terça-feira, 5 de julho de 2011

Levem-me a sério, vá lá/Dogtown

Levem-me a sério, vá lá

Sou um adulto muito responsável e quem disser o oposto é imaturo e baba-se a dormir. Vem ao caso que reunimos na Rocha uma parte importante do grupo marroquino, o que não acontecia há mais que muito. Era sexta-feira e para retocar a tradição fomos ao Outro Bar pedir uma garrafa de Red Label, logo a seguir a entornar umas minis em frente à Taberna do Sul, (um dos muitos) canto(s) de charme na Rocha. Copos, gelo, whisky e a música especialmente má do espaço, requinte de mosca. Guião ideal: boys would be boys.


Cercámos uma mesa alta com a garrafa ao meio e não demorou mais do que cinco minutos até sermos abordados por duas mocinhas. Uma, a Paloma, a que se nos dirigiu, potencial destruidora de lares, era um escândalo; a outra também deveria responder por algum nome mas não recordo bem qual, na certeza porém de que saíra à rua vestida para matar ainda a algumas boas piscinas de se tornar mulher. Fizemos umas contas por alto e compreendemos que teriam menos de 20 anos. Eram espanholas, do sul, e queriam beber da nossa garrafa. “Querem beber?”, perguntei-lhes, fazendo de conta que não ouvira a Paloma, de caras a menos miúda, e assim pude ganhar umas fracções de segundo e analisar o cenário jurídico. (Tive 11 a Introdução ao Direito, respeito). Depois olhei para um amigo meu que estava junto ao bar e tem apelido de antiga capital de país africano, encolhi os ombros e pedi-lhe para trazer mais dois copos. Não sou cá pai de ninguém – querem beber, bebem. Talvez estivessem ali a ter as primeiras férias sozinhas no Algarve acolhedor. Metiam conversa com rapazes portugueses uns dez anos mais velhos que elas. Ainda por cima estavam cheias de sorte - somos boa gente. Que bebessem.

A dada altura percebeu-se que a Paloma se queria organizar com o meu amigo que mais merece ser feliz, até pelo que aturou nos últimos tempos; todos nós o percebemos e ela também percebeu que nós percebemos e como tal tocou-me no ombro e com os indicadores e polegares fez-me o sinal de um coração, indicando-me a amiga dela, que não dizia uma palavra e chupava a bebida dela pela palhinha a olhar para o tecto como quem pede, “tirem-me daqui!”. Na verdade até tentei meter conversa só para não parecer mal, mas como não tenho grande perfil de educador de infância depressa saí de cena, sendo substituído por alguns amigos, à vez. Por essa altura já a segunda garrafa tinha aterrado na mesa, o meu amigo com apelido de antiga capital de país africano metia-me gelo dentro das calças e depois levava com ele nas trombas e depois roçava-o na cara de uma amiga nossa que achava tudo muito lindo e o Alex arrotava responsabilizando a natureza humana e o Elástico reflectia sobre todas as coisas - por essa altura isto tudo acontecia e a moça continuava sem dar sinal de vida. Acredito que tivesse uns 16 anos.


Já a Paloma, soube mais tarde, tinha 19 a caminho dos 47. A moça pingava confiança. Da mesma forma que pediu/ordenou beber connosco ela em menos de nada engatou o meu amigo que mais merece ser feliz, até pelo que aturou nos últimos tempos, arrastou-o para fora do bar, uma, duas vezes, a segunda das quais rumo à praia, para o mar, fizeram tudo o que é importante e acrescentaram algumas curiosidades no sempre difícil contexto arenoso, tiraram registos com mais pudor do que outros e cada qual foi à sua vida feliz e contente. Paloma, 19 anos: ali está alguém que sabe o que quer.

Foi já quando o dia nasceu que me encontrei com o meu amigo que mais merece ser feliz, até pelo que aturou nos últimos tempos. Deu-me boleia até casa e estávamos radiantes: eu por ele e ele por si próprio, embora tivesse as calças encharcadas da ida a banhos com a potencial destruidora de lares. Da minha parte, que tinha saído do antro Katedral sem aparente motivo e dei por mim numa roulotte de cachorros quentes a fazer o que se faz quando se vai a uma roulotte de cachorros quentes, não havia grande assunto: não via quase nada à frente depois de duas garrafas e de horas a dançar e só me ria e empurrava o meu amigo a dizer que ele era aquele que mais merecia ser feliz, até pelo que aturara nos últimos tempos. Desnecessário era que o meu amigo com apelido de antiga capital de país africano tivesse aparecido à porta de minha casa a apalpar a buzina do carro do avô como se a quisesse esgotar ali mesmo, acordando o bairro inteiro, meus pais incluídos. Há coisas mais agradáveis do que ir de fim-de-semana a casa e dar os bons dias ao teu pai às sete da manhã sem teres ido à cama depois de uma noite de vadiagem.

