"The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars." J. Kerouac
Apenas destaco aqui a ‘Nowhere Man’ do Rubber Soul (1965) porque é uma das mais importantes. Se o Revolver (1966) é o disco em que os Beatles abandonam o 'yeah, yeah' da adolescência para se tornarem numa banda de estúdio e reinventarem a música, o Rubber Soul é aquele onde sopram os primeiros ventos de mudança. Na 'Norwegian Wood (This bird has flown)', por exemplo, onde o Harrison introduz pela primeira vez um instrumento indiano (sitar) numa canção pop, ou nesta 'Nowhere Man', pela abordagem filosófica - o John Lennon gatinhava para o surrealismo.
"Since I Left You" (2000) soa àquelas paixonetas de Verão com prazo de validade, 15 dias, menos, que acabaram sem ter tido tempo para o erro, que até hoje vimos crescer dentro de nós como então eram, perfeitas. 18 meses a ouvir e a misturar de 1000 a 3500 samples – já encontrei por aí referências a ambos os números - entre mais de 100 discos resultou numa espécie de banda sonora de infância condensada em 18 faixas intensas, sorridentes, prodigiosas e, talvez mais importante, dado tratar-se de samples, únicas. Autores: The Avalanches, australianos que de tanto amor por lojas de vinis em segunda mão fizeram algo, redireccionaram energia, lançaram um disco. Foi há dez anos. Foi o primeiro. Seria também o último, até ver. Percebe-se o dilema: que se segue à perfeição? Neste caso, tanto quanto percebo, já que nunca ouvi falar dele até há poucos dias, assiste-se ao lento crescimento do melhor álbum praticamente desconhecido que já ouvi.
'jovens saíram à rua contra a idade da reforma (e havia ganza)'
Sofremos com a vulgaridade dos tempos. Não há causas fixes pelas quais lutar. Até a guerra que tivemos foi fria. Uma seca. Aos jovens que por estes dias dominam as manifestações em França contra o governo liderado pelo marido da senhora bruni resta contestar desemprego e precariedade, temas chatos, e fazem-no porque fica bem, não que se trate de um problema que os atinja - a PS3 não escapa -, mas porque consta que a malta saiu ali à rua no Maio de 68 e um dia podem estes ser lembrados por fazer o mesmo. Só fica bem. E uns dias sem aulas é um espectáculo. Lembro-me bem disso.
'intervalo na revolução'
Basta ver as expressões dos jovens nas fotografias que têm saído na imprensa internacional, as expressões dos estudantes preocupadíssimos com o aumento em dois anos da idade da reforma, as expressões e a postura dos jovens junto de carros tombados e a arder e de vidros partidos de lojas de malas e simpatias de espelho. Obviamente que não me refiro a quem verdadeiramente sofre na pele já de crocodilo com esta decisão do governo liderado pelo marido da senhora bruni, não me refiro a quem pensou e tornou possível a greve geral sem imaginar que a mesma se iria tornar numa janela de oportunidade para que animaizinhos sem jaula vandalizassem a ideia que lhe deu razão de ser. Mas os animaizinhos, esses, não me ganhavam nem com tortura de cebola junto aos olhos.
A New Musical Express foi para a rua e convidou vários músicos de bandas britânicas a cuspir a respectiva música favorita dos Radiohead. Por maioria de consenso ganhou a ‘Everything in it’s Right Place’. Fã herege que sou, discordo; reconheço que gosto mais hoje do Kid A do que ontem, e provavelmente mais amanhã do que hoje, mas estou longe de achar que foi a melhor coisa que eles deitaram ao mundo, tal como esse tema desse álbum. Em baixo estampo a reduzida lista das minhas favoritas - uma decente deveria levar 30 ou 40, e não 10, mas amanhã é dia de trabalho -, depois de um fim de semana inteiro a ouvir a discografia (vá, uns 80%) do quinteto, e o mesmo é dizer que neste momento precisava assim de uns 15 dias regados a rum numa praia caribenha para recuperar de tanta tristeza cantada.
10. Stop Whispering, Pablo Honey (1993)
O jovem Thom quer fazer-se ouvir, quer que o deixem ser, está a começar a sentir-se incomodado com a chatice na qual uma vida de adulto se pode tornar. Aparentemente simples, esta canção do álbum de estreia tem muito menos eco do que merece: não só pela irónica descrição da fragilidade emocional que empurra jovens como ele, o que nos dá uma pista segura de que como virá a tornar-se num compositor do caneco,
Dear Sir, I have a complaint
Can't remember what it is
It doesn't matter anyway It doesn't matter anyway
como pela deriva instrumental que encerra o tema, mais experimental, mais noise, mais próxima do que viria a ser a interminável descoberta dos Radiohead pela novidade em tudo o que lhes soe a música, aquilo que nestas quase duas décadas os demarcou do grande rebanho do rock, pop, electrónica e ferrinhos - instrumento que termina o disco de onde vem a música aí em baixo.
