"The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars." J. Kerouac
segunda-feira, 30 de junho de 2008
O tamanho não conta (versão definitiva)
Em média, os cinco jogadores que ontem preencheram o meio campo da selecção espanhola na final do Euro 2008, diante da Alemanha (Senna, Iniesta, Xavi, Silva e Fabregas), medem 1,72 metros. Do outro lado, e nessa mesma zona do terreno, circulavam invariavelmente jogadores que assistiam ao jogo a partir de um plano picado, tal a apatia (de assistir, quando se está a jogar) e altura (o capitão Michael Ballack é médio e está a um mísero centímetro de se erguer a 1,90 metros) daqueles. Junte-se a tradição que aproxima sucesso e proporções dantescas ao facto de essa mesma equipa ser a Mannshaft, e não seria de espantar que os pequeninos espanhóis, após o apito final, fossem para casa amuadinhos, de cabeça baixa após uma noite de intermináveis abusos futebolísticos. Nada disso se passou. Pelo contrário: foi a Espanha - sustentada pela boa ideia de que segurar a bola é o caminho mais seguro para poder marcar golos, e não sofrê-los -, quem fez pouco de uma selecção alemã passiva, contempladora, impotente. No fundo, o retrato familiar de uma equipa que ontem só não se pareceu consigo em dois ou três detalhes, de entre eles destacando-se o de não ter ganho o jogo com um golo de cabeça, após um cruzamento em que o avançado se antecipa ao guarda-redes (que desprotege a baliza numa saída a destempo).
O alívio é sentido. Ontem, enfim, ficou claro que o jeito para chutar uma bola e ganhar títulos não está refém de tamanho e força bruta, tal como nuestros vecinos o demonstraram no Prader de Viena, ao sagrarem-se campeões europeus com o solitário e triunfal golo de Fernando “El Niño” Torres (na foto em baixo).
De talento incompreendido a herói nacional (por mais exótico que o termo possa soar ao povo espanhol), o avançado do Liverpool recalcou as dificuldades de entrosamento com a táctica de Aragonés, os amuos a cada substituição e a escassez de golos (apenas um) que vinha pintando a tons de negrume o seu currículo na competição. Remédio? Uma indomável vontade de escrever história nos grandes palcos onde ela verdadeiramente se deixa querer; sozinho na frente de ataque, devido à ausência por lesão do goleador do torneio, David Villa (quatro golos), Torres coroou uma noite em que deixou os arranha-céus Metzelder (1,94 metros) e Mertesacker (1,98 metros) num profundo estado de depressão com o esforçado golo da vitória. Aquele que só não foi a figura do ano na Liga Inglesa (24 golos em época de estreia) devido aos feitos pouco humanos de Cristiano Ronaldo em Old Trafford levou de Viena o prémio de melhor em campo e - exibimos a cereja -, ajudou o capitão Iker Casillas a cumprir o sonho de levantar a taça de campeão europeu em selecções, feito que os nossos adorados vizinhos já não atingiam há 44 anos. Quanto a nós, portugueses, aproveita-se a certeza de que, para ganharmos algum troféu ao nível de selecções – entre outros factores -, convinha não dificultar tanto o trabalho a fotógrafos como o que captou Torres instantes após apontar o golo do título; excessivamente ingénuo, este profissional, talvez descontextualizado das concepções modernas (portuguesas) de futebol na medida em que ainda trabalha a sua objectiva concebendo a equação “avançado + bola” como algo que pode resultar em golo. Mais do que redutor, há muito que nós, por cá (e por lá, pela Suiça e Áustria), percebemos o quanto isso é antiquado. Facilitemos, pois, o ofício aos senhores que param o tempo. Mas sem exageros.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
Os Turcos
Interlocutores
Cavalheiro 1
Cavalheiro 2 – amigo do cavalheiro 1
Cavalheiro 3 – cliente habitual da casa
Cavalheiro 4 – cliente e amigo do cliente habitual da casa
Cavalheiro 5 – empregado de mesa
(A cena passa-se numa tasca lisboeta. A Turquia acabara de garantir o acesso às meias-finais do Euro 2008, batendo a Croácia nas grandes penalidades após o empate a um golo registado no periodo regulamentar. Finda a contenda, discutiam-se os méritos).
Cavalheiro 3 – Bem feito. Os croatas já festejavam a vitória e esqueceram-se que o jogo ainda não tinha acabado. Ainda bem que ganharam os turcos.
Cavalheiro 2 – Isso mesmo (gargalhada sonora).
Cavalheiro 1 – Isso mesmo nada – corrigiu - que eu não posso com os turcos. E os curdos também, é tudo da mesma laia. Não posso com eles - declarou. Ouvindo aquela confissão, e ainda que não conhecesse o Cavalheiro 1 nem o seu amigo, o Cavalheiro 4 não deixou de ficar particularmente curioso e entrou na conversa.
