Parecendo que não, só em 2007 passei a viver intensamente a rota dos concertos e festivais.
Quer dizer, já ouvia muita coisa desde puto e tinha visto algumas coisas ao vivo, mas não propriamente para ouvir música como prioridade, se é que me faço entender. Em 2004 andei pelo Sudoeste a tropeçar nos outros em Fatboy Slim, o que de certa maneira estava certo, porque também os outros tropeçavam em mim, e parece que antes disso houve Underworld.
Ben Harper não vi porque saí do recinto à procura não sei de quê e não me deixaram reentrar durante todo o concerto. Do cartaz desse dia também fizeram parte os Humanos. Ouvi-os no parque de estacionamento do recinto, enquanto fazíamos os piqueniques que se fazem à entrada dos festivais, ganhando ânimo para noites sem fim com um certo tipo de combustível que lá dentro não se encontra. No ano seguinte estreei-me no Super Bock Super Rock. Vi Pixies, Lenny Kravitz, Massive Attack e Fatboy Slim. Recordo que o Black Francis praticamente não abriu a boca sem ser para cantar, e de estranhar que assim fosse no tempo em que achava que as bandas e os artistas precisavam de interagir com o público para que um qualquer concerto fosse memorável.
Recordo também os improvisos funk intermináveis da banda do Lenny Kravitz, os caminhos misteriosos, irresistíveis, pelos quais os Massive Attack nos levaram, e a fúria de viver que se nos dá aqui e agora, em Fatboy Slim. Apesar de andar tudo por ali aos saltos, já tropecei menos nos outros, e, coincidência ou não, também os outros tropeçaram menos em mim.
Nesse tempo só tinha dinheiro para pagar bilhetes de festivais de um dia, e no ano seguinte escolhi um dia particularmente frenético, com System of a Down e Prodigy ao barulho. Muito barulho. Do bom. Particularmente falando dos System of a Down, que à data ouvia muito, durante dois anos pude finalmente falar de um concerto, aquele, como o concerto da minha vida. Mas no ano seguinte vi os Arcade Fire, novamente no SBSR, e, num ápice, esfumou-se-me a memória desse concerto dos System e todos os outros. A minha vida mudava de alto a baixo. Era uma revelação.
Inevitavelmente, o momento transformador foi o refrão da Wake Up, corações e mãos ao alto, o nosso coração estava naquela família de canadianos que fazia música com força de religião, ninguém se aguentava e as lágrimas escorriam pelo rosto dos fiéis, que cantando, bebiam-nas. Comigo não foi diferente: tornei-me num desses fiéis ali mesmo. Irreversível.
Foi por essa altura que mergulhei profundamente no mundo encantado da música, com vontade de conhecer e compreender todas as coisas, de as ouvir, ver e achar maravilhosas, que muitas vezes o amor parte da vontade de amar.
Era o verão de 2007. Estava a despedir-me da vida boa de universitário e em breve entraria no mundo do trabalho. Mas foi em 2008, já a trabalhar, que desatei à descoberta de tudo o que mexia em Lisboa, desde pequenos concertos na FNAC; a jam sessions de jazz e blues no Bairro Alto e arredores; passando por concertos e festivais de música. Tirar para mim a melhor fatia de Lisboa e gozar o prato. Em novembro já trabalhava no Destak, e poucos dias depois fui ao Super Bock em Stock, na Avenida da Liberdade.
Entre muitas outras coisas maravilhosas, vi The Walkmen no Tivoli. Foi empolgante, tremendo, de arrepiar. Ao meu lado estava o meu camarada Chirola, e ali perto, bem juntinho ao palco, estava a Patrícia, minha chefe de fresco. Os Walkmen estavam a apresentar o quarto disco deles, You and Me, e, na verdade, pouco os conhecia, excepto uma ou outra música. Lembro-me de, assoberbado com um embrulho musical tão belo e, a cada música, sempre selvagem - a balada também se grita quando não podem sair a contas-gotas emoções que têm de jorrar -, virar a cara à procura da Patrícia na segunda ou terceira música. Quando a Patrícia me viu, nas filas da frente daquele "êxtase coletivo", como mais tarde lhe chamou na reportagem que escreveu, atirei-lhe uns olhos abertos de espanto, ou gosto de pensar que assim o fiz, que memória guardada é muitas vezes memória construída. E a Patrícia sorriu, genuína, com a certeza e a alegria de saber ser um privilégio poder estar ali.
Há dias, do nada, entrou uma das músicas desse disco num episódio da série Breaking Bad, a Red Moon. Senti o meu compasso cardíaco descontrolar-se por alguns instantes, o peito a apertar e voltei àquela noite de novembro de 2008, novamente com pele de galinha, de novo a começar no Destak e no jornalismo, a começar a viver intensamente todo o roteiro dos concertos e festivais, à procura de tudo, e tudo era pouco.
Que saudades de ouvir The Walkmen.