terça-feira, 31 de maio de 2011

marcação cerrada a Deus



A Árvore da Vida é um filme-montanha. Longo, imenso, disperso. Não é fácil recebê-lo, percebendo-o – não, pelo menos, à luz da maior parte das coisas que já vimos no cinema. Não é para todos. Tem o Brad Pitt, que é um actor formidável, tem uma tal de Jessica Chastain, (convincente) mãe perfeita, tem uns putos e o Sean Penn. Não percebo que raio está o Sean Penn ali a fazer, e decerto ele próprio terá batido mal da tola a tentar compreender o motivo pelo qual entrava no filme até ter visto o puzzle do Malick já montado. “Sean, anda aí feito maluco a olhar para o céu”. “Sean, faz um ar confuso”. “Sean, caminha sem direcção”. (É preciso confiar nos loucos. Well done, Sean). A Árvore da Vida é um filme complicado. Há dinossauros e Brahms. É uma tempestade sensorial. É o sonho americano e dos outros, de nós. É o elogio de todas as coisas. É origem e fim numa marcação cerrada a Deus, confrontado e questionado do primeiro ao último fotograma. Nos créditos finais senti necessidade de gostar do que tinha visto, por muitas vezes que tivesse espreitado o relógio durante aquelas duas horas e meia - é uma sensação que vem crescendo, esta necessidade. A Árvore da Vida pisa o risco. Ultrapassa-o. É de um realizador genuinamente autor, um que não tem receio de ser diferente, porque enorme. É um filme que a espaços ultrapassa a nossa paciência mas deixa margem para o regresso ao bom gosto. E o remate da "história" é de muito bom gosto. E o que é o bom gosto? Coisa que se sente, não se explica.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um dia destes ponho os patins ao facebook

Ao ritmo de dez posts por dia, B.D entristeceu às três de uma manhã. B.D “em baixo”, lia-se. Ao que parece alimentava - e queria que nós, amigos virtuais, o soubessemos - a vontade de desaparecer completamente à boleia dos Radiohead. Esse foi o último post do dia – já o penúltimo, a fonte da posterior solidão, dizia, “Bem... Eu já cá venho.”  Pouco faltava para as duas da manhã. É possível que B.D tenha papado episódios daquelas séries que toda a gente saca e chega a ver temporadas inteiras num dia, que entusiasmo do caralho. Depois apercebeu-se de que era tempo de voltar a sentir-se alguém. Uma hora e onze minutos chegava mais do que o suficiente para que se lembrassem dele. Quantas novidades teria? Fez login no facebook. Please wait.. Nada. Ninguém gostou ou sequer se importou o suficiente para frisar que não gostava do regresso dele à actividade online. F5 F5 F5 F5 F5 F5 F5 F5 F5 F5 F5. Zero. Sinais nenhuns do avisozinho vermelho com a chegada da novidade. Um comentário e dois ou três likes seriam o mínimo da decência. Mas não: nenhum interesse no B.D. Cruel. Ofensivo. B.D sentiu-se exposto. Só. Num bom dia B.D conseguiria ter eco de quase todos os seus posts, inclusive de meninas. Sentia ser algo que lhe validava a condição. Mas assim não. Naquela noite B.D ficou sozinho na mesa – foi o único a quem ninguém puxou para dançar. F5 F5 F5 F5 F5. Tudo parado, igual. “Não estou aqui, isto não está a acontecer”, pensou, lembrando-se do Thom Yorke. “B.D em baixo”. Tenho pena dele.

terça-feira, 24 de maio de 2011

"Não é amor, são só manchas nas minhas calças"

Os Amantes, René Margritte (1928)
Percebeu que iria ficar sozinho no dia em que descobriu que ela não sabia rir, e sentiu um alivio de morte. Chegou-lhe na surpresa de uma porta na cara: viciara-se na ideia de estar só. Por ela, a ideia, deixou-se consumir. Quando deu conta já era tarde de mais. Há muito que procurava uma saída de emergência, e, enfim, encontrara-a. Deixaria de a contactar, de responder a convites, de frequentar os mesmos locais. Agora sabia-o. Apagaria todos os vestígios daquela hora diária de cama, daquela furiosa e desonrada hora diária de cama, miserável excitação irrepetível, prazer e mentiras e despudor e culpa. Num verbo: partir. Nisto, regressou a si próprio. Era, a partir dali, novamente só.

