segunda-feira, 29 de junho de 2009

Imaginemos que este post tem a bolinha vermelha que merecia aqui

Dirijo-me desde logo a todos os chineses, nomeadamente aos mais jovens: fora daqui. Esse clique no xis branco em fundo vermelho enquanto é tempo. O texto aqui em andamento, acreditem, que conheço bem quem o escreve, é pecaminoso. Vil. Suja que não sai no mais puro dos espíritos. Mau (mao?), estou a falar chinês? Ainda vão a tempo. Salve-se quem puder.

Se pensaram, ao espreitar a fotografia acima publicada, Pronto, com temas tão actuais e sérios como o golpe militar nas Honduras ou a destruição de uma pastelaria em Lagoa por parte dos Super Dragões, lá vai ele escrever sobre os desavergonhados que ali se enrolam, nus, à luz do dia, indiferentes aos olhares mais reprovadores - arranjem um quarto! -, acertaram.

E não estão sozinhos. O adorável governo chinês anunciou há dias que vai lançar um software anti-pornografia em cada computador vendido entre muralhas. A contar desde o próximo dia 1 de Julho, quarta-feira. Missão, segundo o Wall Street Journal, Construir um ambiente verde, saudável e harmonioso na Internet, prevenindo que informação prejudicial influencie e envenene os jovens.

Diz, quem já experimentou o pulso firme da polícia chinesa online, que o sistema apresenta um olhar de vanguarda sobre o tema do sexo explícito.

Exemplo: um curioso procurou a imagem de um animal num motor de busca. Nisto, resulta que a fotografia de um suíno radiante, com a expressão de quem esteve horas a fio a chafurdar num grande monte de esterco, surge censurada. Lista negra. Proibida.

Bem, directos ao assunto, De que é que as autoridades de Pequim se lembraram?, pergunta, e bem, o leitor. Resposta: de desenhar um sistema preparado para denunciar como pornográficas todas as imagens que tenham uma determinada proporção de pele exposta. Pele do branco ao mais rosadinho, pelos vistos - de seguida, o mesmo curioso procurou a foto de uma mulher negra, nua, e não lhe foi colocado entrave algum.

Daí que se imponha a pergunta: Senhor engenheiro, hein?, que tal ensaboar a massa cinzenta da xavalada tuga como deve ser?

Provedor do Castelo:
Quero aqui expressar de forma clara a minha indignação face aos conteúdos que este espaço outrora respeitável entendeu publicar na sua 134ª oração. 20 meses depois, o Castelo desceu à barbárie. Lamentável.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Não haverá outro

Michael Jackson (1958-2009)

O ‘meu’ Michael Jackson nunca poderia ser o do Thriller. Ainda não tinha nascido em 1982. A canção, o disco, o vídeo, e o que isso representou para os fãs, indústria musical, MTV – tudo -, só me chegou bem depois. E o sorriso e voz angelicais. Sem descanso. Límpidos. Perfeitos. Nos Jackson 5. Na Motown. O prodígio de ‘ABC’ e ‘I Want You Back’ . E o pai de cinto na mão nos ensaios. Era, portanto, o Jackson branco, já, embora não ainda albino, quem primeiro conheci. Havia lá por casa a k7 do Bad (1987), que o meu irmão tinha comprado. Ouvi-a já no virar da década. Talvez depois do Dangerous (1991). No primeiro ano do ciclo. Ou no segundo.

Quantas vezes a tentar imitar aqueles passos de dança colossais, nunca antes vistos, em frente ao espelho? Quantas vezes a rodar o corpo 360 graus sobre o pé direito e finalizar com um guincho solto de mão direita no ventre e a esquerda semi-aberta em concha, junto ao ouvido? Quantas vezes a tentar deslizar de costas em frente ao espelho, sem sair do sitio? O mundo pergunta: que raio se passou entre o Thriller e o Bad? Negro na capa do primeiro, branco na do segundo. Aqui luminoso, ali inexpressivo. A mudar de cor. E a pele a ressentir-se. Jackson anunciou na época ter contraido vitiligo – doença que provoca a perda da pigmentação da pele. Terá sido mesmo assim? Estarei a ser injusto quando me interrogo se, como mais tarde cantaria, It don't matter if you’re black or white, mesmo, ou, afinal, carregava ele próprio o mais visível preconceito racial alguma vez visto?

