
Uma mesa destacava-se das demais: estava ocupada por um homem sozinho, ou quase - fazia-se acompanhar por uma cerveja morna e triste há quase hora e meia. Atento, o Zé varreu o suor que acumulara na testa com os dedos médio e indicador da mão direita e avançou para o cliente. De forma educada, fez-lhe ver o inconveniente de agir daquela forma - 'Amigo, está a entupir-me o negócio, como vê'. Nem perto esteve de obter a reacção que desejava. O cliente permanecia impávido, como se nada fosse, 'Estou a beber o meu copo', dizia, espreitando o caldo amarelo-morto uma vez conhecido por cerveja. Decidiu então lançar-lhe um ultimato: 'Oh meu grande cabrão, vou ali atrás mijar. É bom que não estejas aqui quando eu voltar'. O Zé arrastou os seus 112 quilos em passada larga rumo à casa de banho, e uma vez lá dentro, esqueceu-se do urinol. Isso sim, fitou-se ao espelho, chapinhou o rosto com água, voltou a encontrar os próprios olhos, escuros de asco, a pedir uma decisão, limpou as mãos ao toalhetes do Lidl que a casa promovia e regressou à mesa do cliente inoportuno, que permanecia de olhar inquieto e discurso afiado onde se sentara há mais de hora e meia. 'Paguei um copo. Daqui não saio'. O Zé insistiu uma última vez: 'O senhor vai ficar?' Ao ouvir a resposta que não queria, flectiu ligeiramente os joelhos, abriu os braços e arrancou a mesa da parede, como o Chief arrancou um lavatório do chão no Voando Sobre um Ninho de Cucos para rebentar um vidro e por ele escapar do hospital psiquiátrico. 'Agora já não tens onde pousar o teu chá meu grande cabrão, rua daqui', ordenou, no tom sereno e cavernoso que lhe define a voz. Conta a lenda - ele, o Zé da Gaita - que o senhor inoportuno apresentou queixa em tribunal. Acrescenta a mesma que não ganhou coisa alguma com isso, apenas o melão olímpico da noite em que teve menos sede do que devia.
1 comentário:
belo texto
abraço
Enviar um comentário