimos dias - não muito, mas algo, depois de um amigo, um dos poucos que também ama o segundo disco dos MGMT, ter aclamado o arranque do EP “Enough Thunder”, que saiu no mês passado. Fui à procura e ouvi-o em streaming. Três vezes.

Goste-se ou não, há que reconhecer que a música do James Blake é, no limite, ambiciosa: quer a aceitação a partir do aborrecimento - partindo do princípio que se quer sempre uma aceitação favorável de algo que se cria. É estranho, mas implica ousadia. Por outro lado, sendo um cantor de emoções à flor da pele, parece ter vergonha de soar polido. Refugiando-se nos truques do dub, obriga-nos a trepar o muro para ver a beleza. É preciso ter muita paciência para entrar neste jogo do gato e do rato. Nem todos a têm. Eu, por exemplo, sou carneiro. Ascendência em touro.

O tema de abertura, ‘Once We all agree’, é cavernosamente chato, sendo simpático, e uma seca do caralho, sendo preciso. Não creio que aponte em direcção alguma – ou por outra, apontando, é para baixo. O meu amigo P.R.R. discordará. Mas partilhando a essência das restantes cinco músicas - a ideia de que é coisa para se ouvir a sós com os nossos botões - nada tem a ver com a qualidade que adiante descobri.

‘Fall Creek Boys Choir’, em parceria com Bon Iver, seria brilhante não fosse o caso de o James Blake se ter lembrado de encarcerar o falsete do Justin Vernon, frontman dos Bon Iver, numa roupagem auto-tune. Não havia necessidade. De resto é um tema r&b simples, eficaz e bonito, cheio das artimanhas digitais do costume, mas, neste caso, acrescentando algo à canção ao invés de simplesmente lhe segurar os cavalos. O tema-título é das melhores coisas que se pode fazer na inatacável combinação de voz e piano. Sem aditivos. The good old way. Há ainda a referida ‘Case Of You’, uma vitória anunciada. Posto isto: sim, todo o valor a quem desbrava novos terrenos, a quem ergue essa tocha – só assim a música avança. Foi assim que o James Blake ganhou um clube de fãs gigante. Mas, epá, o que ele faz, da forma que faz, aquilo que o difere da restante oferta, não tem sido para mim.

Isto, é. Fácil se torna de perceber que, aos 22 anos, o melhor dele ainda está para vir.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Eusébio calado é um poeta


No Sporting de Lourenço Marques, filial do SCP onde se formou

Tive a infeliz ideia de perder o meu tempo a debruçar-me sobre este tema, mas deves acabar o que começas. Parece que o eusébio concedeu uma entrevista à Única, revista do Expresso. Dizem-me que ofende o Sporting de forma gratuita. Estranho a notícia, pois nunca o vi como um incendiário dessa laia, e faço uma pesquisa na net (tempos modernos). Entro num site que refere o teor da entrevista. Leio umas coisas. Mais de cinquenta anos depois lembrou-se de negar a ideia de ter sido raptado no aeroporto de Lisboa pela agremiação sediada em frente ao colombo, e para lá ter seguido em vez de deixar as malas em Alvalade, como previsto. O eusébio não gostava nem gosta do Sporting, leio. Bem, se for só isto não se passa nada, penso. Continuo a fitar o ecrã. Leio mais. E sim, confirmo o que me tinham avisado.

Que não, que o eusébio nunca iria para o Sporting, que isso seria um disparate porque, diz o próprio, ou neste caso escreve o jornalista juntando em puzzle um qualquer punhado de interjeições cuspidas pelo pantera negra, tratava-se de “um clube da polícia, que não gostava das pessoas de cor, racista”. Leio isto com espanto, confesso. Não esperava que se descesse tão baixo. Percebi depois que estas acusações vinham estampadas na chamada de capa da Única e já circulavam de forma viral na net, dois dias depois de o Sporting participar em Luanda na Taça de Independência de Angola, onde homenageou o angolano Dinis, glória verde e branca dos anos 70.