Que raio se passou entre o Thriller e o Bad?, cinco anos e uma estrela no passeio da fama de Hollywood depois. Como se desenhou aquele sorriso triste? A expressão magoada? O cadáver translúcido? Bizarro? E o filho - um filho, que de duas mulheres teve três - agitado à janela demasiado alta de um hotel? Quase a cair? Os olhos esbugalhados? O nariz desfeito e refeito e desfeito e para sempre assim, por muito que o refizesse? Pedófilo? Absolvido. Nada se provou. Luvas brancas. Máscara. Chapéu. De chuva. Óculos de sol. Sem sol. Morreu aos 50 anos, com quase 50 anos de carreira, o menino que nunca teve tempo de o ser. Que nunca foi ao supermercado sem ser perseguido. Que nunca assentou o pé na terra. Que viveu sempre na (e da) fantasia. Na Terra do Nunca. Peter Pan por cumprir. Morre um dos heróis da minha geração. Já não sobram muitos. Capítulo fechado: excentricidades à parte, recuperemos o seu legado artístico, que não tem igual neste tempo.


(primeiro moonwalk na festa dos 25 anos da Motown)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

É sempre de ouvir em repeat # 36, 37 e 38



Sempre que me pergunto, Como é que começaste a gostar de jazz?, respondo, Quando te arrastavas com a malta para bares ou discotecas, 16/17 anos, e só davas atenção ao DJ quando ele enfiava nas músicas um arranjo ou um solo de saxofone. Não podia estar mais enganado.



O Freddy ainda corre.



O Jim também (à maneira dele).

o respeitinho é bonito e a onça gosta

O administrador da circunscrição, único funcionário, máxima autoridade e representante de um poder demasiadamente longínquo para infundir receio, era um indivíduo obeso que suava sem descanso. Diziam os habitantes do lugar que a suadeira dele começara logo que pusera pé em terra depois de desembarcar do Sucre, e que desde então não deixara de espremer lenços, ganhando assim a alcunha de Babosa. Murmuravam também que, antes de chegar a El Idilio, esteve nomeado para uma cidade grande qualquer da serra e que, por causa de um desfalque, o mandaram para aquele recanto perdido da região oriental como castigo. Suava, e a sua outra ocupação consistia em administrar a provisão de cerveja. Escorropichava as garrafas bebendo sentado à secretária, em goladas curtas, pois sabia que, depois de terminada a provisão, a realidade se tornaria mais desesperante. Quando a sorte estava do seu lado, podia acontecer as suas securas serem recompensadas com a visita de um gringo bem abastecido de uísque. O administrador não bebia aguardente como os restantes habitantes da terra. Garantia que a Frontera lhe provocava pesadelos, e vivia acossado pelo fantasma da loucura. Desde não se sabe que data imprecisa vivia com uma indígena que espancava selvaticamente, acusando-a de o ter embruxado, e todos estavam à espera de que a mulher o assassinasse.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Silly season? We have Bombay

Dizer que os Bombay Bicycle Club têm semelhanças com o grupo de amigos do filme American Pie é capaz de não ser a melhor forma de os introduzir aqui no barraco escocês. Mas notem: como os outros, estes putos, quatro, têm um objectivo a cumprir antes de atingirem a maioridade, o que coincide com a saída do liceu para a faculdade. Ou para um emprego das 9 às 5. Os Bombay, tão novinhos, escolheram ser músicos, gravar um disco, e ao que tudo indica tomaram a decisão correcta. Com a silly season oficialmente aberta, esta xavalada do norte de Londres vai curtir o Verão em festivais de música. No palco. Glastonbury, para começar; Oxegen e Reading, para nomear outros; Na mochila trazem o primeiro disco, I Had The Blues But i Shook Them Loose, que vai sair do forno da editora Mmm... a 6 de Julho. Para trás, 2007, ficam dois EP’s (How We Are e The Boy I Used to be) e o prémio de melhor banda de 2006 numa competição do festival V, dedicada aos novos talentos. Indie-rockers por dentro, copinhos de leite fresco à superfície, os Bombay espantam pela maturidade das composições e reclamam uma sonoridade muito própria, que tem na voz densa, dramática, do vocalista Jack Steadman (Paul Banks, Win Butler e Chris Martin caíram ao caldeirão e de lá saiu um puto com a voz noir do primeiro, os tiques do segundo e as feições do terceiro), a sua bandeira. A meio da viagem, acho que podem muito bem vir a ocupar o espaço que foi dos Vampire Weekend em 2008. Os dois primeiros singles do disco aqui publicados ajudam a explicar porquê.





