sábado, 13 de junho de 2009

(Eu achava que) a torre da Faculdade de Direito de Coimbra se chamava cabra mas o Ricardo, concordando com o nome, diz que ela é da Universidade

I

Coimbra sente-se. Isso saltou-nos para a espinha logo à chegada, quando o autocarro que nos trazia de Lisboa passou uma ponte acima do Mondego, para depois atacar rampas aparentemente sem fim rumo à praça da República, onde havia encontro marcado com a Carolina, amiga do Pascoal. Coimbra tem o improviso dos carrosséis. A Carolina também. Chegada de Viseu em 2004 para ganhar um canudo em Direito, vive desde então numas águas-furtadas em estilo Taj Mahal, onde é possível experimentar o exotismo de tomar banho sentado ou virar o último grito dos pequenos almoços: oregãos com tosta mista empurrados por um café com leite servido numa chávena de porquinhos. Agora que me lembro, já se adivinhava qualquer coisa do género quando descobrimo-la a saltitar na curva acima retratada, com a velocidade e o sorriso de quem corre por gosto – e de quem, digamos, desce, bem diferente das mil e uma etapas de montanha de categoria especial que nos esperavam nas próximas horas. Por aquela altura, cerca de quatro horas antes de se iniciar o concerto da Mayra Andrade no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), concluimos que, depois da sorte de poder assistir em casa aos programas de horário nobre da SIC, o segundo grau de felicidade consistia em ter uma guia turistica saltitante, e o terceiro em ver a Mayra Andrade ao vivo, dali a quatro horas. Essas contas ficaram baralhadas assim que chegámos ao Taj Mahal para descarregar a escova de dentes. Quiseram os ventos que, em lugar de sermos guiados por uma Carolina, fossemos conduzidos por duas. Equipada com uma Nikon - “não profissional”, lembrar-nos-ia mais tarde, para nosso espanto -, a Carolina que é de Mértola e fez Erasmus em Barcelona foi por nós raptada quando se preparava para uma fuga solitária, em busca da foto perdida. Em época de exames, queria respirar um pouco. Fotografar. Embora estude sociologia e fale como uma socióloga, depois de pensar como outra, a Carolina de Barcelona quer mesmo é ganhar a vida no jornalismo. Fotografando. Fiz-lhe saber que a vida na comunicação social é actualmente o ideal paraíso, ganhando-se o suficiente para viajarmos até Coimbra e de lá regressarmos a planear um assalto a um ninho de gente abastada, como a casa do dono de um banco ou uma igreja. Esta última ideia foi do Pascoal. Herege.

II

“Esta é a Faculdade de Medicina. À direita vai aparecer a de Letras. E ali ao fundo está a cabra com a bandeira. Chamamos-lhe cabra, à torre. É ali que temos aulas. Às vezes os turistas entram quando estamos a fazer exames.”


“Esta é a casa do Zeca. Ali ao lado, naqueles degraus, começa o quebra-costas. Já vão perceber porquê. Aqui em frente, nas escadas da Sé velha, há um spot clássico de fumos. Se ele também as fumou? Provavelmente.”


- (Às 17:30) Diz aqui que o jardim botânico fecha às 17:30.
- Não é às 20h?
- Podemos sempre fazer como naquele filme [Band à Part] do Godard em que se quebra o recorde mundial da volta mais rápida ao Louvre.
- Boa ideia. Mas não nos vão expulsar de certeza, olha ali criancinhas. Ninguém expulsa criancinhas.

III

Foi com alguma tristeza que, chegando à porta do Quim dos Ossos, para ali jantarmos, demos com ela fechada. O espaço tinha sido elevado por meio mundo à qualidade de cozinha de mãe, pelo que ficámos na expectativa, primeiro, e permanecemos na ignorância, depois: será o mito verdade? Em todo o caso, pouco se perdeu. Exactamente ao lado, outro café nos recebeu com o aprumo que se antevia no vizinho. Moelas, bitoque, alheira, tudo devidamente guarnecido e regado com um tinto Quinta de Cabriz do Dão que se concorresse às europeias eu votava nele. Mais queijinho e pão de entrada. Mais café. Uma amêndoa para cobrir. Tudo de lamber. Sete euros e meio. Não o disse, porque estava satisfeito, mas ocorreu-me a ideia de jantar de novo. Porém, o concerto da Mayra Andrade esperava os rapazes e os livros esperavam as meninas, o que forçou uma separação de duas horas. Até já Carolinas, bom estudo. Beijinhos, bom concerto.

IV

Coimbra tem o improviso dos carrosséis. Pode sempre surgir uma curva inesperada. Em cada esquina um estudante. Em cada esquina um amigo. Em cada mesa um copo. Ou vinte. Foi isso que percebemos ao chegar junto da Carolina do Tibete (destino de sonho dela) e da Carolina de Barcelona, depois de um concerto de encantar, com a Mayra dos cabelos longos agora a expor o rosto de miúda com os cabelos curtos, e a encantar o público do TAGV com a sua voz de diva precoce, e alma cheia, e África a cada gesto. Apresentou Stória, Stória..., o novo disco, ouviu piropos que retribuiu com sorrisos, teve uma claque muito especial de Cabo Verde, perguntou pela Ilha de Fogo e despediu-se com um solo “a cappella” que precipitou soluços e aplausos de pé. Vamos ter com elas, coitadas, a estudar no Tropical enquanto nos deliciámos aqui com uma das vozes mais bonitas que se ouvem por aí. O resto da noite, que passou pelo bar da associação, pelas faces coradas da Vanessa, pela lingua afiada da Filipa, pelo sotaque imbatível da Diana luso-venezuela e pelo Noites Longas, verdadeira bandeira nocturna da democracia, de onde o Dj sai intacto ainda que passe Morrissey e Europe num espaço de dez minutos, explicou que a cidade de Coimbra tem uma forma muito própria de estudar. Até de manhã. E de receber as pessoas. A saltitar.

3 comentários:

R Saleiro disse...

Só li o título e já encontrei motivo para comentar. A Torre é da Universidade, não é da Faculdade de Direito. Também tu Judas?

R Saleiro disse...

Universidade de Direito... onde já se viu? É verdade que a história as confunde, mas vamos com calma. Quem passa pela FDUC (e eu tb lá andei) já anda o suficiente de nariz empinado, não venhas tu tb alimentar-lhes o ego.

zeperdi disse...

"No meu primeiro ano de Direito em Jornalismo..." :)