segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Gaiola Dourada: bah


Tenho um problema com filmes de comédia que não me fazem rir. A Gaiola Dourada não me fez rir. Tenho um problema com a Gaiola Dourada.

A ideia com que fico, depois de ver o filme português mais badalado desde as fitas caseiras de um arquitecto com especial queda pela profundidade, é que o Ruben Alves se perdeu ao querer fazer de tudo um pouco. Em vez de realizar uma comédia realmente cómica, ou de um drama mesmo dramático, quis agradar a toda a gente e acabou a meio caminho de coisa nenhuma. 

(E depois há aquela incrível falta de bom gosto de incluir em várias cenas adereços alusivos ao clube mais emblemático de Carnide, e de mais nenhum clube português, como se não houvesse sportinguistas por aí, em Agosto, que comecem as frases com 'bonjour!' e terminem num ruidoso 'porra!').

Até que é bem esgalhado, o retrato do português emigrado em França. A história central tem razão de ser e é bem ligada. Só que a dada altura o nosso Ruben deixa-se levar pelas emoções - o filme é dedicado aos pais, eles próprios emigrantes em França, o que talvez explique muita coisa - e transforma a Gaiola Dourada numa espécie de peça de teatro de revista meio aborrecida, com saudade a mais e malandrice a menos. Se há momentos memoráveis no filme, são os mais tensos, e isso não pode dizer grande coisa de um filme classificado como comédia.

Ocorreu-me, à saída do cinema, sobretudo pela forma como o filme acaba, que a malta da Revista do Boa Esperança de Portimão faria bem melhor.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Antes que amanheça, Vítor!


A pergunta é: como é que este craque só chega a um grande clube aos 29 anos? Vendo-o jogar, sempre de cabeça levantada e a tratar a bola com uma classe quase sem paralelo em Portugal, compreendo que andou tudo a dormir até agora. Esta oportunidade concedida ao Vítor de fazer carreira no Sporting lembra-me aquela cena inicial do Before Sunrise, em que o Jesse convence a Celine a sair do comboio e a visitar Viena com ele durante umas horas, com o argumento de ser uma espécie de viagem no tempo, uma oportunidade para ela recuar até à idade dos sonhos e saber como teria sido se tivesse conhecido melhor aquele rapaz interessante que a abordou, saber se teria sido mais feliz com ele do que com o marido chato que atura, dez ou vinte anos depois. O Jesse concedeu-lhe essa oportunidade, tal como o Sporting o fez com o Vítor. Que ambos aproveitem da melhor forma esta viagem no tempo.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Viseu é arrumadinha, espaçosa e sacrossanta

Viseu podia de repente mudar-se para um despovoado nos Estados Unidos que ninguém por lá desconfiaria. Apresenta aquelas ruas amplas e arrumadinhas que o cinema sempre vendeu das cidades americanas. É impecável.

Não se vê um papel ou uma lata vazia no chão. Por contraponto, multiplicam-se arranjos de flores, igrejas e rotundas - é quase comovente a insistência de que é com rotundas a cada 100 metros que o trânsito vai lá. Por todo o lado se casa o moderno com o antigo. Abundam construções em pedra que, de tão bem tratadas, evocam uma cidade antiga na altura em que era nova. Há também muito espaço verde - é num parque florestal (Fontelo), por exemplo, que se situa o estádio do Académico de Viseu. O centro histórico é uma graça e, ainda não percebi se por isso mesmo, por ser acolhedor e cuidado, está abandonado como a maioria. Só me lembro de por lá ver um cão fã do Garfield, devidamente fotografado pela Vânia Chagas, e de uma artista que pintava uma procissão numa porta-tela de madeira.

Na próxima vida pode ser que os centros das cidades sejam feios e a malta lhes descubra.

A urbanização é de uma categoria à parte. As ruas são amplas e os prédios não se acotovelam. Têm um espaço próprio. Respiram. De qualquer lado se pode ver boa parte da extensão de uma cidade que parece ser o exacto produto da vontade de quem manda, o senhor Ruas. Não me surpreendi quando, a dada altura, o Pedro Pascoal fez a observação de que em Viseu não há pobres, ou pelo menos não se sabe por onde andam.

