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Os mapas do (da?) Google não enganam: Carnaxide-Meco faz-se em pouco mais de 40 km, em cerca de 40 minutos, e não em quatro horas. Esfreguei os olhos – “agora sem mãos!” – quando por volta das 18:00 vi a caravana começar a formar-se logo na primeira rampa à saída da ponte 25 de Abril e só uma hora depois consegui chegar à primeira estação de serviço, onde me esperava o meu amigo P. No recinto encontraria 14 274 pessoas do meu enevoado círculo de conhecimentos, mas o P. foi ‘o’ companheiro de festival. Não se pode dizer que aquela confusão seja exactamente a praia dele, ou o pó, mas o P. portou-se bem. Todo o respeito. Dá-se então o caso de que já ia a bufar e antecipando que falharia os Walkmen tomei providências na estação de modo a tornar a viagem suportável: “Boa tarde, são estas bolachas Maria e duas dessas garrafinhas de Grant’s aí escondidas que eu bem vejo."
Procurando energias positivas, lembrei-me que era para este tipo de coisas que a Antena 3 estava a cobrir o festival e por isso estive atento ao que se passava. Ouvi o concerto de Sean Riley and the Slow Riders, a entrevista aos Walkmen e três temas deles, New Year incluída. Ao pôr-do-sol entrei na estrada do Meco, um pequeno paraíso verdejante que tem virado inferno três dias por ano. Por falar em virar, achei por bem fazer isso mesmo a um terço de uma garrafinha de Grant’s e morder umas Maria’s. Só para abrir o apetite. Tame Impala esperavam por nós. A vida voltava a ficar mais bela. Campos de morangos para sempre.
Estacionámos os carros num parque escondido na última curva antes do recinto, a cerca de um quilómetro de distância. Evitávamos o abundante pó dos parques principais e a confusão de partidas e chegadas. Joinha. Na subida para o recinto juntámo-nos ao Huguinho e à Sílvia, que acabavam de chegar. Vinham amarelos, coitados, tinham passado pelo mesmo, um ou dois quilómetros lá para trás. Teríamos ficado com eles mas a meio caminho a Silvia esqueceu-se de algo no carro e praticamente já não os voltei a ver, excepção a um brinde-relâmpago feito na zona de restauração. O Huguinho e a Sílvia casam ainda este ano (L).
Pulseira colocada e seguimos para Tame Impala, banda que viaja pelas coloridas estradas do psicadelismo rockeiro e cuja voz do líder é demasiado parecida à do John Lennon. Ou assim parece em estúdio – eu cá não dei por nada ouvindo o bicho ali ao pé.
Depois de me encontrar com a Filipa e a Pat na sala de imprensa, na qual jantei filetes de pescada e um hamburguer em miniatura e mais filetes de pescada, corri para o primeiro grande momento do festival. Pelo menos um dos mais aguardados. Beirut.
Vou tentar não me alongar muito em explicar o quanto aquilo me desiludiu. Onde estava o ambiente de festa cigana na tenda do Sudoeste há um ano, na estreia em Portugal? Porque raio não se ouvia os instrumentos e mal dava para decifrar o que o sonolento Zach dizia? Qual a piada de desacelerar os temas num festival cujo mote é o rock (e este pelo menos tem-no, ao invés do “... In Rio”, como diz a doce Ana R.)? Que espécie de festivaleiros eram aqueles, incapazes de fechar a puta da matraca – grupos de espanhóis... – ao invés de se envolverem com o que do palco se fazia? Foi terrível, tão fraquinho que me lembro com mais detalhe de ter conhecido a sósia da Lúcia Moniz, menina do Porto que aterrara no planeta Meco numa nave espacial disfarçada de auto-caravana, do que propriamente do concerto. Ali perto a Pat bem se chegava à frente, esboçando sorrisos na direcção de todos para se auto-convencer de que estava a ser feliz, como na Zambujeira do Mar. Não foi. Não fomos. Adiante.
