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floresta desencantada |
O D. fala com autoridade sobre os melhores trompetistas de Chicago, Paris ou Colo do Pito - povoado de Castro d’Aire -, a mesma com que o Gabriel Alves nos dava a conhecer o prato preferido de um futebolista antes de este cobrar um penálti. Dá a ideia de que sabe tudo o que há para saber sobre jazz. Está preparado. Por isso mesmo, e porque é bom moço, aceitei o convite dele para acorrer à reabertura do Hot Clube, ainda na praça da Alegria mas uns números abaixo do espaço anterior. Após estacionar a custo, dei por ele e outro amigo na cauda de uma fila que faria corar de orgulho qualquer funcionário que atenda num centro de emprego em Portugal. É que se perdia de vista. Dez, vinte, trinta minutos; cinco, dez, quinze metros. Entretanto já se percebia qualquer coisa a acontecer perto da entrada. Pareceu-me ver sair de lá o António Costa. Era o António Costa. Pareceu-me que estava acompanhado pelo Sá Fernandes advogado. Era o Sá Fernandes político. (A boina – faltava-a). A fila avançava a passo burocrático e exprimi impaciência através de um cordial “espero que haja uma torneira de cerveja logo à entrada, foda-se”, mas esse e outros argumentos eram de pronto rebatidos pelo D, cujas observações fantasiosas sobre as vantagens de estar lá dentro eram desarmantes. Demorámos quase uma hora a aparecer diante do porteiro. Já tinha ouvido desabafos em meu redor sobre o quanto aquilo estava congestionado, de modo que lhe pedi um conselho. Tive-o: deveria “empurrar as pessoas para ganhar espaço e encostar-me à parede do lado direito”, cito. Obedeci ao génio.
Para quem conhecia o primeiro Hot Clube as comparações são inevitáveis, até dolorosas. Não sei se aquilo é para ficar assim, mas, para já, “aquilo” é isto: uma sala interior possivelmente mais pequena que a prévia, já de si diminuta, com cortinados e paredes verde azeitona, praticamente desprovida de mobília – errr... nem um quadro? -, longe de fazer entender que é pelo jazz que ali estávamos. Como perdi muito tempo na fila para a entrada já só ouvi três ou quatro temas do Septeto do Hot Clube, que fechava os concertos. Clap, clap, clap. Fui depois lá fora, ver o que se passava. Fiquei surpreendido: deparei-me com uma espécie de jardim de Inverno, arborizado mas sem a força do verde. Árvores simples, nuas, tristes. Um espaço com potencial para receber coisas giras, mas, daquele modo, uma floresta desencantada, "careta", "árida", disse em voz alta, demasiado perto de um debate em círculo. Não sei se foi o “careta” ou o “árida” mas algum dos dois termos mexeu com a namorada italiana de um antigo colega de faculdade, que ouviu a descrição e depressa me informou que ali entre nós estava o arquitecto do espaço, que já agora também era o patrão dela. Pensei num bom plano para desaparecer de forma graciosa, mas não encontrei alçapões. Seja como for o D. mostrava-se embevecido com a noite: queria fazer parte daquele recomeço, dois anos depois de ter ardido um dos mais antigos clubes de jazz do mundo. Não lhe quis roubar o chocolate. Aguentei-me à bronca tácita, bem caladinho, que é como melhor estou. Uns minutos, vá.