quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Andas com apetites? Aiuê, lê isto pá!


Era uma vez o meu estômago dorido depois de um dia de trabalho, a caminho do Amore Mio, um restaurante italiano que fica ali entre a Praça do Chile e a Alameda. A meio caminho, no largo do mercado de Arroios, reparei numa casa castiça, que de fora tinha mais jeito de café do que propriamente de restaurante. Espreitei e gostei do que me pareceu ver. Tudo bonitinho, muito clean, mas com uns quadros fogosos na parede. Iko’s. “Deve ser grego”, pensei, projectando logo a hipótese de um dia ali jantar.

Ontem foi o dia. Combinei com um amigo e mal entrámos no restaurante apercebi-me de que estávamos muito mais perto de Luanda ou Maputo do que de Atenas. O espaço é pequeno (24 lugares sentados) e acolhedor, com decoração a evocar as raízes dos donos, que, soubemos depois, são moçambicanos. Fiquei logo maravilhado com os lindíssimos e coloridos batiques espalhados pelas paredes, a lembrar-nos que África é cor, exagero, mãe.

Enviei logo mensagem à minha: “Maluquinha vou comer moamba! Já te digo se valeu a pena.”

Como me aguentava em pé à boleia de benurons, depois de uma daquelas noites boas de suores frios e facadinhas na garganta, ainda pensei em seguir o mau exemplo do meu amigo, que geralmente bebe água à refeição, coma o que comer. Depois reflecti melhor e com receio de ir parar ao inferno pedi meia garrafa do tinto da casa, cujo nome escandalosamente não recordo - era bom, ué!


Da ementa integralmente africana, onde constavam sobretudo pratos de Moçambique, mas também angolanos e de São Tomé, pedi então moamba de galinha e acompanhei-a com farinha de mandioca, feijão com óleo de palma, arroz de côco e uma salada de tomate picante cujo nome tinha umas 20 letras e era qualquer coisa como sarabalalulusalalala.


Naquele momento vi os meus pais a dançar descalços num baile do Lobito, entre amigos, numa roda, com aqueles mano a mano em que homem e mulher descem lentamente até o rabo encostar nos calcanhares enquanto se desafiam ao modo de “anda cá, mostra o que vales”. (Não vale cair).

No Iko’s, cujo nome deriva daquele pelo qual responde o dono, Frederico, tudo é pensado para satisfazer o cliente. Ao contrário do que se possa esperar, o prato que nos chega à frente não vem a arfar de piri-piri. Queres picante? Pedes e pões. Foi o que fiz, sempre na esperança de um dia me habituar àquilo, à imagem do que acontece com toda a minha família, mas não há remédio. Mal despejei umas gotas de gindungo na minha moamba e levei uma perna à boca... torneira aberta. Ao meu lado o meu amigo ria muito à minha pala, porque no caril de caranguejo dele não se passava nada, mas quando lhe dei a provar um canto do meu prato especialmente atestado ele ficou vermelhão e a passar guardanapos na testa e não parou de se queixar até ao fim do jantar. A vingança serviu-se quente, muahahaha.

Se ainda não falei do atendimento é por mera distracção. É afável, atencioso, sábio. A moçambicana que nos atendeu tinha o maior sorriso do mundo e sabia dizer o nome da salada sem se atropelar a meio caminho. Pedi-lhe duas vezes para dizer o nome e não errou. Há gente com muito talento.

Antes do jantar tínhamos pedido de entrada um prato com queijo de ovelha derretido, que a mim pareceu qualquer coisa como um divinal pão com alho e queijo, mas sem massa. O pão que acompanhava o queijo podia ser mais saboroso – do dia, claro, mas integral, ou perto disso.

Com aquilo tudo fiquei de três meses e o meu amigo, que naturalmente já os tem, cresceu para seis. Mas porque a nada se poupa, ele ainda pediu uma mousse de caju que lhe soube a iogurte – “não encontro o sabor do caju”. Eu, que geralmente prefiro sobremesa líquida (água da escócia) à sólida, pedi apenas um chá de menta e fiquei ali cinco minutos a inalar os vapores para matar ácaros. Pagámos menos de 20 euros cada. E durante aquele tempo todo o plasma da casa dividiu-se entre um canal de música (MCM), um DVD com uma reportagem sobre a cultura de Maputo e o cabazo de Portugal ao Luxemburgo. Gostei muito. Até o lavatório da casa de banho é giro. A cozinha está aberta até às 23:00 durante a semana e à sexta e sábado ainda dão mais uma abébia extra. Mas não apareçam ao domingo. Esta gente merece descanso.

Site: aqui.

9 comentários:

Ísis disse...

Convenceste-me. Vou ter de "passar" por lá :)

M.J. disse...

Rui obrigado pela partilha, como fã de Moçambique por toda a sua essência de certeza que será um restaurante a visitar quando voltar a Portugal!

Em tempos encontrei também um restaurante catita bem perto do Bairro Alto e que os donos eram também Moçambicanos, entrei era 1 da tarde e saí às 6 horas.

Povo moçambicano quando pode, fala fala fala!

abr

Anónimo disse...

Desconheço esse restaurante mas abriu-me o apetite! Um dia temos que lá ir :)

Se o restaurante não tem site, sugeria aos "chefs" que lessem este post e pensassem seriamente neste apontamento sobre o que este restaurante pode provocar aos clientes.

Perfeito!

Rui Coelho disse...

Apareçam sim!, garanto que vale mais a pena ir a este restaurante tipo uma vez por semana do que duas vezes a outros sem metade desta pinta. E já deixei no texto a morada do site, que de facto têm.

Beijos e abraços e copos e amor.

ps. Um dia destes vamo lá a isso Martini ()

Jan disse...

Como você escreve gostoso, Ruizito.

Deu vontade de conhecer. Mais do que muita!

Besos

Rui Coelho disse...

Levo-te lá com muito gosto jan, beijão!

Jan disse...

Eu quero!

João Barbosa disse...

sei onde é e já me falaram bem. ponto negativo (no que li e me disseram): tv!!! que raio faz uma tv num restaurante? dasssse

Rui Coelho disse...

A tv lá geralmente tem um DVD sobre a cultura local, não me parece desapropriado. Podiam era variar - já lá voltei a era o mesmo. Mas percebo-te. Um som ambiente chega para apimentar o bate-papo. Tv só atrapalha.

abraço.