Sugestão de acompanhamento musical
Getting Better - The Beatles
Saí de um curso onde eram ministradas aulas de cabeçada anti-sanguinária a todos aqueles que gostam de arriscar a sua vida pela dos outros. Falo da profissão de duplo.
A sala era pequena e os alunos, é bom dizer, jamais sangravam independentemente da vontade partilhada para que tal acontecesse. E vontade, garanto-vos, não faltou naquele recinto. Foi no calor desta candura que – num assomo de Heidi – aproximei-me da janela e vi o Linólio. Aquela figura esbranquiçada, distribuída por 3,14 metros de pilantrismo – feio como um abutre feio, raíz de sebo, babuíno. O Linólio, no pátio.
Atenção que talvez seja este o momento em que tenha de me retratar, ataques pessoais deste tipo não se coadunam em nada com o espírito deste Castelo.
Talvez esteja a ser duro com o Linólio. Talvez nem seja este o seu nome e a privacidade da pessoa em causa esteja salvaguardada. Talvez me digam que não é assim, falha no sistema – erro tipográfico. Aceito tudo isso embora tal não invalide o facto de o rapaz ter uma falha entre os dentesguerreiro (importa dizer que nada tenho contra a mesma) pela qual são constantemente projectados esguichos de saliva em massa contra o rosto dos seus interlocutores. Julgo que propositadamente, tal a mira.
- Ah tenho dentesguerreiro..
Desculpas! Todos nós conhecemos os Linólios que por aí andam, a fazer uso dos seus poderes maléficos contra pessoas indefesas. Quantas vezes já não tiveram a amabilidade de ceder passagem a um Linólio, numa carruagem de metro inundada por pessoas ávidas de sair na estação seguinte – sentindo a posteriori o agradecimento dele na pele, com saliva? Talvez nenhuma mas isso também não vem agora ao caso.
Entretanto a bola, com a qual eu estava a jogar ao pé da janela, tombou para o pátio. Olhei para trás, fitei os meus colegas e como sugeri de entrada, pedi desculpa pela urgência em retirar-me sob o pretexto de estar duas horas atrasado para um jantar de família. Ao sair porta fora, voei pela janela.
A viagem foi curta e, para ser honesto, pouco entusiasmante. Lembrei-me da cama voadora do Kusturica em “A Vida é um Milagre”, na certeza de que tudo era possível e que faria turismo por várias culturas de insectos acolhedores. Mas tudo ficou longe disso.
Desci do edifício onde eram ministradas aulas de cabeçada anti-sanguinária que nem uma folha de amendoeira, planando lentamente ao largo daquilo que me pareceu uma zaragata entre vespas. Não queria acreditar mas, ao chegar junto da confusão, confirmei que os ânimos estavam exaltados e discutia-se qual – entre elas – teria o “ferrão mais capaz”. Intervi.
- Olhem, não pude deixar de reparar que vocês estão a discutir qual das duas terá o ferrão mais capaz.
- Fantástico Einstein, agora salta daqui para fora que eu sou a vespa do ferrãopetit e mordo quando ladro.
- Não ligues forasteiro, ela é tipo abelha. Uma mordidelazinha e bate logo as botas, é tudo fachada. Eu é que sou a vespa do ferrãopetit.
- Eu!
- Eu!
- Calma, calma meninas. Só passei para vos dizer que enquanto vós putas andais aqui a discutir quem é o chulo, acabei de ver o Linólio alí em baixo. E olhem que ele hoje parece estar com o salão dos dentesguerreiro particularmente aberto, dia de perigo público.
- Contra os quais nada tens, correcto forasteiro? Pois seja, que já consta em alguns círculos de insectos que aqueles dentes são mais letais que o meu ferrãopetit! Ao ataque! – e lá foram as vespas, testando a capacidade do seu ferrão num fim chamado Linólio.
Já eu, pelo que me tocou, aterrei no terraço de um piso onde encontrei um bar parecido com o da minha universidade. Entrei e avistei caras familiares à minha vida académica: Pus-me na conversa com o J.P.C (que comia uma sopa de aspecto duvidoso), a S. (que bebia café) e o namorado (que estava atrás dela). A avó da S. acha que eles não andam, pelo menos a neta assim o põe.
Ao grupo juntou-se também o P., que fez a barba e agora noto que por trás dele, no enfiamento da sua encerada popa, encontra-se o J.A a trocar argumentos com pessoas aparentemente daquelas assim muito importantes. Em pano de fundo, um ecrã mudo e gigante com imagens de Underworld.
De seguida reencontrei-me com a rua, agora deslinolizada pelo ferrão das vespas. Acabei por sair pelo rabo do edifício sem rumo algum e deparar-me com uma ladeira empinada que descia para onde me convinha (pois subir cansa e não me apetecia). Manifesto pró-preguiça. Contornei a curva e lá em baixo, imponente, o ferrari (Renault Clio) da minha avó liderado pela filha e desprovido de mais soldados. A minha mãe no ferrari, à minha espera com ar reprovativo, a minha mãe embora eu tenha mentido ao pessoal do curso sobre o jantar. “Que raio fazes na minha mentira?”, penso –
Passo por ela, digo que “cheira a anos 90” e é com a rua deserta que me apercebo de que o sol devia andar com insónias visto serem 22h00 e de escuridão nem sinal.
Sinto o bolso vibrar, vou ao motivo electrónico e mensagem da Sónia. Sorrio, diz que acordou e fico na dúvida. Será que ontem ela me sussurou qualquer coisa ao ouvido como “força do mal” ou está mesmo a fechar este sonho? Tal é a dúvida daquele cuja mão direita tremeu, à instantes, ao despejar chocolate em pó no leite - ainda que o mesmo tenha atracado no cais devido.
2 comentários:
«Que raio fazes na minha mentira?»
lovely :)
Que sonho!
O Linólio!
FerrãoPetit!
Falta a tua avó!
Eu tenho Dentesguerreiro!!
Não esguicho!
Bebamos a isso com 25 euros em cima da Mona Lisa e 20 euros com ratos tabernistas!
Excelente Post!
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