terça-feira, 13 de novembro de 2012

O patrão é amigo

Saio do trabalho e passo pela cervejaria da ordem antes de ir jantar a casa. Outros tempos - ao patrão faz-lhe quase tanta falta um bom caixa como a companhia após um longo dia de trabalho, mas é amigo e percebe o porquê de me ver cada vez menos, eu e outros. Sento-me ao balcão e peço uma cerveja. A casa está composta, observo, óptimo. Abro o jornal e troco ideias com a filha do patrão ao mesmo tempo que um cliente da casa que tem sempre mais vontade de falar do que coisas para dizer aborda os problemas do país. Oiço-o elogiar um antigo primeiro-ministro de Portugal (Santana Lopes), maldizer aqueles que não gostam da atual (Angela Merkel) e, já abandonado pelo casal que com ele jantara, declarar que a culpa disto tudo é do 25 de Abril. "Não devíamos ter entregue as colónias. Agora anda por aí a filha do Eduardo dos Santos a construir coisas, não é? Se fosse eu metia os pretos todos num monte e regav..."

Interrompo-o: "Homem, você só diz disparates."

O cliente da casa abre os olhos, chocado. "Calado, eu? Estou a dizer alguma mentira? Que disse eu de mal?", questiona-me, inquieto. Fito-o um par de segundos: percebo a inutilidade de lhe responder. Reabro o jornal. Ignoro-o. O cliente da casa amua e vira-me as costas. Finge dar atenção ao futebol na televisão. Há pessoas a sair da cervejaria. O patrão faz de patrão e entra na conversa. "Sabem uma coisa boa que o anterior governo fez? Desceu o 115 para 112." O ambiente está mais sereno, menos pela piada do que pelo saída de pessoas. O cliente da casa vira-se para mim feito cão sem dono e insiste: "Diga lá, sr. Rui, que disse eu de errado?"

Continuo a ignorá-lo, mas o homem não desarma, parece ter perdido a memória. "Diga lá que agora quero saber!"

Dou-lhe uma segunda hipótese. "Que há de ser? Aquilo de juntar pessoas e regá-las, acha que isso é coisa que se diga?"

Responde-me: "Ah, isso?! Mas é alguma mentira? Por mim era tudo junto, guineenses, cabo-verdianos e..." - e nada, que não lhe deixei acabar. Disse-lhe: "Oiça, não temos nada a falar, não quero saber do que você tem para dizer." Paguei a cerveja, "boa noite" para quem quisesse ouvir e saí atrás do último grupo de pessoas que deixava a cervejaria. 

O cliente da casa ficou sozinho. 
Lamento pelo patrão, mas ele percebe. É amigo.

2 comentários:

Cat disse...

E há muito disparate destes por aí, de todos os lados de muitas barricadas. É arrepiante.

Rui Coelho disse...

A merda da crise é uma grande oportunidade para estes bichos saírem da toca, é preciso estar atento.