9. Let Down, Ok Computer (1997)
Linda, dé! Adoro a sensação de fim ali a meio e ah! afinal ainda há mais.
8. Lucky, Ok Computer (1997)
Há sempre uma mensagem a retirar das letras dos Radiohead. Mais ou menos acessível, mais ou menos codificada, ela está lá, mas raramente nos puxa pela manga da camisa, suplicando a mesma atenção que a melodia. Não. Como outros temas, Lucky observa-nos de longe, quieta. Misturada na multidão, limita-se a abanar o rabo. Só depende de nós ir atrás para ver no que dá. Neste caso, ambicioso riff do Johnny Greenwood ali no refrão à parte, parece-me haver por aqui uma ode à possibilidade de o homem afinal triunfar sobre a máquina, de que nem tudo está perdido. Num dia bom, acreditará que a sua vontade vai prevalecer. Num dia bom há uma saída. Mas como em grande parte das canções dos Radiohead, no fim recebemos um aviso - 'despachem-se, é mais tarde do que pensamos', ou, neste caso, "we are standing on the edge.."
7. The Tourist, Ok Computer (1997)
A velocidade que nos impõem. Casa, metro, trabalho, noitada para esquecer, ressaca para lembrar, casa, metro, trabalho, reforma, cama, sepultura. Já foi, já passou. Parece que é só isto. Mas enquanto por cá andarmos haverá sempre a música que encerra o Ok Computer como resposta. Nesta versão quem vemos chorar é o intenso Thom, mas, se estivermos atentos à forma como atacou o solo final, o Johnny Greenwood não deve estar melhor por dentro - afinal de contas foi ele quem escreveu isto.
6. How to Disappear Completely, Kid A (2000)
O Thom Yorke a agonizar com um microfone pela frente, em negação, a tentar convencer-se de que consegue despistar os demónios que o perseguem, que consegue estar e está noutro lado, em paz, melhor, não ali, não assim: é a isto que soa o pânico em câmara lenta, assim grita um génio entristecido. Tenho para mim que é uma das canções mais representativas do que é ser Thom Yorke, e ele também - já pediu para um dia ser lembrado por esta música, se por uma tiver de o ser.
5. Black Star, The Bends (1995)
Gosto de melodias. O jazz, por exemplo: sou fã, sobretudo daquele vertiginoso que dispensa a voz, mas não vou à bola com tudo. Preciso de alguma harmonia; alguma melodia, mesmo que pouca. Na Black Star, mesmo que a história dos amantes que se separam devido à má fortuna, nunca devido a erros pessoais - isso nunca, isso não existe, isso não existe, isso não existe - já me tivesse apanhado, a melodia é tão conseguida, tão fácil de se gostar, que, enfim, é isso, gosta-se. Muito.
4. The Bends, The Bends (1995)
A canção inteira à espera de uma explosão que ameaça mas não aparece, e quando ela chega, aqui num ataque a três guitarras e um baixo, trata-se de um dos momentos mais gloriosos que conheci dos Radiohead quando o Thom enche o peito e anuncia ao mundo "I wanna live/ breathe/ I wanna be a part of the human race!". Se instrumentalmente é intocável, a canção alterna entre o seminal e o razoável ao nível da escrita, e assim explico o motivo pelo qual é possível encontrar músicas aqui por baixo desta - no sentido de que portanto estão acima, bem entendido.
3. Street Spirit (Fade Out), The Bends (1995)
À medida que esta lista avança, torna-se cada vez mais difícil explicar porque motivo trocaria este tema por aquele, ou não. Humm.. ou não. Street Spirit (Fade Out) embaraça-me, faz-me sentir vergonha por não passar de um mero humano, movido a necessidade básicas, ao contrário deste colectivo munido de poderes mágicos. Aqui se faz o elogio de uma voz fabulosa como aquela que o Thom Yorke tem, um falsete tão perfeito que ao próprio irrita. Só o Jeff Buckley lamenta igual. (Vai daí talvez melhor). Numa canção que se for sobre o que parece é sobre morte, em pleno Glastonbury, o Thom Yorke, infeliz oráculo de boas intenções, aconselha-nos "Immerse your soul in love!" e despede-se da forma mais acriançadamente feliz que algum dia pude testemunhar. Eu, que nunca o vi nem ouvi. This fake plastic fan.
2. National Anthem, Kid A (2000)
Radiohead, o mais diabólico dos baixos, a mais nervosa das baterias, free-jazz? Este é o meu hino nacional.
