terça-feira, 17 de junho de 2008

Requiem por uma guerra

Aleksandra, de Aleksandr Sokurov


Por trás das coisas da guerra, entre tempos e vontades onde as armas resolvem conflitos enterrando homens, há uma zona de criação onde aquelas são postas de lado. “Aleksandra”, novo filme do realizador russo Aleksandr Sokurov (Mãe e Filho, 1997), conduz-nos até lá: é uma zona sem nome, onde a sobrevivência é garantida entre os homens, e não contra os homens.
Galina Vishnevskaya, venerada cantora de ópera russa (viúva do maestro e violoncelista russo/norte-americano Rostropovitch, falecido em 2007) é Aleksandra Nikolayevna, personagem-guia da película. Missão: visitar o neto que é oficial num campo militar localizado em nenhures (embora percebamos, ao longo do filme, tratar-se da Chechénia). Senhora de idade, emparedada entre a força de viver (a dada altura afirma que a sua alma tem força para viver outra vida) e o progressivo ceder de umas pernas exaustas, passeia-se entre soldados, capitães e comandantes compatriotas encarnando a iconografia feminina e matriarca pela qual a Rússia historicamente tanto gosta de se apresentar ao mundo. Pela tolerância dos seus olhos observa de perto o quotidiano de quem faz da guerra o seu modo de vida. «Há tantas perguntas por fazer...» - diz a certa altura a uma senhora chechena, de quem se tornou amiga numa visita a um mercado local, e perante o olhar quase acossado dos locais. Mas essas perguntas já adivinhariam a orientação de uma resposta que conhece, e o seu modo de censurar a vergonha da guerra (esta, mas percebe-se que também as outras) é menos panfletário do que sentido. Dir-se-ia que ela mesmo, simultaneamente mulher (porque vaidosa) e mãe (porque avó - criadora de vida), infringe naquela unidade essa mesma vergonha, sem dúvida exponenciada pela imponência de Nikolayevna, que passa pela unidade fitando-lhes no silêncio insuportável do olhar o grande absurdo da humanidade, pincelada de vermelho por pessoas que já não sabem porque motivo o fazem.
Um filme inteligentíssimo, pontuado ao longo dos seus 95 minutos pela banda sonora de Andrei Siegl (ao melhor estilo romântico de uma clássica sinfonia de Tchaikovksy ou de Rachmaninoff) que, em surdina, funciona como ponto de fuga na mente abstraída da realidade que gere a desgastada personagem principal. Nela, e através da lentidão com que tudo se parece processar neste filme, vemos o traço de Sukorov: num cenário que palpita guerra, o cineasta russo esquece os tiros e mostra as armas a ser limpas (depois de usadas) - ou seja - filma os efeitos da guerra, e de que forma ela estrutura as relações entre homens.

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