Hoje ouvi um disco do início ao fim. Foi mesmo assim: pu-lo a tocar, despenhei-me no sofá e não fiz mais porra nenhuma enquanto ouvia aquilo, oferta da minha Cleópatra, que concorda em não trocar prendas comigo no dia dos namorados e à noite aparece-me com um disco novo.
Parece coisa de malandro: em pleno 2019 um homem chega a casa depois do trabalho, dá uma corrida, toma um banho e estica-se no sofá a ouvir um disco. As músicas todas, 12, que lata! Tanta coisa para me ocupar e, qual quê, pura e simplesmente oiço um disco. Já não há respeito pelo multitasking. Isto já não devia estar para horas vagas, somos feitos para trabalhar, até parece mal, ainda alguém fica a saber, e depois, o que vão as pessoas pensar?
Um disco. Pff.
Já agora, é o novo dos Beirut, que, de início, parece recuperar alguma da energia do início da carreira deles, faz-de-conta-que-estamos-num-casamento-nos-Balcãs-e-vamos-beber-até-cair-para-o-lado-e-cantar-em-coro-por-cima-de-trompetes-cavaquinhos-e-serpentinas-que-a-vida-são-dois-dias, mas o Zach Condon já não tem 19 anos e, à medida que o disco avança, transparece a ideia de que o nosso amigo já passou por umas coisas e tem outro tipo de histórias para contar que não propriamente as de uma noite de festa, o que pode ser aferido logo por alguns dos títulos das músicas do disco - aludem a morte, exílio, maldições e fim.
Como li na caixa de comentários do vídeo desta Landslide, que é ocupada quase na totalidade por brasileiros - acontece com qualquer música dos Beirut ,- o Zach "desromantizou a parada".
Há algum experimentalismo pop por aqui, mas pouco convicto, como se se fizesse outra coisa só para não se fazer a mesma. Gosto muito da música número 2, Gallipoli, que dá título ao disco, aquele crescendo até ao refrão instrumental é um clássico instantâneo da banda; outras há de fazer encolher os ombros, como a bossanovazinha mal amanhada da número 7, "Corfu" - o guitarrista lembra aquela malta, tipo eu, que, quando era puto, só sabia tocar um acorde e, à falta de melhor, tocava-o com mais afinco para me fazer ouvir mais alto, evocando o que poderia ter sido uma evolução, sem o ser.
"Divertida" já não pode ser a forma como resumimos a música dos Beirut. Vamos ter de nos acostumar ao piloto automático melancólico que ouvimos nesta Landslide e noutras que tais. Entranhá-lo pode levar o seu tempo.