O David Fonseca estava à espera de quê, chegar à zona ribeirinha de Portimão numa noite fria, 10 graus na escala térmica de dor portimonense equivale a 2 ou 3 negativos no resto do país, tocar o novo álbum e ter logo a malta a beijar-lhe os pés? Não, nada disso, já diz o Samuel Mira que "o trono é egoísta, nada filantropo", e o nosso é do Nakajima e mais ninguém. Primeiro que a malta se entregue a um músico destes, armado em esperto, com o desplante de fazer música pop sem uma única ordem expressa para a plateia mexer o bumbum, é preciso que muita coisa boa aconteça num curto espaço de tempo.
Mas o David parece ser um gajo esperto e, aos poucos, lá soube conquistar a malta. Depois de um começo aborrecido, com intervalos incómodos entre músicas, nos quais atirava trivialidades para ganhar tempo, pensar onde se tinha metido e o que podia fazer para quebrar o gelo, perguntou se nos sentíamos sensuais. Claro que toda a gente achou que se sentia extremamente sensual e ele lá sacou um Rod Stewart para gáudio da malta que ouve a m80, e dos bifes, que não eram poucos, nunca são.
A coisa animou e não demorou muito até que o David aquecesse os corações dos mais antigos. "De manhã, que medo que me achasses feia" - era a Amália a navegar ali ao lado, num barco negro passeava pelo Arade e o David a dizer-lhe adeus como quem diz olá, um truque que aprendi com a minha avó Vivi e que dá mais que pensar e menos que dizer.
Foi mais ou menos por esta altura que a malta tirou a cara de "fim do mês e já conto os trocos" para cantarolar os inúmeros hits do David, um puto reguila de 45 anos que andou aos saltos durante quase duas horas, cantou, tocou guitarra e bateria e ainda fez turismo pelo meio do público, não foi propriamente a estraçalhar a goela a cantar "rock n'roll" durante 10 minutos num crowdsurf à Tigerman, mas vá, deixou-se ver.
Do meu lado esquerdo tinha um homem com aspeto de ser um dos duros dos cafés de Portimão, talvez pescador, trazia um barrete do Reino Unido e filmou o concerto todo sem abrir a boca, topei que já tinha os olhos trocados e passou mais tempo a filmar o que estava para trás dele do que aquilo com que se deparava adiante, no palco. Atrás de mim, outro foco de interesse: um grupo de indianos dançava desligado do concerto, eram 4 ou 5, formavam uma rodinha mal feita e filmavam-se com alegria e despropósito.
Quando o David Fonseca entrou pela plateia dentro, ele e a guitarra, foi recebido em festa e com muitas, muitas mãos assim que entrou no círculo indiano, ele e a guitarra, e lá tiveram de avançar os seguranças para tirar o David dali, ele e a guitarra. A partir dali o David prosseguiu a caminhada pelo meio da plateia, mas só ele, passando a erguer a guitarra bem por cima da cabeça, para não dar tanto trabalho aos seguranças.
Uma vez terminado o concerto, o senhor responsável por musicar a debandada do povo escolheu a tal música do outro que dá ordens para mexer o bumbum e outras como aquela em que o cantor sabe que 180 com 180 dá 360. Pus-me a pensar que, para 2019, gostaria de ter e de desejar aos outros mais música e menos matemática, entre outras coisas absolutamente necessárias para que a felicidade continue a ser procurada, e que todos sabemos bem quais são.
Rock on.
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