1. Fake Plastic Trees, The Bends (1995)
Tudo o que os Radiohead têm de bom, comprimido numa balada quiet-loud sobre este mundo de faz de conta em que se assume a impossibilidade de o compreender e, braços em baixo perante a pessoa por quem largaríamos tudo, se diz coisas como "If I could be who you wanted, all the time, all the time".
Se estiver a tirar formação pela empresa durante o horário laboral, sem porém o cobrir na totalidade, se isso implicar que tenha de sair de Lisboa a partir das 18:30 rumo a Carnaxide sobre quatro rodas, se chegar ao trabalho uma hora depois, pára-arranca, pára-arranca, pára-arranca, inferno, inferno, inferno e tiver pela frente duas horas e meia para esfolar os dedos no teclado, ou o teclado com os dedos, se souber disso e optar por trabalhar quatro horas, regressando a casa ao bater da meia noite, se, na procura de estacionamento, ignorar um lugar relativamente longe da minha rua e cinco segundos depois investir numa marcha-atrás suicida porque mudei de ideias, se fizer isso e estacionar o carro na dita vaga e demorar-me a meter os espelhos para dentro e regressar vagarosamente e reparar que ao longe se detém um carro num cruzamento com duas miúdas sorridentes lá dentro, se me aproximar e, espanto, constatar que ao volante vem ela, ladeada pela melhor amiga, se isto acontecer no exacto cruzamento onde há cerca de um ano pensei tê-la visto, também ao volante, também de quatro piscas ligados, mas no sentido inverso do trânsito, coisa que entretanto me negou sem contudo me ter convencido, se caminhar rumo àquele preciso cruzamento, naquela precisa hora, sem ter sequer jantado, e se depois me perder no tempo e em tudo o que a distância esconde e é preciso descobrir, se isto não abalar estruturas, que raio o fará?
A baixinha de lírio no cabelo que me convidou para um passeio perto do sossego cinco minutos depois de me pedir que lhe tirasse uma fotografia é demasiado parecida com a irmã mais velha de uma amiga da faculdade a quem um dia sugeri uma viagem de balão, percebi ou decidi há bocado, uma destas. À macaca com a memória depreendo que, sobre isto, sendo irmãs, uma não saiba da outra, até porque na faculdade a mais nova tinha namorado militar, coisa que a minha moça não era, militar, mas podia. O pudor da manhã seguinte, versão família.
A ser verdade o que de repente se me chega como tal.
Vinte e quatro horas em cima disso, nas proximidades, onde a violência menos ameaça a noite, percebi que conheço três morenas muito parecidas. Tenho por hábito confundir todas elas, especialmente quando escurece em redor das coisas. A mais velha foi minha professora na altura em que o marido era meu treinador de futebol. Lamentavelmente já se separaram e nos últimos tempos o meu ex-treinador passou a companheiro ocasional de copos. Nos desencontros da noite, receio que a minha ex-professora, cada vez menos obediente à curta rédea da dúvida, possa vir a torná-lo num problema de tamanho, digamos, familiar.
Prometi-me juízo.
A mais nova voltou a apanhar-me na idade esta semana. Ontem caminhava na minha direcção. Aos S. Anda cá. Recebo-a nos braços. Toma lá disto, chuack, dois beijos e parabéns com atraso. Como de costume nas noites em que já vê pouco e só se ouve a si própria, fez por ter a atenção de quem por ali estava, sobretudo das amigas: agarrando nas mamas à segunda tentativa, abanou-as e exclamou com orgulho, “27, 13 e meio cada uma!”. Nunca lhe faltou esperteza. Já a morena do meio, em cujo ombro ontem julgava ter tocado – era o da mais velha -, mostra as sardas mais bonitas e aquela serenidade boa de mãe. Evoca-me o último tango em paris. Não faço ideia porquê. Mas agora que penso nisso ela é mais ruiva do que outra coisa. E a morena dos 13,5 + 13,5 também pintou o cabelo há pouco tempo, ficou igualmente ruiva por opção. E se confundi o ombro da morena mais velha com o ombro da morena do meio, se já escurecera em redor das coisas quando isso aconteceu, quem me garante que não lhe tenha confundido a cor do cabelo?
Arrastado para os sonhos, tento manipulá-los, dar-lhes a volta, esquecer que o recomeço cansa.
Se o álbum Teen Dream (2010), dos Beach House, fosse uma lingua, seria a francesa: bela e triste. Um sufoco. É uma percepção que se ganha e fica. Aconteceu comigo, de Janeiro a Outubro. Ainda não é tempo de avançar com listas de favoritos mas...