Sim. Que desperdício é começar os textos por não, sim.
Sim, era um jogo decisivo para o Sporting. Como de costume, cavalgava-se rumo ao apito final a um ritmo frenético e o resultado estava dividido. Na nossa sala de estar, em Portimão, eu e o meu pai num sofrimento idiota. Partilhamos esta doença, aparentemente sem cura, de sofrer por um clube de futebol como se algum acto de bruxaria levasse as sardinhas do Algarve, em pleno verão.
Sim, era um jogo decisivo para o Sporting. Como de costume, cavalgava-se rumo ao apito final a um ritmo frenético e o resultado estava dividido. Na nossa sala de estar, em Portimão, eu e o meu pai num sofrimento idiota. Partilhamos esta doença, aparentemente sem cura, de sofrer por um clube de futebol como se algum acto de bruxaria levasse as sardinhas do Algarve, em pleno verão.
Puxando pelas pistas, e tendo em conta o enquadramento actual da patologia, ela poderia muito bem, entre outras coisas, estar relacionada com a obesidade que o Pedro Barbosa leva no rabo. É que o “Panhonha”, (como carinhosamente lhe chamamos lá em casa) era o único jogador presente em campo (fora o Sá Pinto) e, a espaços, o único a criar algum lance passível de golo – sendo que nesses lances acabava sempre por se despistar, rogando pragas ao rabo-chaimite.
O desespero.
Estávamos já nos descontos e não havia forma de chegar à vitória. Foi aí que o milagre anti-gordura aconteceu: o “Panhonha” sai a jogar da grande área da equipa adversária, envergando o equipamento desta e o seu rabo-Pavilhão Atlântico, pelo que o Sá Pinto, sem demonstrar incómodo algum pela repentina mudança de cores do companheiro e apelando ao coração de leão que lhe bate do lado esquerdo, foi ao chão roubar-lhe a bola e chutou para a baliza orfã de guarda-redes. Gooooloooo !!!!
Buumm !!!! A explosão, a histeria, a loucura, os gritos, a rouquidão, o coração do meu pai, o Sá... o meu Pai!
Corri para ele, o meu pai, e perguntei-lhe o que se passava mas não recebia resposta sonora - A comunicação era feita por gesto e gemido, o meu pai por esta altura de tez albina, apontando nervosamente para o lado esquerdo enquanto respirava em golfadas de violino desafinado - pedi-lhe para se tentar acalmar, o meu pai enquanto tentava que o meu coração não fugisse do peito – também me sentia indisposto pelo meu pai e fui parar a um descampado onde encontrei um antigo colega de futebol no Portimonense: O Jorge, que era guarda-redes.
Cumprimentámo-nos e ele convidou-me a entrar na tenda onde morava. Tinha como certo deparar-me com uma espelunca desarrumada e sebosa, habitada por répteis a emanar essência de erva – mas nada disso aconteceu. Pelo contrário, dei comigo numa tenda arrumada, na qual jaziam sacos-cama harmoniosamente colocados de modo paralelo-num-espaço-de-não-mais-que-distância-nenhuma-entre-si, as paredes desnecessária e admiravelmente borrifadas com Ajax e o Bimbo a ressonar que nem um menino.
Bimbo, outro colega dos meus tempos de futebolista. 1,92 metros (2,14 m) a desfazer de tudo e todos, espírito burlesco que varria as posições do lado esquerdo e ataque da nossa equipa – tanto ele como o Jorge eram dois míudos que dominaram, desde cedo, o ofício do malandro. Pois hoje eles partilhavam uma tenda positivamente escuteira, como manda a respectiva ortodoxia.
Resolvi sair da tenda com uma necessidade absoluta de respirar aquele pó fresco do descampado, disfarçado do seu impacto estético pelo anoitecer. Não estava, confesso, de modo algum preparado para observar um cenário daqueles e, num assomo de filosofia corporal, olhei as estrelas. Vejo várias luzes brancas, intermentes, a cair. Desciam em voo picado, numa velocidade incompreensível e portanto vegetei até ouvir a explosão apocalíptica.
O acidente tinha ocorrido talvez a uns 400 metros dalí, pelo que corri para dentro da tenda de forma a proteger-me dos esperados estilhaços. O Bimbo ainda dormia. Num ápice, os destroços do avião caíam ao redor da tenda, e não deveria faltar muito para que atingissem algo que mexesse.