(Elaine, voltaste a dançar para nós)?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A foice


O dono do café onde costumo almoçar é brasileiro e muito simpático, mas tem umas unhas perigosíssimas. Parecer-se-iam com a foice do Panoramix se esta fosse, digamos, imunda. Mas enquanto o druida do Asterix precisa da sua foice de ouro para colher os ingredientes com que depois vai elaborar poções mágicas, conferindo a força de mil cavalos a quem as beber, era menos urgente que o dono do café onde costumo almoçar tratasse da sopa e torrada que quase sempre lhe peço com aquelas barbatanas amarelo-negras. Revolve-se-me o estômago quando o imagino na copa a despachar o assunto.

O primo hoje veio mais tarde, já deve estar atrasado para o trabalho, tenho de ser rápido, scratch, scratch.

Sofro. Mas ele chama-me primo desde que me conheceu. Julgava-me brasileiro. Passei a fazer o mesmo. Sou bem educado. Não lhe posso faltar. Familia é familia. Em todo o caso ando a ganhar coragem para lhe falar de temas pertinentes que envolvam a ASAE ou o Castigo Final. Tenebrosos. Que se ergam em maiúsculas. Uma coisa poderia levar à outra. Sinto, porém, que ainda não chegou esse dia. E para já limito-me a imaginar a conversa que sem dúvida me conduziria ao El Dorado.

- Olá primo.
- Oi primo, tudo legal?
- Tá tudo. Que sopa tem hoje?
- Sopinha especial.
- Especial?
- Especial.
- Porquê especial?
- É especial.
- A cozinheira está bem disposta?
- Saiu.
- Está sozinho?
- Sozinho, primo.
- Quem é que atende no balcão?
- Eu.
- E quem cozinha na copa?
- Também eu, primo.
- Mas isso não se faz.
- Não faz mal, primo.
- Faz, faz.
- As minhas mãos já não estranham.
- Pois.
- Deito a mão a tudo, primo.
- Exacto!
- (tira cera dos ouvidos)
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh !!!!!!!!!!!!

(tentei..)

terça-feira, 16 de junho de 2009

É sempre de ouvir em repeat # 33, 34 e 35



Top 10 do ano, para já.



O disco, ouvi dois terços, é um ânus de camelo indisposto. Mas lá para o meio descobre-se esta canção, cheesy até onde se gosta, que sempre julguei ser dos Keane, porque a eles tresanda, mas afinal é destes Air Traffic. A Super Bock, claro, na sua inesgotável demanda por lágrimas no sofá – são bons nisso, reconheça-se -, promove-se pagando 1001 anúncios diários com esta música de fundo onde uma admirável legião de modelinhos quase quase a entrar nos vintes mergulha num festim de melos e cevada. Estamos bem. Somos jovens. O Verão está aí. (Para ouvir com moderação, claro).



Belle Chase Hotel meets Tindersticks in Almada. That’s amore.

sábado, 13 de junho de 2009

(Eu achava que) a torre da Faculdade de Direito de Coimbra se chamava cabra mas o Ricardo, concordando com o nome, diz que ela é da Universidade