Seria de bom tom ter visto o Nicholas Jaar, esse prodígio da música electrónica para a cabeça, mas encontros imediatos com a Marta Tarré e amigas, minutos perdidos nas filas para a cerveja e idas à casa de banho acabaram por me fazer esquecer do rapaz. A tenda electrónica foi dele, soube depois. Mas eu próprio ainda seria feliz ali mesmo, naquela madrugada.
No palco principal era tempo de os Arctic Mmmmonsters demonstrarem até que ponto são uma banda fodida. Classe. Menos nível tive eu na Brianstorm - algures para trás de mim fiz voar quase meio litro de cerveja mais ou menos quando a música arranca, isto para revolta do povo ao meu lado: tudo molhado que nem pintos sem se aperceberem de quem lhes tinha aberto a torneira amarela em cima. “Quem foi o gajo foda-se?!, quem foi?!”, ouvi questionar o pinto do meu lado, encolhendo os meus ombros enquanto cantava “Bryan, top marks for not tryin...’”. O concerto foi a preceito, com o Alex Turner a assumir-se cada vez mais como um verdadeiro líder de uma banda rock, o Alex da voz imaculada e daquela atitude como-se-nada-fosse enquanto 30 mil fervilhavam com I bet you look good on the dance floor e suas primas punk-rock velocistas ou taciturnas ou ambas. Dont’ sit down ‘cause I’ve moved your chair, do novo disco, é o resumo disso mesmo. Badass. E o público adora e devolve as letras com devoção. Os macacos já são uma banda de massas.
Com James Murphy vês a luz |
Dali seguimos para a tenda electrónica na companhia dos gémeos Delgado, da Círia, que namora um deles (André), da sorridente amiga da Círia e dos restantes amigos. E que nos esperava às quatro da matina? Sir James Murphy, versão a solo. Não sei que raio deu na cabeça do homem para aceitar passar som àquela hora mas furámos a enchente até perto da grade e pim! pim! pim!, foi divinal e foi até a manhã aparecer atrás dos pinheiros. Tenda à pinha antes das quatro, tenda à pinha depois das seis. La folie.
Caminhar no regresso aos carros – sim, não cometi o erro do ano passado, não volto a acampar na faixa de gaza - foi uma delícia. Em contra-mão com os festivaleiros, passámos do histerismo para a mais absoluta serenidade. A manhã espreguiçava-se, fresca, insolente. Passámos pelas brasas no carro até eu chatear o meu amigo à primeira gota de suor que me escorreu testa abaixo, como nos tempos de miúdo impaciente em que a minha única preocupação era levantar-me cedo para ver desenhos animados. “Praiaaaa!!”
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O Sº., incondicional fã do Slash, não estava sozinho quando me apareceu à frente. Fazia-se acompanhar da namorada e do Falâncio. O P., que à noite não enxerga porra nenhuma, cumprimentou duas vezes o irmão de luta do Neto. Foi ele próprio quem me disse isto e eu parti-me a rir quando ele acrescentou que, estando no enfiamento de uma torre de iluminação, não tinha percebido quem o bicho era. A dada altura o Sº. aproximou-se e ofereceu-me a “droga do amor”. Não tenho por hábito meter aquilo para dentro, até porque na maior parte das vezes não sabemos de onde vem aquele comprimido branco e pensei que, se o fizesse, naquela fase pós-concerto dos Arcade Fire, iria claramente a correr até Lisboa só para ver o Cristo-Rei imitar aqueles 30 mil no gigante refrão da Wake Up e voltaria ao Meco, repetindo o circuito ininterruptamente até Agosto. “Hum... melhor não, já maluco estás tu que chegue com um concerto bíblico mais o Grant’s que te esqueceste de engarrafar em plástico na noite anterior e hoje viraste-o todo”, concluí, de mim para mim. Os Arcade Fire lembram-nos que o amor é a resposta. É um completo exagero. Mais alto do que eu só deve ter cantado o P. Que prazer... Nada que eu conheça na música é tão poderoso como viver um concerto de Arcade Fire. O video em cima, com milhares em comunhão a cantar a Wake Up, não é aconselhável a cardíacos. É como a Patrícia ver a Ana Vieira subir ao palco pelo braço do Rodrigo Leão. Too much.