Sugeri que fossemos embora, que o argumento da limpeza não servia muito bem o contexto actual mas, surpreendentemente... não, ninguém queria sair dalí. Nesse momento já éramos cerca de 10 pessoas e tinha para mim que mais ninguém haveria entrado lá dentro pelo que as dúvidas, essas, teriam de esperar pela atenção do descomplicador numa outra ocasião.
Acordámos o Bimbo que, tranquilo, perguntou ao Jorge pela sua mãe.
Este devolveu que não era altura para brincadeiras e aproveitei a seriedade do momento para insistir em sairmos dali para fora que nem cangurus entusiasmados.
O eco continuou negativo e, frustrado pela pouca razoabilidade daquelas pessoas, dirigi-me em passos suicidas para a rua, com o solene intuito de correr pela vida. E então caíu-me tudo.
Se, naquele momento, me encontrasse contente diante da Rachel Weisz, é ponto assente que a lei da gravidade actuaria em mim com a ciência que o nosso amigo Isaac reclamou.
Gêlo, tortura nos testículos.
Uma interminável nave espacial descia sobre o descampado onde o Jorge e o Bimbo moravam, numa tenda arrumadinha. Aterrara a menos de 50 metros de mim e o fogo, que crescia a uma força imparável, parecia servir de cenário a uma celebração alienígena de tomada de posse - golpe de humanidade, substituição dos actores terrestres.
Receei pelo pior, quando a porta desabrochou no descampado e, acto contínuo, várias criaturas saíram da nave em passo acelerado. Seriam certamente monstros gigantescos, com sete olhos e muitos poderes malévolos que vinham com o objectivo horrendo de, pelo menos, nos levar a Marta da OK Teleseguro, acusar o Scolari de esmurrar jogadores (quando ele só protege os atletas) e proibir o Rui Reininho de beber.
Só que eram patos.
E gansos. E vacas com chifres no nariz, de perto seguidas por cães desdentados e bois rockeiros.
Diante dos nossos olhos, tão somente animais a correr pelo descampado, joganda à macaca e cantando a machadinha num dialecto tonto.
O trovador, se pessimista, uiva em vão pois tudo corria pelo melhor.
Diante dos nossos olhos de cordeiro aliviado - tão somente animais a celebrar a vida, imersos no vapor de um avião em chamas.
Rui Coelho
Sugestão de acompanhamento musical:
The End – The Doors
O desespero.
Estávamos já nos descontos e não havia forma de chegar à vitória. Foi aí que o milagre anti-gordura aconteceu: o “Panhonha” sai a jogar da grande área da equipa adversária, envergando o equipamento desta e o seu rabo-Pavilhão Atlântico, pelo que o Sá Pinto, sem demonstrar incómodo algum pela repentina mudança de cores do companheiro e apelando ao coração de leão que lhe bate do lado esquerdo, foi ao chão roubar-lhe a bola e chutou para a baliza orfã de guarda-redes. Gooooloooo !!!!
Buumm !!!! A explosão, a histeria, a loucura, os gritos, a rouquidão, o coração do meu pai, o Sá... o meu Pai!
Corri para ele, o meu pai, e perguntei-lhe o que se passava mas não recebia resposta sonora - A comunicação era feita por gesto e gemido, o meu pai por esta altura de tez albina, apontando nervosamente para o lado esquerdo enquanto respirava em golfadas de violino desafinado - pedi-lhe para se tentar acalmar, o meu pai enquanto tentava que o meu coração não fugisse do peito – também me sentia indisposto pelo meu pai e fui parar a um descampado onde encontrei um antigo colega de futebol no Portimonense: O Jorge, que era guarda-redes.
Cumprimentámo-nos e ele convidou-me a entrar na tenda onde morava. Tinha como certo deparar-me com uma espelunca desarrumada e sebosa, habitada por répteis a emanar essência de erva – mas nada disso aconteceu. Pelo contrário, dei comigo numa tenda arrumada, na qual jaziam sacos-cama harmoniosamente colocados de modo paralelo-num-espaço-de-não-mais-que-distância-nenhuma-entre-si, as paredes desnecessária e admiravelmente borrifadas com Ajax e o Bimbo a ressonar que nem um menino.
Bimbo, outro colega dos meus tempos de futebolista. 1,92 metros (2,14 m) a desfazer de tudo e todos, espírito burlesco que varria as posições do lado esquerdo e ataque da nossa equipa – tanto ele como o Jorge eram dois míudos que dominaram, desde cedo, o ofício do malandro. Pois hoje eles partilhavam uma tenda positivamente escuteira, como manda a respectiva ortodoxia.
