sexta-feira, 24 de maio de 2013

Alegria


Pedi peixe no forno e dei cabo daquilo na esplanada. Acompanhei com duas minis. Que coisa tão boa. Peixe no forno é uma das iguarias mais subvalorizadas da nossa gastronomia, seguido de perto pelo "Doce além de bom" da minha mãe e das bifanas n'O Típico, na Praia da Rocha.

Já de café bebido, puxei do "i". Repleta de bonequinhos com cara de poucos amigos e gente ao lume ou pendurada pelo pescoço, a foto de capa era alusiva à nomeação urgente de oito exorcistas por parte da Igreja de Espanha, alarmada que está com o aumento de pedidos de ajuda relacionados com influências demoníacas. Fiquei a saber, aliás, que a diocese de Madrid ponderou criar uma linha telefónica para atender pessoas perturbadas. A ideia foi tratada com carinho, mas descartada. Ao longe, na praça, uma banda tocava "Where is My Mind", dos Pixies. Os instrumentos faziam-se ouvir com precisão e a voz da vocalista fazia-se ouvir demasiado. Um golfinho estremeceu à superfície, no Tejo. Era a vocalista tão discreta a disfarçar a adolescência como um espanhol a falar inglês. Paguei, elogiei a cozinheira - bigode assimétrico - e fui espreitar o que se passava.

Como é suposto, a praça estava cheia de velhotes a jogar às cartas nas zonas mais protegidas do sol, cortesia das árvores que por ali abundam, mas hoje também se via povoada de gente nova. Pensei que seria a entourage da banda que ali fazia o soundcheck para o concerto que deverá acontecer daqui a bocado, dada a intermitência com que tocavam.

Não resisto à reacção dos mais desprevenidos, distraídos ou desabituados a um soundcheck. Tudo a olhar uns para os outros, a coçar a cabeça. É um dos meus passatempos preferidos.

Alguns metros diante do palco formava-se um círculo cada vez maior de miúdas, primeiro em pé, depois sentadas. Muitas delas vestiam roupas escuras, botas e meias de renda. Bebiam cerveja e trocavam beijos. Um casal. Dois. Perto do grupo, uma cigana vendia-impingia balões. Um deles, do Mickey, derreteu a filha de uma princesinha algures da Europa de Leste que se tinha sentado ao meu lado, junto da mãe, esta talvez da minha idade - rosto pálido, belo e cansado. A mãe não lhe comprou o balão.

Ao fundo, uma banquinha da JCP, com folhetos a protestar contra os cortes do Gaspar. Ouvi uns putos semi-bêbados (4/5 imperiais) imitar um cântico comum às claques do Sporting.

"Braços no ar!
Todos de pé! Vamos cantar!
Camões allez!

Camões allezzzzzz (...)"

Fiquei perturbado. Serão estes os miúdos os homens de amanhã?! - questionei. "Tá tudo fodido", conclui.

A tudo indiferente, um puto fintava as pessoas aos S enquanto a irmã baixava as calças no centro da praça para fazer xixi. Os pais estavam por ali. Pareceu-me uma família equilibrada: o puto corria atrás da bola, a qual pontapeava com a força possível; o pai corria atrás do puto, reparando estragos com sorrisos; a mãe corria atrás do pai, a ralhar por ele não ralhar com o puto; a irmã corria atrás da mãe, já com o xixi feito, mostrando os dentes a toda a gente, satisfeita.

A dada altura o puto desinteressou-se da bola porque encontrou a princesinha algures da Europa de Leste. Aproximou-se com curiosidade e fez olhos grandes. A princesinha riu-se muito. Depois, irremediavelmente apaixonado, o puto levantou a blusa para lhe mostrar a barriga e desatou a pular. Ainda estava aos pinotes quando me vim embora.

3 comentários:

nadia disse...

Sou muito má vizinha desta praça, pelo que ontem passei pelo concerto e não quis parar.
Talvez por preconceito, ou por ser má vizinha mesmo. Bjs

Rui Coelho disse...

uai, somos vizinhos? tss tss, não sabes que soundcheck perdeste*

nadia disse...

Lol yes, parece que sim. Só boa gente naquela área :p. Olha por lá ficou 1 rulote de farturas, pode ser um bom preságio para as festas de Lisboa. Vou ficar atenta! Bjs