domingo, 4 de maio de 2008

Estavam à espera de quê?

No que me toca, esperava ter visto pardais masoquistas despenhando-se a alta velocidade contra limousines numa avenida parisiense em hora de ponta. Como tal não aconteceu, fica a esperança de que, para o ano, alguém se lembre de contar esta história, na certeza de que reclamarei os respectivos direitos de autor. Eis o meu Indie 2008.

El Asaltante, de Pablo Fendrik - Argentina - 2007

Discreto na postura, engavetado num perfil de executivo, de olhar pérfido e a revelar uma auto-reprimida gula por devorar atenções: eis a horrenda descrição que o argentino Arturo Goetz merece, actor principal de "El Asaltante" que retrata, com doses industriais de relato psicológico, o que pode ir na cabeça de alguém que não consegue deixar de roubar pessoas. Ao realizador Pablo Fendrik interessa, sobretudo, perceber que a cleptomania consome este homem (Arturo Goetz) aparentemente integrado na sociedade, já que tem por ofício ser funcionário de uma escola. De modo que apresenta-se, desarma por charme e confiança, depois rouba, diz que mata e matará se lhe negarem o que acabará por levar. Fendrik filma-o de perto, em tempo real. Não o larga.
O plano-sequência de entrada é arrasador, e talvez disso se ressinta o restante filme ao não conseguir manter essa dimensão. Talvez por isso tenha ficado a impressão, no final da fita, que esta interessante longa-metragem poderia, facilmente, ser uma brilhante curta.

Tejút, de Benedek Fliegauf - Hungria - 2007

12 planos, nos quais ser humano e natureza são uma e a mesma coisa. Experimental e arrojado, "Tejút" consegue, simultaneamente, ser chato e refrescante, na certeza de que algumas destas “curtas-metragens” (planos parados onde pessoas movimentam-se num dado espaço) são um monumento bem moderno ao sono. E foi para esse sítio que vocês adivinharam que pelo menos uma dúzia de espectadores enviou este filme do realizador húngaro Benedek Fliegauf que, inserido na secção “laboratório” do festival, agradou o suficiente para, sem encantar, ter ficado pelo perfeitamente suportável. O que já não foi nada mau, dado o experimentalismo da coisa.

A Zona, de Sandro Aguilar - Portugal - 2008

Foi notoriamente nervoso que, após o (segundo) visionamento de “A Zona” no Indie 2008, o português Sandro Aguilar falou sobre a sua primeira longa-metragem aos espectadores presentes na sala 2 dos cinemas Londres. A dada altura, e para surpresa generalizada do público e do próprio realizador, o seu coração batia tanto que o vertiginoso batuque cardíaco era captado pelo microfone que empunhava. Mais ou menos por esta altura apareceu em cena um senhor de idade respeitável, que primeiramente deu a entender poder ser da família de Sandro Aguilar e, depois, revelou “fazer filmes diferentes”. Apropriando-se do dito microfone, mantendo o seu posto nas primeiras filas, dignou-se a percorrer tudo o que a lingua portuguesa tem de adjectivos elogiosos para classificar o que acabara de ver. Tinha ficado positivamente transtornado com o que Sandro Aguilar explicou ser um filme de transição, sobre uma zona entre a vida e a morte, não sendo tão importante contar uma história mas antes descrever detalhes muito específicos daquela. Forçosamente dolorosa e sufocante, esta transição deixa o espectador confiante que, a dada altura, apareça um traço racional de fio condutor, que explique um argumento que nunca chega a estar sequer latente (mas que Sandro Aguilar afirmou ter escrito naquela exacta medida).
“A Zona” fica na memória por misturar o acto de sangrar com o de chorar, porque é mecânico e a vida é triste, de modo que aquele que se reviu nisto jurou imediatamente amor eterno. Os restantes espectadores presentes na sala - que foram muitos – não aguentaram estacionar nessa zona indefinida e de indefinível dor por muito tempo, pelo que acharam por bem não ouvir as explicações de Sandro Aguilar no final, além de metade do seu filme.

Throw Down, de Johnny To - Hong-Kong - 2004

Aqui, percebam, mistura-se drama e comédia, jazz e judo, alcoolismo e jogo. Johnny To, realizador consagrado de Hong Kong, faz o espectador caminhar desesperado e nú, tão louco quanto o senhor Jing que, neste filme, é o único, sabe-se lá porquê, a merecer oficialmente esse epíteto. Isto quando há um antigo judoca, convertido num empresário nocturno amigo de copos e que, tendo uma dívida dantesca por pagar, é já de si bem enlameado que se esforça por atolar o seu lombo ainda mais no lodo. E que é ajudado por um rapaz que também pratica judo e que ajudá-lo-á na empresa de saldar essa dívida desde que os dois combatam. E também por uma aspirante a cantora que se queixa de ter sido forçada a prostituir-se em tempos, ainda que apresente posições distintas quanto a esse facto consoante o contexto em que estiver envolvida. O tragicómico está ao leme, e a verdade é que tudo correu pelo melhor se atentarmos que a sala riu descontroladamente durante a maior parte da sessão. Sobretudo quando a música entristecia ainda mais o ridículo de cada cena, o que não tem nada a ver. Há desempenhos felizes, uma fotografia conseguida e um jogo musical interessante que pende o filme para o burlesco, quando tinha tudo para ser um viscoso melodrama.

Rescaldo: não tendo visto o "My Blueberry Nights", desde já me disponibilizo, como castigo preciso, para ouvir o Chalana falar sobre o que bem entender durante três dias consecutivos.

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