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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O cão que mordeu a dona (e outras coisas)

Vê-se todo o tipo de coisas a acontecer num hospital, e, se calha receberes a pulseira verde, há uma coisa que não te vai falar: tempo para as testemunhares. Bastante, no meu caso - contei 24 pessoas à minha frente. Com mais, ou menos queixas, ninguém parecia tão necessitado de cuidados médicos como a miúda entre os 20 e os 30 que estava à entrada do São José. Tinha a cara marcada por feridas, sobretudo no nariz, mais exposto. Dois rapazes falavam com ela. Faziam perguntas, aliás. Apurei o ouvido. Percebi que tentavam ajudá-la, perceber o que se passava. Um deles parecia esperar pelo momento certo para fazer a pergunta óbvia. "Foi um cão?". Ela, incomodada, não respondeu à primeira, mas lá acabou por assumir que sim. O rapaz não desarmou e perguntou se tinha sido o dela. Hesitando, ela respondeu: "Sim". "Um pitbull?" "Sim, mas é problema meu".

Não demorou um fôlego até o rapaz das perguntas notar como os cães dessa raça são perigosos, como "é preciso ter cuidado" com eles, mas a rapariga, cada vez mais desconfortável na pele de vítima do próprio cão, despachou-os em menos de nada até conseguir ficar a sós com as feridas. Desconfiei que não tivesse cartão de utente e falei dela à funcionária da recepção, a qual, em cima de uns saltos épicos, media 1,65 metros a caminho da minha altura.

A sala de espera do São José tem cadeiras em madeira, folhetos informativos sobre logística interna e sobre farmácias de serviço, um, dois extintores, um telefone, uma máquina de refrigerantes e doces, uma casa de banho e uma planta. Não se faz porra nenhuma na sala de espera do São José. Entre tanta cabeça pensante, não houve uma só que se tivesse lembrado de conferir àquele espaço uma imagem mais colorida, leve, que agradasse à vista, servisse de conforto, a ninguém pareceu interessante fazer passar uma música que distraísse os pacientes, Velvet Underground, algo assim, de embalar. Nada. Os sons que ali se ouvem são de bocejos, lamúrias e de uma outra conversa de circunstância sobre os problemas de cada um, mas nada irrita tanto como o barulho das luzes de presença, só comparável na medida da tortura aos cânticos da claque feminina do Nacional da Madeira.

Tinha feito a minha inscrição à meia noite e, mal saí da triagem, fui ouvindo relatos de pacientes que ali se diziam há seis, sete horas, sem ainda terem sido atendidos. Preparei-me mentalmente para chegar a casa já a desviar os olhos do sol e concentrei-me no amigo que tinha levado, o Notícias de Coura. Em breve, nada da actualidade de Paredes de Coura esconder-me-ia quaisquer segredos, o que tanto era benção como maldição - ficava, de novo, sem ter o que fazer. Levantei-me, pedi um papel e uma caneta, voltei ao meu lugar e fui escrevendo isto que para aqui vai. Fazia pausas. Levantava-me, fingia-me interessado na estrutura dos extintores, das paredes, das LUZES DE PRESENÇA, ia lá fora espreitar  se o castelo de São Jorge continuava no mesmo sítio, voltava, escrevia mais um tanto. O tempo, esse, teimoso, não passava. Duas horas e meia de espera e sabia o Universo quantas mais teria pela frente até ouvir o meu nome. Ao mesmo tempo ia actualizando o meu irmão sobre os acontecimentos. O que eu não sabia era que ele estava a beber um copo em Portimão com o pai de uma estagiária precisamente do São José, não percebi se enfermeira ou médica, de modo que se fizeram telefonemas a solicitar pedidos e obtiveram-se respostas com resultados. "Rui Coelho, gabinete dois. Rui Coelho, gabinete dois."

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Daqui a pouco...




