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O arrumador de carros da minha rua anda a comer uma senhora que tem um fio dourado muito grande preso ao pescoço, e que se pinta muito e cedo. Barbeado, muito posto, acompanhava-a no sábado de manhã, pela praça Paiva Couceiro, dez e meia. Carregava quase tantos sacos da Zara quanto ela, e vestia um pólo cor-de-rosa, como os rapazes que por estes dias se portam mal. Faltava-lhe as suiças muito finas a unir as duas orelhas em arco para poder passar por um verdadeiro menino mau – aquele que leva as míudas todas no Liceu. E coxear.
Enquanto esperava numa passadeira da Paiva Couceiro pela boleia de um amigo - ia jogar à bola -, compreendi que, do lado oposto da estrada, o arrumador de carros caminhava indeciso pela fila de táxis da praça, em passo acelerado, optando ora por um, ora por outro, para depois regressar ao primeiro. Noutra velocidade, prudente, a senhora percorria sempre metade desse caminho, pelo que se cansou menos. Num gesto precipitado, o arrumador tomou a decisão mais sensata após minutos de indecisão: abriu uma porta dos bancos de trás do primeiro táxi da fila, e nele fê-la entrar.
Imaginei o que se teria passado para que tivesse virado as costas à amante sem se despedir. Fechou-lhe com estrondo, junto à cara, a porta que, cavalheiro, previamente abrira. Vi-o afastar-se, de mãos nos bolsos, rumo ao jardim muito feio da praça Paiva Couceiro, à medida que a senhora do fio se afastava no carro amarelo, com diversos sacos da Zara esborrachados contra o vidro de trás. Podia também ser a mãe que o fora visitar – tinha idade para isso.
3 comentários:
1.ª - "Barbeado, muito posto" - será que era mesmo o arrumador da nossa rua?
2.ª - Tu tens mesmo uma etiqueta chamada "Povo" para catalogar posts do blog? Que coisa de pobre! :)
gostei da etiqueta "Povo" hahaha
Tenho a sensação que há gente na Paiva Couceiro que nunca viu o rio.
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