O Dinis é o rapaz do lado esquerdo
Ora bem numa reacção imediata ocorre-me condenar o que leio, um insulto miserável vindo de alguém que foi recebido de braços abertos no Sporting de Lourenço Marques, uma filial do Sporting Clube de Portugal (SCP), depois de ter sido rejeitado duas vezes pela filial do clube que o notabilizaria como profissional. Gostava de o ver dizer estas coisas à frente do Hilário, amigo de infância com quem o eusébio jogou no Sporting de Lourenço Marques e que depois veio para o SCP. É feio cuspir no prato onde se come. Por outro lado se eu fosse o Pacheco Pereira diria que “a grande questão” se prende com as horas a que a entrevista foi concedida. Mas, honestamente, não tenho a certeza se o eusébio estaria para lá de grosso, o que é bem possível na medida em que conota o Sporting com o Estado Novo ao mesmo tempo que chama de “Padrinho” ao Salazar, aquele porreiraço de quem muita gente tem saudades, que perseguia, prendia e mandava matar opositores e aliás impediu o pantera negra de sair do país para jogar em Itália, no Inter. É.


Mas como eu até penso pela minha cabeça, e vejo mais do que o retrato oferece, diria que o departamento de comunicação da agremiação sediada em frente ao colombo lançou uma ofensiva mediática para encobrir as acusações de racismo que recaem sobre um médio espanhol que por lá têm, o jogador mais desleal que vi em Portugal desde que o Bruno Alves voou para a Rússia. Como? Através de entrevistas metralhadas por toda a imprensa, desportiva e generalista, falando do tempo e outras trivialidades e, numa delas, desviando o foco dessas acusações de racismo na direcção do Sporting, que nada tem a ver com o assunto mas é o próximo adversário no campeonato. (E também, talvez sobretudo, porque sim).

Uma encomenda de quem lhe paga a pinga. Um ataquezinho baixo, degradante, desferido por um antigo grande futebolista lamentavelmente transformado em moço de recados – isto na semana em que se soube que dia 26 será estreada uma rede com cobertura lateral e frontal no último piso da banheira vermelha para onde serão atirados os adeptos do Sporting.

No fim de contas, concluo não haver motivos para me sentir surpreendido: na agremiação sediada em frente ao colombo é patológico isso de se confundir grandeza com tacanhez, salvo algumas honrosas excepções – curiosamente todos meus amigos. E sim, a referida agremiação é o que dela reclamam os respectivos adeptos, de estar mais próxima da religião do que desporto – é que no desporto sempre existiu respeito pelo adversário, isso é cultural, incontornável. Pode haver excepções, mas no fim do dia as instituições têm de dar o exemplo por quem as dirige. E é aí que a agremiação sediada em frente ao colombo mostra o que é na eterna demanda de tudo fazer para que ninguém a suporte, só para depois vergar meio mundo sob o rótulo de “anti”, que é bem mais confortável do que espreitar o que reflecte o espelho. Nunca serão verdadeiramente Grandes, porque não são Inteiros. Dificilmente poderão ser respeitados. Assim foi, assim será.

sábado, 12 de novembro de 2011

?

Não tenho motivos para voltar aqui, disse-lhe, crua, nua, enquanto se dobrava para apanhar do chão o que horas antes foi deixando pelo caminho, com ajuda, não tenho motivos para trocar um amor que sufoca, maior que a vida, impossível, por outro de conveniência, dentro do contexto, correcto, não tenho motivos para achar que isto é melhor do que aquilo, não tenho motivos para voltar aqui, repetiu para si própria, pé ante pé do quarto para o corredor, escadas, rua e metro, incapaz de devolver o sorriso a uma idosa que se sentava ali em frente de mão protegida pela do marido – imaginou 50 anos de amor -, não tenho motivos para achar que isto é melhor, sussurrou ao espelho, assustando-se com a maquilhagem, não tenho motivos para não gostar de mim, mas não gosto, aceitou, não tenho motivos para não gostar de mim e não tenho motivos para não gostar dos outros – não podes gostar dos outros se não gostas de ti -, não tenho motivos para ser como sou, reflectiu na almofada, não tenho motivos para reduzir a conveniência e correcção o que é meu, real, sonhou, não tenho motivos para querer como prioridade quem me vê como alternativa, apercebeu-se, de manhã, à janela, mordendo meio lábio, tenho motivos para voltar, disse.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ela (e o vento)

"txim txim in 5, 4, 3... (A. e C. deverão desculpar os holofotes)"
Nunca tinha conhecido alguém que chorasse com o vento.
Da castanha esquerda um fio-cascata.
Pingo a pingo um mar tropical.
Adivinho corais.

Mergulho.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Contágio

Dizem que a paixão te conheceu, e em ti ficou.
Pelas minhas contas és duas vezes em ti.
Nos outros, muitas mais.