Pat loves Ana Vieira |
Antes, a minha primeira vez com os Portishead. Não sei de onde vem aquilo com que a Beth Gibbons canta, mas é impressionante. Arrepia. O público respeitou. O som estava irrepreensível, ao contrário de grande parte dos concertos no palco principal – e o vento não pode servir de desculpa, era o que faltava, então não há vento nos outros festivais? Foi incrível ouvir a Roads ou a Glory Box com 30 mil e uma pessoas a sussurrar, em penúria, pelo golpe de misericórdia. Que presença..
Vou-me lembrando das coisas e do que assim de repente recordo é de cerveja na mão ter depois corrido até Chromeo para encontrar o Abreu e sua crew, pois o plano era irmos todos para a casa dele na Venda do Alcaide. Nisto aparece-me a R., com quem andei enrolado há um ano após The National, e logo de seguida dou de caras com o rapaz que supostamente a andava a comer na altura e que nos viu aos melos, optando por disfarçar e desaparecer em vez de me esmurrar com vontade, embora eu não tivesse grande culpa no cartório - não tenho dons de adivinho.
Situaçãozinha, hein? Rodeado por eles, sorri e cumprimentei ambos como um verdadeiro profissional e continuei na minha até abençoar a chegada da malta com quem passaria as próximas 24 horas. Ali estava o Ruben, namorado da Joana sem a companhia da Joana, o Abreu e a namorada Susana, a Filipa e a Mariana, amiga da Filipa que ninguém conhecia e cresceu nos States e rapidamente vi ter o que é necessário para ser feliz no meio de gente como nós. Pelo meio ainda encontrei a Fada do Miradouro, que tem olhos de água e será a minha parceira de guitarradas numa viagem pelo Portugal profundo, mais para o fim de Agosto – somos miseráveis a tocar e queremos mais.
Na tenda electrónica pulámos até depois das cinco a ouvir não sei bem o quê, tal a moca, e bazámos em dois carros. Fui no do Abreu, que tem mãos mas conduz de forma demasiado agressiva, no limiar do parvo. A dada altura vi o prego demasiado fundo, com o Ruben a fazer macacadas mesmo ao nosso lado, ao volante do outro carro que levava a malta, e dei um arranque ao Abreu, que amuou. Resultado: fomos a passo de caracol até à vivenda, onde passei o tempo sentado num alpendre a desafinar numa guitarra para canhotos enquanto acusava o Ruben, que desafinava menos, de dizer cerveja com 'S'. Temos pena do passo de caracol e também da M., a quem por gentileza e muito boa vontade consegui arranjar pulseiras relativas aos três dias, isto sem ela sequer pedir – vi lamentos dela no Facebook e meti mãos ao trabalho -, e só soube notícias dela lá fora quando saí do recinto ao entardecer para lhe dar o bem bom. Tinha de ficar ali à espera de alguém, mas ficou de me dizer alguma coisa para estarmos juntos lá dentro. Até hoje. Muita pancada leva um certo tipo de pessoas. Uns aprendem, outros não. Espero fazer parte da primeira equipa.
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Saí durante a Someday e a quase um quilómetro ainda ouvi morrer a You Only Live Once. Ao entrar no carro liguei a rádio na 3 e ouvi o locutor despedir-se do festival. Mais tarde confirmaria: além de o Casablancas estar perdido de bêbado, os Strokes tocaram uma hora no encerramento do palco principal do SBSR e foram-se embora sem encore. Um conselho àquela navegação rockeira: pá, acabem de uma vez e não manchem o que de bom fizeram, que aquilo no Meco foi deprimente.