I

Coimbra sente-se. Isso saltou-nos para a espinha logo à chegada, quando o autocarro que nos trazia de Lisboa passou uma ponte acima do Mondego, para depois atacar rampas aparentemente sem fim rumo à praça da República, onde havia encontro marcado com a Carolina, amiga do Pascoal. Coimbra tem o improviso dos carrosséis. A Carolina também. Chegada de Viseu em 2004 para ganhar um canudo em Direito, vive desde então numas águas-furtadas em estilo Taj Mahal, onde é possível experimentar o exotismo de tomar banho sentado ou virar o último grito dos pequenos almoços: oregãos com tosta mista empurrados por um café com leite servido numa chávena de porquinhos. Agora que me lembro, já se adivinhava qualquer coisa do género quando descobrimo-la a saltitar na curva acima retratada, com a velocidade e o sorriso de quem corre por gosto – e de quem, digamos, desce, bem diferente das mil e uma etapas de montanha de categoria especial que nos esperavam nas próximas horas. Por aquela altura, cerca de quatro horas antes de se iniciar o concerto da Mayra Andrade no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), concluimos que, depois da sorte de poder assistir em casa aos programas de horário nobre da SIC, o segundo grau de felicidade consistia em ter uma guia turistica saltitante, e o terceiro em ver a Mayra Andrade ao vivo, dali a quatro horas. Essas contas ficaram baralhadas assim que chegámos ao Taj Mahal para descarregar a escova de dentes. Quiseram os ventos que, em lugar de sermos guiados por uma Carolina, fossemos conduzidos por duas. Equipada com uma Nikon - “não profissional”, lembrar-nos-ia mais tarde, para nosso espanto -, a Carolina que é de Mértola e fez Erasmus em Barcelona foi por nós raptada quando se preparava para uma fuga solitária, em busca da foto perdida. Em época de exames, queria respirar um pouco. Fotografar. Embora estude sociologia e fale como uma socióloga, depois de pensar como outra, a Carolina de Barcelona quer mesmo é ganhar a vida no jornalismo. Fotografando. Fiz-lhe saber que a vida na comunicação social é actualmente o ideal paraíso, ganhando-se o suficiente para viajarmos até Coimbra e de lá regressarmos a planear um assalto a um ninho de gente abastada, como a casa do dono de um banco ou uma igreja. Esta última ideia foi do Pascoal. Herege.

II

“Esta é a Faculdade de Medicina. À direita vai aparecer a de Letras. E ali ao fundo está a cabra com a bandeira. Chamamos-lhe cabra, à torre. É ali que temos aulas. Às vezes os turistas entram quando estamos a fazer exames.”


“Esta é a casa do Zeca. Ali ao lado, naqueles degraus, começa o quebra-costas. Já vão perceber porquê. Aqui em frente, nas escadas da Sé velha, há um spot clássico de fumos. Se ele também as fumou? Provavelmente.”


- (Às 17:30) Diz aqui que o jardim botânico fecha às 17:30.
- Não é às 20h?
- Podemos sempre fazer como naquele filme [Band à Part] do Godard em que se quebra o recorde mundial da volta mais rápida ao Louvre.
- Boa ideia. Mas não nos vão expulsar de certeza, olha ali criancinhas. Ninguém expulsa criancinhas.

III

Foi com alguma tristeza que, chegando à porta do Quim dos Ossos, para ali jantarmos, demos com ela fechada. O espaço tinha sido elevado por meio mundo à qualidade de cozinha de mãe, pelo que ficámos na expectativa, primeiro, e permanecemos na ignorância, depois: será o mito verdade? Em todo o caso, pouco se perdeu. Exactamente ao lado, outro café nos recebeu com o aprumo que se antevia no vizinho. Moelas, bitoque, alheira, tudo devidamente guarnecido e regado com um tinto Quinta de Cabriz do Dão que se concorresse às europeias eu votava nele. Mais queijinho e pão de entrada. Mais café. Uma amêndoa para cobrir. Tudo de lamber. Sete euros e meio. Não o disse, porque estava satisfeito, mas ocorreu-me a ideia de jantar de novo. Porém, o concerto da Mayra Andrade esperava os rapazes e os livros esperavam as meninas, o que forçou uma separação de duas horas. Até já Carolinas, bom estudo. Beijinhos, bom concerto.

