Se
algum entendido do ciclismo dissesse em voz alta, no arranque deste
Tour, que ao fim de 15 dias o líder da geral seria Julian
Alaphilippe, com 1m35s de vantagem sobre o campeão em título
Geraint Thomas, tal seria motivo de chacota generalizada. Como
assim, Alaphilippe ganhar o Tour, se não tem equipa para o defender
na montanha, nunca se preparou para uma corrida de três semanas e
está a correr ao mais alto nível de forma quase ininterrupta desde
janeiro? Como assim, ter pernas para isso? Como assim, vencer o
comboio da Ineos?
Pessoalmente,
escrevi durante a 6.ª etapa, nos posts da Eurosport no Facebook, que ele andava
a desdenhar em público o que realmente queria, mostrando-o na
estrada: aproveitar uma edição rara, sem qualquer bicho papão
(Froome de fora; o próprio Domoulin também), sem claro favorito,
para cavalgar nos seus extraordinários feitos desta temporada e, enquanto número 1 mundial,
lançar-se ao ataque.
O
que é certo é que o tempo que o pequeno mago da QuickSetp ganhou na
média montanha e no incrível contrarrelógio de Pau, 1m30s,
continua ser o mesmo que tem de conforto, volvidas duas etapas de alta
montanha seguidas. O que ganhou no Tourmalet perdeu ontem: 30
segundos.
Claro
que podemos ver o copo assim, meio cheio, ou então podemos olhar
para a primeira quebra de Alaphilippe como a inevitável consequência
de não se ter preparado para ganhar uma corrida de três semanas –
algo que 99,9% dos críticos e aficionados vêm anunciando. Não é
se Alaphilippe vai
explodir na alta montanha, «apanhar» meia hora e desaparecer do
primeiro lugar para os confins da geral individual, mas quando.
O
copo meio cheio; o copo meio vazio. Percebe-se que o dia de
descanso foi o gongo que por agora salvou Alaphilippe, que cometeu o
erro, assim o dizem, de tentar seguir Pinot quando este se lançou ao
ataque na subida final de ontem. Mas terá mesmo cometido um erro
quando tentou ir atrás do compatriota? É suposto que o líder da
geral não reaja a ataques dos seus rivais? E se atacarem todos?
Pinot,
por exemplo, está a 1m50s e parece o favorito à vitória final,
algo que os franceses desconhecem desde o triunfo de Hinault em 1984.
Se o homem da FDJ atacar todos os dias, como pelos vistos fará, e
Alaphalippe deixar-se ficar nas três duríssimas etapas dos Alpes
que restam, o rei da montanha do Tour em 2018 acabará por perder a
amarela na mesma. Mais vale tentar e falhar espetacularmente do que
nunca saber se a felicidade seria possível, digo eu. Seja como for,
a narrativa deste Tour é já de uma riqueza cinematográfica
ilimitada, e a Alaphilippe já não poderá deixar de ser entregue o
papel principal, ganhe o Tour ou não.