A estrada e eu, de novo, sós, e papar quilómetros para me misturar com o que sou, ou fui, gente que se dá, exagerada, de coração rápido. Estar onde devo.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Podes Ser

A miúda de leste, infinitamente feliz desde que empurra um carrinho de bebé, loira, bem sardenta, peito para sobrenutrir dez filhos saliente num corpo de mãos ao barro, por mim passou bonita e vagarosa como um acorde de harpa. Contou, deve ter contado, um, dois, três e virou-se meia fracção antes do momento certo, o do desencontro - percebi, percebeu, sorri(mos).

Um idoso que apressadamente ajeitou os três fios de cabelo à janela do metro logo que a seu lado viu sentar metro e meio de mulher, corpo, alma e adereços anos 20 a evocar o tempo de outras senhoras, o seu tempo, e finalmente digno de a observar sem que ela se sentisse observada por ali ficou em permanente observatório, observei.

A moça dos olhos adormecidos, por quem os adormeceu já esquecidos.

Tu,
Eu.
Nós.

É.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Natural

Todas as mulheres são únicas - umas mais que outras. No caso, é a graça que a distingue. Disse-lhe: “Tens um ar aluado, um certo charme, leve, diferente, que não se vê por aí. Apetece estar perto”. Devolveu: “Sou natural”. Sorri, encurralei-a – gosto de a deixar sem alternativa - num beijo sem saída e assenti. “É isso.”

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Passarinheiro

Um dos truques para ter boas noites de sono é evitar passar os olhos pela casa da Fanny, Cátia e companhia. Aprendi isso ontem da pior forma, num serão em família. É que nem preguei olho depois de ver aquilo pela primeira vez. Quero ver quem me tira da cabeça que foi o heil bigode do pai da Fanny a deixar-me naquele desassossego. Não me venham dizer que foram os golos que o lobo falhou em Coimbra, tantos que dava para aviar todos os nossos adversários até Abril. Também não me convencem que a falta de sono se deveu ao excesso de copos da véspera, uma confusão que me levou a estilhaçar um prato no chão da cozinha tão tarde que já era cedo – (o teu sonho de criança é dar os bons dias ao teu pai enquanto recolhes cacos de loiça, balbuciando em vão). Tão pouco teve a ver com  a terapeuta de vidas passadas que conheci nessa noite, uma matulona que me chamou só com os olhos. Naa. Foi mesmo ouvir atentamente a Cátia, ficar fascinado com um novo mundo no qual um grupo de aves é um passarinheiro.

domingo, 27 de novembro de 2011

Pelas sombras

... não vires a cara, sim, é contigo - a seres livre, que o sejas, primeiro, de ti. Das tuas certezas, os nossos enganos. Sai do teu quintal, vê o que se passa, aprende: dois é a conta que D(eu)s não soube fazer por defeitos de ego. Não é que tenhamos demasiada culpa.

sábado, 12 de novembro de 2011

?

Não tenho motivos para voltar aqui, disse-lhe, crua, nua, enquanto se dobrava para apanhar do chão o que horas antes foi deixando pelo caminho, com ajuda, não tenho motivos para trocar um amor que sufoca, maior que a vida, impossível, por outro de conveniência, dentro do contexto, correcto, não tenho motivos para achar que isto é melhor do que aquilo, não tenho motivos para voltar aqui, repetiu para si própria, pé ante pé do quarto para o corredor, escadas, rua e metro, incapaz de devolver o sorriso a uma idosa que se sentava ali em frente de mão protegida pela do marido – imaginou 50 anos de amor -, não tenho motivos para achar que isto é melhor, sussurrou ao espelho, assustando-se com a maquilhagem, não tenho motivos para não gostar de mim, mas não gosto, aceitou, não tenho motivos para não gostar de mim e não tenho motivos para não gostar dos outros – não podes gostar dos outros se não gostas de ti -, não tenho motivos para ser como sou, reflectiu na almofada, não tenho motivos para reduzir a conveniência e correcção o que é meu, real, sonhou, não tenho motivos para querer como prioridade quem me vê como alternativa, apercebeu-se, de manhã, à janela, mordendo meio lábio, tenho motivos para voltar, disse.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Contágio

Dizem que a paixão te conheceu, e em ti ficou.
Pelas minhas contas és duas vezes em ti.
Nos outros, muitas mais.