sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O que não teríamos dado por um amor assim?


No livro Memória das Minhas Putas Tristes, de Gabriel Garcia Márquez, um jornalista que nunca se tinha deitado como uma mulher sem lhe pagar reencontra-se com a adolescente virgem com que se presenteara no dia do seus 90 anos. Nessa noite encontrou-a adormecida, cansada de cozer botões durante o dia. Estava arranjada, mas sem chegar ao ponto de não se lhe reconhecer, naquele momento, o cúmulo da inocência. "El Sabio" não a chegou a acordar, mas, a caminho do século de vida, descobria ali o amor. Quando a voltou a procurar ficou estarrecido com a nova imagem - as pestanas postiças, o tintilar das jóias que lhe cobriam o corpinho, as sapatilhas de veludo, o intenso fedor a perfume barato "que não tinha nada que ver com o amor". O jornalista adivinhou que ela já tivesse deixado de receber clientes a dormir, ou, pelo menos, que estes não a acordassem, e teve um ataque de fúria que destruiu o quarto do prostíbulo. Dona da casa, na porta, em camisa de dormir, Rosa Cabarcas exclamou: "Meu Deus! O que não teria eu dado por um amor como este!"

O mesmo não pode dizer o A., que já o tem, e bem o pode agradecer à sua Maria da Felicidade (MF), como o mundo dela a conhece. Não que, tanto quanto contou a este Castelo, a MF tenha espatifado copos, lâmpadas e jarras contra a parede, como El Sabio fez, louco de ciúme. Não: nesta história as paredes serão bem tratadas, o amor prevalece e só o plágio fica mal na fotografia. 

No final do ano passado as coisas não sorriam à MF. "Queria chegar até ele. Nessa altura tinha-me dado para trás porque achava que a nossa relação não teria futuro - porque tinha um passado muito presente na vida dele e por outros motivos que se calhar só ele saberá explicar."

Muito boa gente teria desistido, entregando-se às más energias, mas a MF sentia que o sentimento era mútuo: jogou esse destino à fava e começou a moldar o dela. Lembrou-se do seu desbloqueador de conversa favorito, "Sabes o que me apetece? Ser feliz", e associou-o uma conversa com o A. - este, questionado sobre o que queria da vida, respondeu, "Eu quero é ser feliz".

A MF percebia de street art, cortesia do próprio A., e uma coisa levou a outra - à criação de um stencil, concretamente. "Em dois dias tinha o stencil cortado. Fiz uma prova em casa. Ao terceiro dia fui pela primeira vez para a rua. De noite. E fiz o primeiro na rua dele, claro, para que o pudesse ver o mais rápido possível". 

A mensagem "Eu quero é ser feliz", à qual a MF juntou um coração, foi pintando paredes de lugares com histórias comuns - além de ganhar corpo no Facebook e na blogosfera -, mas, raios, o A. teimava em não abrir a pestana e teve de ser a própria MF a contar-lhe tudo. Levou-o ao Adamastor, a pretexto de lhe uma dar prenda de natal, conduziu-o à parede que mereceu o segundo stencil, colocou uma fita de embrulho e disse, "Feliz Natal."

"Não demorou muito até o ter junto a mim, até hoje."


Outra coisa que demorou pouco foi o mediatismo ganho pelo stencil, nomeadamente via Internet. A página do Facebook Fotos de Rua deu-lhe destaque. A MF ficou satisfeita, primeiro, surpreendida, depois, e por fim revoltada: a responsável pela página registou a marca, fez uma parceria com a Culto Decor, uma empresa de decoração, e criou uma linha de vinis decorativos à laia de stencils como o dela. Para uma mulher apaixonada foi difícil relacionar o impulso que conduziu àquela expressão artística e o facto de haver quem ande a lucrar à custa disso. 


Mas tudo ganhou outro tipo de contornos quando ela soube que o estilista Nuno Gama andava a ser aclamado nos media e redes sociais por ter colocado modelos a desfilar na passerelle da Moda Lisboa 2012 com uma t-shirt cujo desenho lhe era especialmente familiar. "Acho que nunca fui tão radical na minha vida" disse, então, Nuno Gama aos jornalistas, não ficando claro se o estilista se referia ao cariz político conferido ao desfile, ao plágio, ou a ambos, bem enroladinhos.

Contactado pela MF, Nuno Gama limitou-se a responder, "como pode verificar a imagem no global nada tem a ver com a sua, nem nunca teve..."

Maria da Felicidade não pretende invocar direitos, mas gostaria que se soubesse que "o stencil tem dono, e não é o senhor Nuno Gama." Importante, mesmo, para a MF, é saber que, pelo A., valeu a pena viver esta história. "Todos os minutos passados com ele valem a pena".

4 comentários:

Maria da Felicidade disse...

Obrigada! Ainda não o tinha dito aqui =)

Rui Coelho disse...

A gerência é que agradece!

(beijo laurinha)

Anónimo disse...

partilhadíssimo. na página do FB do blog e na página pessoal :)

Rui Coelho disse...

ah maravilha, tens um lugar vip guardadinho no céu ahaha*