Resolvi sair da tenda com uma necessidade absoluta de respirar aquele pó fresco do descampado, disfarçado do seu impacto estético pelo anoitecer. Não estava, confesso, de modo algum preparado para observar um cenário daqueles e, num assomo de filosofia corporal, olhei as estrelas. Vejo várias luzes brancas, intermentes, a cair. Desciam em voo picado, numa velocidade incompreensível e portanto vegetei até ouvir a explosão apocalíptica.
O acidente tinha ocorrido talvez a uns 400 metros dalí, pelo que corri para dentro da tenda de forma a proteger-me dos esperados estilhaços. O Bimbo ainda dormia. Num ápice, os destroços do avião caíam ao redor da tenda, e não deveria faltar muito para que atingissem algo que mexesse.
Sugeri que fossemos embora, que o argumento da limpeza não servia muito bem o contexto actual mas, surpreendentemente... não, ninguém queria sair dalí. Nesse momento já éramos cerca de 10 pessoas e tinha para mim que mais ninguém haveria entrado lá dentro pelo que as dúvidas, essas, teriam de esperar pela atenção do descomplicador numa outra ocasião.
Acordámos o Bimbo que, tranquilo, perguntou ao Jorge pela sua mãe.
Este devolveu que não era altura para brincadeiras e aproveitei a seriedade do momento para insistir em sairmos dali para fora que nem cangurus entusiasmados.
O eco continuou negativo e, frustrado pela pouca razoabilidade daquelas pessoas, dirigi-me em passos suicidas para a rua, com o solene intuito de correr pela vida. E então caíu-me tudo.
Se, naquele momento, me encontrasse contente diante da Rachel Weisz, é ponto assente que a lei da gravidade actuaria em mim com a ciência que o nosso amigo Isaac reclamou.
Gêlo, tortura nos testículos.
Uma interminável nave espacial descia sobre o descampado onde o Jorge e o Bimbo moravam, numa tenda arrumadinha. Aterrara a menos de 50 metros de mim e o fogo, que crescia a uma força imparável, parecia servir de cenário a uma celebração alienígena de tomada de posse - golpe de humanidade, substituição dos actores terrestres.
Receei pelo pior, quando a porta desabrochou no descampado e, acto contínuo, várias criaturas saíram da nave em passo acelerado. Seriam certamente monstros gigantescos, com sete olhos e muitos poderes malévolos que vinham com o objectivo horrendo de, pelo menos, nos levar a Marta da OK Teleseguro, acusar o Scolari de esmurrar jogadores (quando ele só protege os atletas) e proibir o Rui Reininho de beber.
Só que eram patos.
E gansos. E vacas com chifres no nariz, de perto seguidas por cães desdentados e bois rockeiros.
Diante dos nossos olhos, tão somente animais a correr pelo descampado, joganda à macaca e cantando a machadinha num dialecto tonto.
O trovador, se pessimista, uiva em vão pois tudo corria pelo melhor.
Diante dos nossos olhos de cordeiro aliviado - tão somente animais a celebrar a vida, imersos no vapor de um avião em chamas.
Rui Coelho
Sugestão de acompanhamento musical:
The End – The Doors
4 comentários:
Sugiro que a sugestão musical venha antes do texto porque no final já não serve de nada :) já era tempo de nos presenteares com as tuas mui eloquentes sandices literárias, fico feliz **
Sim!!! Isso mesmo um SIM cru e nu!!
Parabéns Sr. bar Escocês pelo Blog Novo!! Ai e tal agora anda na moda os tais "blogs" que ficaram na historia dos tempos incalculados na pré-história ( n faço a mínima do que estou a escrever ), deixe-me deixar aqui hoje o meu desagrado com o enorme texto que o Sr. Escocês escreveu, gostei sim Sr. Mas!!! Estava desejo de chegar ao fim por causa do seu tempo infinito…
Ps: eu sou parvo, mas muito parvo, sem a devida intenção , “assinalei o Blogue”.. . um Sim outra vez!!! Assinalar é mau neste caso!! E eu a pensar, marcar para ficar registo do teu blog no meu!! Dahh com um sim a mistura!!
Beijos amigo dos escócia!! Ate Sim!!!
Meu caro amigo, por momentos sai desta minha realidade em busca da objectividade do jornalista para entrar na fantasia da tua escrita hiperreal, e gostei. Parabéns! Rui Mendonça.
Delicio-me com as tuas marcas de estilo cada vez que leio um texto teu.
A escrita jornalística objectiva não deve mesmo servir para alimentar a tua alma que, se podesse ser vista, seria um arco-íris amparado por chuvas de bolinhas de sabão coloridas! =)*
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