O novo espaço de atendimento ao cliente do Sporting tem o charme de uma lavandaria romena no tempo do Ceausescu - não que alguma vez tenha visto uma, filmes no King à parte. Calma com os cortes, pá. Não era suposto lá estar a meia hora de começar o nosso primeiro jogo do campeonato, mas como sou parvo esqueci-me de pagar as quotas e/ou memorizar os dados para o pagamento via multibanco. Cinco funcionários atendiam centenas, malta como eu, que se esquece de se lembrar de pagar o que deve.
Esperei meia hora e o número da senha continuava o mesmo, o 51, longe de avançar para o 78, o meu. O jogo que me fez antecipar num dia o regresso das férias começava dentro de cinco minutos. "MERDA".
Lembrei-me de ligar para o meu irmão: "Joe!, o que tens a fazer é correr para um computador, entrar no meu gmail, procurar os mails do Sporting, entrar no mais recente, sacar os dados para o último pagamento de quotas e enviar-mos por SMS. Já." O meu irmão achou aquilo tudo muito confuso, mas lá me fez a vontade - é de se dizer que por aquela altura eu batia o calcanhar direito de forma insistente, gesticulava ferozmente e maldizia o calor, os contratempos, o esquecimento e o destino.
De seguida, abri caminho por entre a multidão que se atrasou para o jogo e suava nas filas sem fim e fui de encontro ao multibanco mais próximo. Chegaram-me os dados ao telemóvel, cortesia do meu irmão. Inseri-os. Deu erro. Não me ocorreu, naquele momento, duvidar daqueles dados, na certeza porém de que o montante ali disposto era 48 euros e a quota mensal apenas 12. Irmão é irmão. Certo é que não conseguia fazer o pagamento, por muito que insistisse, de modo que meti a viola no saco e fui para a zona da restauração do Alvaláxia ver a primeira parte numa televisãozinha sem som, acompanhado de mais que muitos sportinguistas que tinham desistido de esperar ao sol por um bilhete, nas filas.
Vi o Arouca meter o primeiro, sem surpresa - segundos antes um antigo ao meu lado tinha-o comunicado para quem pudesse ouvir o que ele próprio já ouvira no rádio. Um dos grandes flagelos da sociedade, e sem conserto, mas ao mesmo tempo algo ternurento, isto dos antigos insistirem em ouvir os relatos via rádio nas casas que mostram os jogos na TV. É como recusar a abandonar um grande amor.
Respondeu à altura o centralão Maurício, que não está ali para brincadeiras: deu uma marrada na redonda e pim!, 1-1. Não festejei por aí além: o tal antigo ao meu lado já anunciara o empate. Aproximava-se o intervalo e regressei à lavandaria romena, onde alguém gritou "golo!". Por exclusão de partes, teria de ser do Sporting. "Montero!", confirmou o meu irmão via SMS.
A lavandaria romena continuava mais composta que muitos estádios de futebol, mas o atendimento acelerou, como que por milagre. Lá me chamaram. A primeira coisa que fiz foi reclamar com o funcionário do balcão 1. "Não consegui pagar a quota e por causa disso perdi a primeira parte!", disse-lhe, mostrando o telemóvel no qual jaziam os dados na SMS que o meu irmão enviara. Mais calmo que o Putin perante um urso polar de jejum há uma semana, o funcionário concordou comigo, notando, contudo, que a quota mensal é de 12 euros, não de 48, o que poderia justificar o erro. Engoli em seco, ri-me - o riso nasce frequentemente do desconforto -, voltei a meter a viola no saco, paguei e corri para a maior Curva de Portugal, onde expliquei ao meu camarada Ricardo Chirola o motivo de chegar ao intervalo quando tinha vindo de propósito de Portimão para ver a nossa estreia no campeonato.
A bola voltou a saltar e celebrámos mais um, dois, três golinhos. No 5-1, o Montero transformou um defesa do Arouca num pino. Quanta pinta. O Sporting tem um ponta de seta com pés de maestro. Foi mais ou menos por aí que me lembrei dos versos que me chegaram aos ouvidos na sexta-feira, por um médico amigo, e que pertencem ao Freitas, um poeta da Guarda que estudou em Lisboa nos anos 70.
"Não sei porque sou leão,
Motivo deve haver,
E talvez alguma pista.
Mas estou muito agradecido,
A este destino atrevido,
Que me fez sportinguista."
Sem comentários:
Enviar um comentário