quarta-feira, 19 de agosto de 2009

1692

A maresia cumpre com nota máxima o seu papel de despertador mais eficaz de Portimão. Diferente de outras cidades, onde este odor é elogiado - 'ah!, o cheiro a maresia'.. -, na minha tem o fedor acumulado de casca de banana a viver há quatro dias num cestinho do lixo com aquele que deve emanar dos cadáveres em decomposição. Na madrugada de 13 de Agosto anunciou-se pelas janelas abertas da cidade antes da alvorada, pilhando o sono a quem ainda o procurava ou, verdadeiramente, nunca o teve. Para o que esta história interessa, eu, menino, que nunca prego olho antes de viajar a menos que me canse à séria, entro no grupo dos primeiros. Do meu quarto, na minha cama, revirando-me numa noite de calor demoníaco, cheirou-me a ataque químico. Um exagero sem explicação, à medida de tudo o que por ali mexe em Agosto. Como hoje a conheço, a maresia de Portimão pode muito bem justificar o temperamento neolítico dos que por estes dias chegam à cidade. É um fedor de enlouquecer, que não se pode, e que me dá ideias sobre uma chegada a Nápoles depois de ler o Gomorra, do Roberto Saviano. Como tenho por hábito fugir da cidade nesta altura do ano - faço-o desde 2006 -, encurtei as minhas férias em família e apontei para norte. Horas antes, na minha última refeição das férias em Portimão, jantei num refúgio ali a uns 20 quilómetros serra dentro. Paragem: Caldas de Monchique. A resposta ideal para quem chega ao Algarve em busca de sossego. Era o meu caso, depois de 12 noites e poucos dias. Situadas no coração da serra, a cinco quilómetros de Monchique, as Caldas são a única estância termal do Algarve. Ali o cheiro é outro: vegetação, ar puro. Diz-se que por ali mora a maior magnólia da Europa, e eu, claro, esqueço-me sempre de a procurar. Come-se, bebe-se e paga-se bem no restaurante 1692, que deve o nome aos primeiros registos de utilização pública daquela água termal. Quando o tempo ajuda é na esplanada que se deve jantar. De entrada atropelámos um queijinho amanteigado daqueles que só na serra. De saída foi à bruta: pão com chouriço caseiro, genuíno. Dá-se o caso de que, em certas casas, não demasiadas, o pão com chouriço tem mesmo chouriço. E sabe a chouriço. Pelo meio demorei-me num bife à portuguesa que me esqueci de fotografar, e para o empurrar socorri-me de um Quintas do Douro, very white, de 2007. No fim uma amêndoa amarga - sem limão, por favor, que eu gosto mesmo é de como a amêndoa sabe. Para o fim, a cereja: sessão de cinema ao ar livre - é a lei às quartas-feiras (quartas-feiras ou quarta-feiras?) de tempo simpático. Desta vez passou o Vicky Cristina Barcelona, do Woody Allen, a partir das 21:30. Houve quem, acto contínuo, travasse a sua refeição a meio para assistir ao filme. Podiam atrasar a projecção uma meia horita, rendia mais, digo eu. Bottom line: recomendadíssimo.

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