Cavalheiro 4 – Porque é que não pode com os turcos? – perguntou-lhe.
Cavalheiro 1 – Porque não. Você é turco?
Cavalheiro 4 – Não. Mas porque razão não pode com eles?
Cavalheiro 1 – Porque não posso.
Cavalheiro 5 – Olha – dirigindo-se ao Cavalheiro 3 - não pode, não pode (riso nervoso).
Cavalheiro 4 – Sim – assentiu - mas tem algum motivo para não gostar deles? – insistiu com o Cavalheiro 1.
Cavalheiro 1 – Não gosto, pronto – respondeu, visivelmente incomodado com a pergunta. Fez-se silêncio por alguns segundos, e a discussão prosseguiu.
Cavalheiro 1 – Você já conviveu com algum?
Cavalheiro 4 - Já conheci alguns – mentiu.
Cavalheiro 1 – Então pronto. Eles têm o bicho da seda. Está a ver? O bicho da seda - disse, arfando, à medida que o seu rosto adquiria progressivamente um tom de pele cor de vinho.
O Cavalheiro 4 fitou o Cavalheiro 1 com um sorriso oblíquo, abanando a cabeça. Depois arrastou o olhar para o Cavalheiro 5, pediu a conta (cujo valor surpreendentemente ultrapassava o das moedas que trazia no bolso) e retirou-se desejando «uma boa noite a todos os presentes».
terça-feira, 17 de junho de 2008
Requiem por uma guerra
Aleksandra, de Aleksandr Sokurov
Por trás das coisas da guerra, entre tempos e vontades onde as armas resolvem conflitos enterrando homens, há uma zona de criação onde aquelas são postas de lado. “Aleksandra”, novo filme do realizador russo Aleksandr Sokurov (Mãe e Filho, 1997), conduz-nos até lá: é uma zona sem nome, onde a sobrevivência é garantida entre os homens, e não contra os homens.
Galina Vishnevskaya, venerada cantora de ópera russa (viúva do maestro e violoncelista russo/norte-americano Rostropovitch, falecido em 2007) é Aleksandra Nikolayevna, personagem-guia da película. Missão: visitar o neto que é oficial num campo militar localizado em nenhures (embora percebamos, ao longo do filme, tratar-se da Chechénia). Senhora de idade, emparedada entre a força de viver (a dada altura afirma que a sua alma tem força para viver outra vida) e o progressivo ceder de umas pernas exaustas, passeia-se entre soldados, capitães e comandantes compatriotas encarnando a iconografia feminina e matriarca pela qual a Rússia historicamente tanto gosta de se apresentar ao mundo. Pela tolerância dos seus olhos observa de perto o quotidiano de quem faz da guerra o seu modo de vida. «Há tantas perguntas por fazer...» - diz a certa altura a uma senhora chechena, de quem se tornou amiga numa visita a um mercado local, e perante o olhar quase acossado dos locais. Mas essas perguntas já adivinhariam a orientação de uma resposta que conhece, e o seu modo de censurar a vergonha da guerra (esta, mas percebe-se que também as outras) é menos panfletário do que sentido. Dir-se-ia que ela mesmo, simultaneamente mulher (porque vaidosa) e mãe (porque avó - criadora de vida), infringe naquela unidade essa mesma vergonha, sem dúvida exponenciada pela imponência de Nikolayevna, que passa pela unidade fitando-lhes no silêncio insuportável do olhar o grande absurdo da humanidade, pincelada de vermelho por pessoas que já não sabem porque motivo o fazem.
Um filme inteligentíssimo, pontuado ao longo dos seus 95 minutos pela banda sonora de Andrei Siegl (ao melhor estilo romântico de uma clássica sinfonia de Tchaikovksy ou de Rachmaninoff) que, em surdina, funciona como ponto de fuga na mente abstraída da realidade que gere a desgastada personagem principal. Nela, e através da lentidão com que tudo se parece processar neste filme, vemos o traço de Sukorov: num cenário que palpita guerra, o cineasta russo esquece os tiros e mostra as armas a ser limpas (depois de usadas) - ou seja - filma os efeitos da guerra, e de que forma ela estrutura as relações entre homens.
Por trás das coisas da guerra, entre tempos e vontades onde as armas resolvem conflitos enterrando homens, há uma zona de criação onde aquelas são postas de lado. “Aleksandra”, novo filme do realizador russo Aleksandr Sokurov (Mãe e Filho, 1997), conduz-nos até lá: é uma zona sem nome, onde a sobrevivência é garantida entre os homens, e não contra os homens.