IV

Coimbra tem o improviso dos carrosséis. Pode sempre surgir uma curva inesperada. Em cada esquina um estudante. Em cada esquina um amigo. Em cada mesa um copo. Ou vinte. Foi isso que percebemos ao chegar junto da Carolina do Tibete (destino de sonho dela) e da Carolina de Barcelona, depois de um concerto de encantar, com a Mayra dos cabelos longos agora a expor o rosto de miúda com os cabelos curtos, e a encantar o público do TAGV com a sua voz de diva precoce, e alma cheia, e África a cada gesto. Apresentou Stória, Stória..., o novo disco, ouviu piropos que retribuiu com sorrisos, teve uma claque muito especial de Cabo Verde, perguntou pela Ilha de Fogo e despediu-se com um solo “a cappella” que precipitou soluços e aplausos de pé. Vamos ter com elas, coitadas, a estudar no Tropical enquanto nos deliciámos aqui com uma das vozes mais bonitas que se ouvem por aí. O resto da noite, que passou pelo bar da associação, pelas faces coradas da Vanessa, pela lingua afiada da Filipa, pelo sotaque imbatível da Diana luso-venezuela e pelo Noites Longas, verdadeira bandeira nocturna da democracia, de onde o Dj sai intacto ainda que passe Morrissey e Europe num espaço de dez minutos, explicou que a cidade de Coimbra tem uma forma muito própria de estudar. Até de manhã. E de receber as pessoas. A saltitar.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A cerveja morna e triste

O Zé da gaita tem 112 quilos, mas não parece. Usa roupas largas, confortáveis, e está sempre a colar os cantos da boca às orelhas, como o cheiro de casca de banana ao olfacto dos passageiros nos autocarros, pelo que ninguém se lembra do peso. Quem frequenta ou vive na Praia da Rocha sabe bem onde encontrá-lo: caminha duas horas à beira-mar, logo que acorda, pela tardinha, e de noite é mais sensato não o procurar; ele dá uso à gaita em todo o lado, de modo que acabará por nos achar. E pedir uma taça de tinto, 'Com uma pedra de gelo, derretida', antes de socorrer os aventureiros de karaoke com os adoráveis arranjos da sua harmónica. O Zé pinta telas de cores festivas e passa a vida em trânsito para com elas ganhar o seu vinho, mas é pela música que o coração lhe bate mais veloz. Não há género musical que iniba o Zé de dar à gaita. Mas nem tudo o inspira. É um animal como nós e também perde a cabeça - sobretudo quando conhece gente mal educada. Para essas pessoas regula o espelho de outra forma. 'Eu não sou agressivo: sou mau', explica, a esse propósito. 'Fico como o Bat(e)man', acrescenta. Hoje, bem dentro dos quarentas, o Zé serve-se da gaita com a mesma destreza com que, há uma dezena de anos, teve de se desembaraçar de um cliente inoportuno num bar que então geria. O espaço era pequeno, e enchia com frequência. Foi o caso, naquela noite. Sete mesas com o suporte embutido na parede pareceu um número especialmente curto. Havia 1,2,3, demasiados clientes à porta, demasiados turistas desesperados por trocar as economias por uma ressaca na praia no dia seguinte, demasiadas carteiras a suplicar por atenção, 'Olhe para mim, chefe, estou gorda que nem uma vaca e quero esvaziar tudo para dentro da sua caixa registadora'.



Uma mesa destacava-se das demais: estava ocupada por um homem sozinho, ou quase - fazia-se acompanhar por uma cerveja morna e triste há quase hora e meia. Atento, o Zé varreu o suor que acumulara na testa com os dedos médio e indicador da mão direita e avançou para o cliente. De forma educada, fez-lhe ver o inconveniente de agir daquela forma - 'Amigo, está a entupir-me o negócio, como vê'. Nem perto esteve de obter a reacção que desejava. O cliente permanecia impávido, como se nada fosse, 'Estou a beber o meu copo', dizia, espreitando o caldo amarelo-morto uma vez conhecido por cerveja. Decidiu então lançar-lhe um ultimato: 'Oh meu grande cabrão, vou ali atrás mijar. É bom que não estejas aqui quando eu voltar'. O Zé arrastou os seus 112 quilos em passada larga rumo à casa de banho, e uma vez lá dentro, esqueceu-se do urinol. Isso sim, fitou-se ao espelho, chapinhou o rosto com água, voltou a encontrar os próprios olhos, escuros de asco, a pedir uma decisão, limpou as mãos ao toalhetes do Lidl que a casa promovia e regressou à mesa do cliente inoportuno, que permanecia de olhar inquieto e discurso afiado onde se sentara há mais de hora e meia. 'Paguei um copo. Daqui não saio'. O Zé insistiu uma última vez: 'O senhor vai ficar?' Ao ouvir a resposta que não queria, flectiu ligeiramente os joelhos, abriu os braços e arrancou a mesa da parede, como o Chief arrancou um lavatório do chão no Voando Sobre um Ninho de Cucos para rebentar um vidro e por ele escapar do hospital psiquiátrico. 'Agora já não tens onde pousar o teu chá meu grande cabrão, rua daqui', ordenou, no tom sereno e cavernoso que lhe define a voz. Conta a lenda - ele, o Zé da Gaita - que o senhor inoportuno apresentou queixa em tribunal. Acrescenta a mesma que não ganhou coisa alguma com isso, apenas o melão olímpico da noite em que teve menos sede do que devia.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sobre o que fazia o Lobo Antunes rir


