No livro Memória das Minhas Putas Tristes, de Gabriel Garcia Márquez, um jornalista que nunca se tinha deitado como uma mulher sem lhe pagar reencontra-se com a adolescente virgem com que se presenteara no dia do seus 90 anos. Nessa noite encontrou-a adormecida, cansada de cozer botões durante o dia. Estava arranjada, mas sem chegar ao ponto de não se lhe reconhecer, naquele momento, o cúmulo da inocência. "El Sabio" não a chegou a acordar, mas, a caminho do século de vida, descobria ali o amor. Quando a voltou a procurar ficou estarrecido com a nova imagem - as pestanas postiças, o tintilar das jóias que lhe cobriam o corpinho, as sapatilhas de veludo, o intenso fedor a perfume barato "que não tinha nada que ver com o amor". O jornalista adivinhou que ela já tivesse deixado de receber clientes a dormir, ou, pelo menos, que estes não a acordassem, e teve
um ataque de fúria que destruiu o quarto do prostíbulo. Dona da casa, na porta, em camisa de dormir, Rosa Cabarcas exclamou: "Meu Deus! O que não teria eu dado por um amor como este!"
O mesmo não pode dizer o A., que já o tem, e bem o pode agradecer à sua Maria da Felicidade (MF), como o mundo dela a conhece. Não que, tanto quanto contou a este Castelo, a MF tenha espatifado copos, lâmpadas e jarras contra a parede, como El Sabio fez, louco de ciúme. Não: nesta história as paredes serão bem tratadas, o amor prevalece e só o plágio fica mal na fotografia.
No final do ano passado as coisas não sorriam à MF. "Queria chegar até ele. Nessa altura tinha-me dado para trás porque achava que a nossa relação não teria futuro - porque tinha um passado muito presente na vida dele e por outros motivos que se calhar só ele saberá explicar."
Muito boa gente teria desistido, entregando-se às más energias, mas a MF sentia que o sentimento era mútuo: jogou esse destino à fava e começou a moldar o dela. Lembrou-se do seu desbloqueador de conversa favorito, "Sabes o que me apetece? Ser feliz", e associou-o uma conversa com o A. - este, questionado sobre o que queria da vida, respondeu, "Eu quero é ser feliz".
A MF percebia de street art, cortesia do próprio A., e uma coisa levou a outra - à criação de um stencil, concretamente. "Em dois dias tinha o stencil cortado. Fiz uma prova em casa. Ao terceiro dia fui pela primeira vez para a rua. De noite. E fiz o primeiro na rua dele, claro, para que o pudesse ver o mais rápido possível".
A mensagem "Eu quero é ser feliz", à qual a MF juntou um coração, foi pintando paredes de lugares com histórias comuns - além de ganhar corpo no
Facebook e na
blogosfera -, mas, raios, o A. teimava em não abrir a pestana e teve de ser a própria MF a contar-lhe tudo. Levou-o ao Adamastor, a pretexto de lhe uma dar prenda de natal, conduziu-o à parede que mereceu o segundo stencil, colocou uma fita de embrulho e disse, "Feliz Natal."
"Não demorou muito até o ter junto a mim, até hoje."
Outra coisa que demorou pouco foi o mediatismo ganho pelo stencil, nomeadamente via Internet. A página do Facebook Fotos de Rua deu-lhe destaque. A MF ficou satisfeita, primeiro, surpreendida, depois, e por fim revoltada: a responsável pela página registou a marca, fez uma parceria com a Culto Decor, uma empresa de decoração, e criou uma linha de vinis decorativos à laia de stencils como o dela. Para uma mulher apaixonada foi difícil relacionar o impulso que conduziu àquela expressão artística e o facto de haver quem ande a lucrar à custa disso.
Mas tudo ganhou outro tipo de contornos quando ela soube que o estilista Nuno Gama andava a ser aclamado nos media e redes sociais por ter colocado modelos a desfilar na passerelle da Moda Lisboa 2012 com uma t-shirt cujo desenho lhe era especialmente familiar. "Acho que nunca fui tão radical na minha vida" disse, então, Nuno Gama aos jornalistas, não ficando claro se o estilista se referia ao cariz político conferido ao desfile, ao plágio, ou a ambos, bem enroladinhos.
Contactado pela MF, Nuno Gama limitou-se a responder, "como pode verificar a imagem no global nada tem a ver com a sua, nem nunca teve..."
Maria da Felicidade não pretende invocar direitos, mas gostaria que se soubesse que "o stencil tem dono, e não é o senhor Nuno Gama." Importante, mesmo, para a MF, é saber que, pelo A., valeu a pena viver esta história. "Todos os minutos passados com ele valem a pena".