Era o último dia do festival e eu já funcionava a meio-gás, até porque queria sair durante o concerto dos Strokes e evitar o caos da saída para chegar ao aeroporto a tempo de estar com a S., que mora na Dinamarca e estava em Portugal durante 36 horas para ver uma amiga e despedir-se do namorado dela. Cancro. Pouco tempo. Ela veio de Copenhaga. Eles do Rio de Janeiro. Isto é amor.
Passámos o dia num registo festivo, mas pouco festivaleiro: piscina, sol, cerveja, patuscada carnívora e vegetariana na linda casa do Abreu.
Perdemos todos os concertos à luz do dia mas cheguei a ouvir Slash no seu registo a solo, que não me diz nada, um rock que já não existe cantado por um tipo de olhos claros, voz engraçada e a atitude rockeira do dono do tasco onde costumo jantar. Ouvi a Sweet Child of Mine. Menos mau.
No palco alternativo os Vaccines fizeram as vezes dos Temper Trap em 2010 enquanto banda que levou do público o Óscar de melhor banda de rock independente. Não me entusiasmam por aí além. Tudo o que têm mais a pender para o la-di-da enfrenta o dilema melodia (gira) - letra (inexplicável). Mas sempre que as guitarras aceleram dá para perceber o encanto. Foi um bom momento. E o vocalista é o irmão gémeo tímido do Colin Farrell. E estes flashes aqui em cima resultam muito bem para empolgar a malta numa faixa com um refrão terrivelmente catchy a saltitar numa canção que de outro modo seria fraca.
Mas emocionante foi ver a S., directamente do Meco para o aeroporto. Todo eu pó estacionei onde não podia e vi-a aparecer na companhia de um casal amigo - não o que vinha do Brasil, outro. Fomos beber cerveja para o bar. Depois de trocarmos trivialidades a quatro os amigos dela deixaram-nos a dois sob pretexto de terem de acordar cedo. Simpáticos. Tinha saudades da S. e daquele beijo nunca inteiramente entregue, que nunca deixo de estranhar. Gosto de beijar, permite que se faça pause quando fechamos os olhos e se saboreia, diz a S. e bem. Há vários tipos de beijos e o dela, defensivo, não tem pressa. Nunca teve. Em nós concentrámos os olhares dos viajantes e das câmaras de vigilância. Estava na hora. Abracei-a apertado e soltei-a para o check in e o regresso à Dinamarca. Momentos difíceis, estes, que a S. atravessa, ela que também sofre com o sofrimento de quem gosta e faz os sacrifícos necessários para que tudo o que resta na vida do companheiro da amiga corra menos mal do que poderia. Gosto da S.
5 comentários:
Este foi sem dúvida dos posts mais compridos que me lembro de ter lido. Andas a testar a paciência dos teus leitores :) mas gostei de saber que esse SBSR foi rico em sons, visões e peripécias. Assim vale o dinheiro mesmo com pó à mistura :)
ahahaha ando a testar os vossos limites ()
ah tu és dos que dá banho de cerveja aos outros :O
eu faço parte do grupo dos que tomam banho de cerveja em tudo quanto é festival e afins :(
e normalmente faço cara de má e decoro a cara da pessoa que entornou a cerveja por cima de mim, obrigando essa pessoa a pedir-me desculpa a cada 30 segundos.
foi um tique de terrorismo plenamente justificado pela Brianstorm, não dá para saltar com meio litro de cerveja na mão! mas costumo portar-me bem.
Bom festival para ti Joe afinal.
Romântico no último parágrafo. Bonito
Nicholas Jaar foi muito bom. Só ouvi 30min. Mas valeu.
Beirut concordo. Mas como nunca gostei muito, não me desiludiu.
Arctic "Monsters" tb foi muito bom. Não desiludiu.
Mas ainda estou a pensar se as 4 horas de inferno e a quantidade de pó no pulmões valeram a pena...
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