Ria-me dos médicos bem vestidos, bem alimentados, solenes, comedidos, majestosos, ria-me da sua falsa segurança, do seu falso interesse, da sua falsa ternura, e o riso soava desfigurado e humilde aos meus ouvidos, soava como a queixa dos bois doentes quando se aproximam deles para os matarem, os bois que levantam os olhos moles para o braço que os assassina, numa ternura insuportável. Ria com Ourique ao longe no sossego da tarde, na paz da tarde do Alentejo cheia de rolas bravas e silêncio, ria dos psicanalistas detentores da verdade, a jogarem xadrez na cabeça das pessoas com o seio da mãe e o pénis do pai, e o seio do pai e o pénis da mãe, e o seio do pénis e a mãe do pai, e o peio do seis e o pãe do mai, ria dos que curam homossexuais com diapositivos de rapazes nus e descargas eléctricas, dos que tratam o receio das aranhas com aranhas de arame parecidas com insectos de carnaval, dos que se juntam em círculo para dissertar sobre a angústia e cujas mãos tremem como folhas de olaia, brandidas pela zanga do vento.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Anjos no Atlântico


O Rui da Amadora, que não sou eu, não tem a certeza se caíram 228 anjos no Atlântico. Aliás, lendo o comentário que ele escreveu no Público, ficamos com a ideia de que o Rui da Amadora está certo de muito pouca coisa. Como eu. E a Cristiana. E o Luís Silva. E o Alberto. E o Nélio. E os outros.

01.06.2009 - 23h46 - Rui, Amadora
Estar vivo é uma espécie de milagre, uma lotaria cósmica, o acaso dentro de um acaso, o resultado de quase nada e de quase tudo: Um óvulo e um espermatozóide juntam-se et voilá, sai mais um ser pensante e arrogante que vai mudar o mundo. Uns apanham o avião e morrem, outros não conseguem e sobrevivem. Os que morreram fizeram mal a alguém? Pergunto eu, cheio de moralidades e causas e efeitos e culpa e sentidos para as coisas que não fazem sentido - Fizeram mal? Sim, uns fizeram, outros não, outros não fizeram mas iam fazer. Havia 11 muito maus, 13 mais ou menos, 32 eram muito boas pessoas, os outros ainda estavam a pensar na vida. O bébé não sabe o que lhe aconteceu, nem teve a noção de que alguma vez viveu, os outros gritaram e choraram em desespero. Os que que sobreviveram, os que não apanharam o avião, serão merecedores da vida? São. Não são. Tanto faz. Perguntas ridículas sem resposta. Os cemitérios estão a rebentar pelas costuras de gente porreira, e de gente lixada. Nada faz grande sentido. Parece tudo um filme de terror mas é a nossa realidade de seres frágeis mas arrogantes, seres pensantes mas ignorantes, que ainda não descobriram afinal o que andamos cá a fazer.

Ver o original: aqui

terça-feira, 2 de junho de 2009

É sempre de ouvir em repeat # 31 e 32

Duas abordagens, uma língua.

Cibelle abraçável, das mil e uma cores e sotaque português cantado. Aconchegante. Rasto de boas recordações, também, ou a ideia do que poderiam ter sido. Canta Gil.



XEG anda por aí há uns anos, mas só o conheci há uns dias. Na rádio (L). Liberdade. De pronto fixei, sem precisão: “Êiiiê, eu vou lá’gora complicar, a liberdade é um plano que tu tens de encontrar”. Procurei Shack, Shag (pois), Xeque. Nada. Cheguei lá esta noite por um nick de messenger.



(Lotaria, isto tudo.)