Galina Vishnevskaya, venerada cantora de ópera russa (viúva do maestro e violoncelista russo/norte-americano Rostropovitch, falecido em 2007) é Aleksandra Nikolayevna, personagem-guia da película. Missão: visitar o neto que é oficial num campo militar localizado em nenhures (embora percebamos, ao longo do filme, tratar-se da Chechénia). Senhora de idade, emparedada entre a força de viver (a dada altura afirma que a sua alma tem força para viver outra vida) e o progressivo ceder de umas pernas exaustas, passeia-se entre soldados, capitães e comandantes compatriotas encarnando a iconografia feminina e matriarca pela qual a Rússia historicamente tanto gosta de se apresentar ao mundo. Pela tolerância dos seus olhos observa de perto o quotidiano de quem faz da guerra o seu modo de vida. «Há tantas perguntas por fazer...» - diz a certa altura a uma senhora chechena, de quem se tornou amiga numa visita a um mercado local, e perante o olhar quase acossado dos locais. Mas essas perguntas já adivinhariam a orientação de uma resposta que conhece, e o seu modo de censurar a vergonha da guerra (esta, mas percebe-se que também as outras) é menos panfletário do que sentido. Dir-se-ia que ela mesmo, simultaneamente mulher (porque vaidosa) e mãe (porque avó - criadora de vida), infringe naquela unidade essa mesma vergonha, sem dúvida exponenciada pela imponência de Nikolayevna, que passa pela unidade fitando-lhes no silêncio insuportável do olhar o grande absurdo da humanidade, pincelada de vermelho por pessoas que já não sabem porque motivo o fazem.
Um filme inteligentíssimo, pontuado ao longo dos seus 95 minutos pela banda sonora de Andrei Siegl (ao melhor estilo romântico de uma clássica sinfonia de Tchaikovksy ou de Rachmaninoff) que, em surdina, funciona como ponto de fuga na mente abstraída da realidade que gere a desgastada personagem principal. Nela, e através da lentidão com que tudo se parece processar neste filme, vemos o traço de Sukorov: num cenário que palpita guerra, o cineasta russo esquece os tiros e mostra as armas a ser limpas (depois de usadas) - ou seja - filma os efeitos da guerra, e de que forma ela estrutura as relações entre homens.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
Eles andam aí (e o Verão também)
The Ting Tings - We Started Nothing
Os ingredientes necessários à composição de um hit de Verão são conhecidos: junte-se um vídeo cheio de cor a três ou quatro pares de pernas femininas devidamente bronzeadas e eis o milagre. E se ainda houver tempo para nele dispor um grupo de amiguinhos entoando a uma só voz um emocionante hino à felicidade balnear, tanto melhor.
Assim de repente chocamos de frente com o entusiasmado “Aserejé” das espanholas Las Ketchup, faixa rainha do 2002 piroso-dançante que abriu terreno à chegada da boy's band romena O-Zone, responsável por uma admirável explosão poliglota das pistas de danças em 2003. Dragostea Din Tei (para os entendidos) (ou Numa-Numa-iei, para gente como eu) foi o ruído que então intoxicou as pistas de dança.
Entretanto tive a felicidade de, no início deste ano, ouvir aquela que logo presumi ser uma forte candidata a canção azeiteira de banhos 2008: “Baila el Chiki Chiki”, do espanhol Rodolfo Chikilicuatre, é uma homenagem à reflexão por detrás dos primeiros parágrafos deste texto – um monumento dentro do género. E tudo se tornou muito claro quando percebi que o representante de Espanha no Festival Eurovisão da Canção 2008 não seria outro que não este Rodolfo, que iria cantar a sua Chikitada. Curiosidade das curiosidades, a esquizofrenia colectiva que a música do rapaz tem gerado nos espanhóis, sempre tão próximos do bom gosto na música que escolhem para representá-los no dito festival, não teve reflexos na edição deste ano: ficou atrás da canção portuguesa, algures perdida na segunda metade de uma tabela composta por 25 finalistas.
Isto para introduzir The Ting Tings, duo de Manchester formado por Jules De Martino e Katie White, que surpreendentemente ameaça tomar conta das pistas de dança europeias neste Verão. Motivo: "We Started Nothing", novíssimo disco de estreia dos ingleses que já afastou Madonna do trono no top de vendas britânico em menos de um mês de edição (a portuguesa saiu a 02 de Junho).
Temas como “That’s not my name”, amálgama progressiva de ritmos para ginastas indie a dar-a dar, com uma antena electrónica minimal virada para os esquisitinhos e outra pop mais próxima dos deslumbrados (alguém se lembra de North American Scum – LCD Soundsystem?) ou “Shut up and let me go”, pózinhos funk num produto tão catchy quanto acutilante – acerta nas ancas – são bons exemplos do que se pode esperar deste disco, obra de uma das bandas sensação do Reino Unido no momento. É estar atento, eles andam aí.
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