Mas nada do que atrás foi descrito pode ser comparado em matéria de espanto com os tomates do pai do Pascoal, uma das grandes relíquias da agricultura local. Oriundos dos tomateiros que orgulhosamente cultiva em 'Fontearcada' - é assim que se escreve? -, a meia hora de Viseu como quem vai para Espanha, chegam a pesar para cima de meio quilo. O pai do Pascoal tem o cuidado de os regar todos os dias, a bem de não murcharem. Mas há tomates ainda maiores: foi com orgulho que, no domingo, a mãe do Pascoal me mostrou um que pesava 900 gramas. A última refeição do fim de semana, um bacalhau assado para não meter defeito, teve-os como protagonistas. Nota 10.

Naquela casinha simpática em Fontearcada encontrei um cesto de basquetebol ao qual emprestei alguma atenção. O Pascoal era mais triplos; eu, afundanços. Lembrei-me de tentarmos um alley-oop, o que à primeira resultou, mas fomos falhando os seguintes, muito por minha culpa, que oriento-me melhor com uma bola no pé do que nas mãos. Senti que tinha de dar mais de mim e à 5ª ou 6ª tentativa ataquei o cesto com tudo, mas tive a pouca sorte de falhar o afundanço e aterrar com o braço direito num gancho de rede. Conduziria de regresso a Lisboa com o braço besuntado de Betadine e a manga arregaçada, à emigrante luso-francês. Só me faltava a meia branca para estar no ponto.

A estadia no apartamento dos pais do Pascoal foi de príncipe. São uma família funcional, muito equilibrada. O pai trata a mãe por mãe e a mãe trata o pai por pai - se pensarmos bem, faz sentido. E gostam de agradar: sabendo-me algarvio, prepararam salmão grelhado na sexta ao jantar e red fish no forno, sábado ao almoço. Vinho: Casa de Santar, branco, 2012. Na única refeição na companhia deles que se fez fora de casa, domingo ao almoço, na celebração do aniversário de uma tia do Pascoal, apostei em filetes de polvo com migas. Tão, tão bom. À sobremesa atirei-me a uma pêra bêbada e ainda provei requeijão com doce de abóbora. E o bolo de aniversário. Só não me lembro da marca do tinto. Pudera. Pode-se dizer que não me trataram nada mal. Ah!, tudo no melhor restaurante do pedaço, o Santa Luzia, ali mesmo junto do moribundo Day After.

As patuscadas tiveram seguimento na véspera, depois de um Sporting vs. Benfica que esteve mais para cá do que para lá, mas dividiu o mal (1 ponto) pela 2ª Circular. Apostou-se numa churrascada no casarão dos pais da Carolina, ainda por cima na rua - cortesia de uma noite perfeita. Quis armar-me em esperto e, topando um rádio ao pé da mesa, sintonizei-o na Antena 2, mas ao invés da candura apropriadamente sacra de um Bach levámos em cheio com o Requiem do Brahms. O Pascoal, que pela segunda vez vestia o casaco preto novo, independentemente da temperatura - e bem que ele suou, sobretudo na véspera -, não ficou especialmente entusiasmado com o que chamou de "missa do sétimo dia". Quem salvou aquilo foi a mãe da Carolina, que no leitor de CDs tinha um álbum dos Pink Floyd. Obrigado, dona Eduarda. A noite terminou na varanda da sala de sobremesas, com a Raquel Balsa a trocar argumentos com o Dr. Freitas sobre vindimas, já depois de um dueto de Buena Vista Social Club entre mim e o irmão da Carolina, e outras coisas igualmente lamentáveis.

O regresso a Lisboa fez-se ao som de Doors e The National, tendo-me parecido que mais tempo demorámos a fazer 80 quilómetros pelo IP3 do que propriamente os outros 200 pela auto-estrada. O IP3 é a pior estrada do país no campeonato daquelas que se acham mais do que são. Aquilo é meia faixa de rodagem e vamos com sorte, o cúmulo da claustrofobia rodoviária, um aborrecimento atroz. O IP3 é o oposto de Viseu.