sábado, 21 de maio de 2011

Um bom título não chega pá


Apetece-me dizer que o Vasco Câmara me enganou, eu que tanto confio no potencial de um filme que, de zero a cinco, dele mereça duas, uma (foi o caso) ou estrela nenhuma. Também gostava de acusar o miudo (23 anitos) realizador (Xavier Dolan) de ter visto quatro ou cinco DVD do Wong Kar-wai e decidido “fazer qualquer coisa do género”, dizer que se pede mais a um suposto géniozinho do que ter um par de ideias fixas  – pára de bochechar tabasco, rui! - e que a mensagem do filme é esta: tudo o que temos se resume a acrobacias na cama, porque, amor, só imaginado. Ou então sou só eu a ser mauzinho – eu e a minha alergia à cópiazinha fácil, ainda para mais quando feita a um dos meus filmes favoritos. Rsrsrsrs.




quarta-feira, 18 de maio de 2011

Em Portugal já ninguém compra discos, pá!, o tuga grama é música estrangeira, portuguesa só a sacar da net, pá!, não se apoia o que é português, não se gosta do que é nosso, pá!


Um robalo e quatro cervejas depois, eu e um amigo, que poderia até ser talhante mas passa por ser camarada jornalista, chegamos à porta do Musicbox, meia hora antes de começar o concerto d’Os Velhos. Preço: dez euros; prémio: espectáculo musical e novo disco da banda. Chego-me à frente.

- Olá.

- (Segurança do Musicbox) Boa noite, que desejam?

- Viemos ao concerto.

- Esgotou.

- Esgotou?!

- Esgotou.

- Esgotou quando?!

- (Badameco da organização antecipa-se) Esgotou esta tarde.

Aproximam-se duas miudas giras. Chegam à porta de entrada e a conversa repete-se. Entristecem, mas deixam-se ficar por ali, junto ao segurança e ao badameco. Uma das miudas suspira e enrola as pontas do cabelo com a ajuda do indicador, uma e outra vez; a outra está impaciente e faz sinais difusos. Tento processar que tipo de mensagem transmite mas faltam-me códigos e leituras. Já afastados da fila, eu e o meu amigo avaliávamos as nossas opções. Compreendemos que não as tinhamos. Nada a fazer: não há contactos. "Vamos subir para a bica." Quem não arredava as ancas dali eram as miudas giras. Continuámos atentos às movimentações. Uns minutos. A dada altura desistimos. Bica. Um, cinco, dez, vinte metros à frente dou um toque no ombro do meu amigo e sugiro-lhe que se vire e note até que ponto as miudas ainda estão onde estavam, se tudo estava como esteve.

- (O meu amigo) Não as vejo.

terça-feira, 10 de maio de 2011

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Come together

O Yann Tiersen é o príncipe das quase trevas, do outono, da beleza oculta, da falta de ar, do interior, do cansaço, de uma qualquer era perdida, e põe-te a cantar ‘fuck me fuck me fuck me, make me come again’ como se fosse ‘la-di-da’. E eu não fui ao LX Factory - estou a tornar-me especialista em falhar concertos de gente que amo. Mas tenho um emprego novo. Ar fresco. E ontem a São José Correia quase me roubou o casaco no Lounge. E uma miuda mostrou as mamas na pista de dança do Roterdão. É disto que o meu povo gosta.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Há coisas que nunca mudam


Cada um é de onde vem e na forma de quem o rodeia. Nada tenho contra a malta que se identifica com o Inverno, que não resiste a um bom dia de ossos a tremer, roupa encharcada e pele amarela, mas eu cá gosto é de ter os pés bem assentes na areia e num ameaço de espuma ver as ondas morrer aos pés de gente escurecida pelo rei sol, com rugas de expressão e sem pressa, eu é mais tirar o salitre do corpo, caracóis e cerveja gelada ao fim do dia, demorar-me no regresso a casa - "vamos a pé?" - e chegar com o cheiro de peixe fresco a virar na grelha, ouvir o canto estridente dos grilos em noites brancas de jantar na rua e viver paixões destinadas a acabar estateladas contra as rochas. É isso que eu quero. Sou.