Dogtown

Jantar de rapazes foi o mote da noite seguinte, mas tinha para mim que não podia abusar. De manhã cedo agarrar-me-ia ao volante para regressar a Lisboa, ainda por cima a ouvir o próprio eco. E trabalhava – sim, eu começo a semana ao domingo praticamente desde que saí da Faculdade, em 1789. Mas se o jantar de rapazes foi o mote, correr foi o modo. E nós corremos a noite inteira. Primeiro para o restaurante Cletonina, ao qual interessava chegar cedo. Quando lá estacionámos já o P.º, o Paulinho e o Elástico bebiam sangria, ainda por cima branca, o que o Alex de pronto frisou ser bebida de putas. Gozámos muito com eles, eu, o Alex e o Nelas, e pedimos o nosso tinto Marquês de Borba “porque o casal na mesa ao lado” também estava a beber disso, mas o bem bom demorou a chegar - "desculpe, o vinho ainda está a ser feito?" - e mandámos vir mais três copos para também recebermos o líquido do putedo.

Ao lado, atrás, em frente, por todo o lado, o rasto a creche de sábado à noite. Uma miúda em especial chamou a nossa atenção porque protegida pelos pais quando por nós passou a espreitar, a espreitar, e soubemos que ela, bem gira, ia gostar da atenção de rapazes mais velhos, ia gostar disso em vez de aturar os palermas da idade dela, aqueles que um dia nós fomos (esses mesmo), e soubemos também que ela se iria virar para nos fitar uma última vez antes de descer as escadas para a rua, coisa que fez, virou-se mesmo e aplaudimo-la em apoteose e ela partiu-se a rir e o pai rosnou feio.

Tudo preparado para uma noite à antiga e eu de manhã cedo já agarrado ao volante. U-la-la. Tinha de me portar bem.

O respasto foi belíssimo e quando nos levantámos para pagar reparámos que uma das raparigas na fila tinha uma tatuagem temporária no peito. “I am no dyke”. Bom saber. Obviamente que a raptámos e tirámos fotos enquanto ela tentava fugir, em vão, vermelhíssima e orgulhosa.



Demos umas voltas e parámos no Cheers. Excepcionalmente estava a passar música jeitosinha (Michael Jackson) e decidimos comprar ali mesmo uma garrafa de Red Label antes de irmos para Ferragudo à festa da NAU, à qual tentaríamos chegar através da única forma que a nós, comuns mortais a caminho da embriaguez, era possível: o barco-táxi - até àquela noite apenas reduzido à dimensão de mito. Mal entrámos no Cheers centrámos atenções numa mesa, onde, rodeada de amigos e familiares, uma loira de terras dinamarquesas, já morena pelo rei sol, olho azulão fato-macaco, vinte e poucos, sorria como uma cobra venenosa, fsssssssstttttttttt, arrasando. O P.º fez-lhe a corte e em poucos minutos já lhe dava uma lição de como dançar agarradinho, com - tudo mudou rapidamente - a pior das músicas possíveis. A tensão entre eles era grande mas os ventos anelares não sopravam a favor. Um desperdício.

Do Cheers acorremos aos trambolhões para a marina. Não se dizia coisa com coisa e antes de chegarmos ao pontão vimos aproximar-se o mítico barquinho que se dizia existir mas nenhum de nós tinha apanhado até então, um barquinho com capacidade para transportar aí uma dúzia de pessoas e com assentos almofadados, tão confortáveis quanto possível, e rádio no volante, um barquinho que se aproximava num ambiente sem luz, barulho ou pessoas - nada. (Uma óbvia embarcação clandestina que ali passaria para transportar refugiados ou malfeitores para Ferragudo, ou para uma ilha italiana, a uns cinco minutos ou cinco dias dali, conforme).


Temi que o comandante desse meia-volta e dali escapasse dado o estrilho bíblico que fizemos mas o homem estranhamente não ficou com receio de ver tanto macaco bêbado e levou-nos para el otro lado del rio Arade, noite dentro, na maior paz. “Tá-se bem em Miami”, dizia e insistia eu depois de saber a melhor - “quanto é, chefe?”; “Nada, o trajecto é gratuito”.


De alguma forma os astros se alinhavam para nos agradar naquela noite, o que pôde ser comprovado quando desembarcámos na festa da NAU a renovar a noção de estrilho bíblico e, surpresa, fomos recebidos pelos seguranças como reis. Não percebi nada daquilo. Alguém dali os deveria conhecer. Lá dentro a festa era fixe, com uma boa banda de covers e gente disponível para o pagode. As bebidas eram caras. Dos Rambóia, banda em causa com um líder e vocalista e baixista e entertainer nascido de uma improvável ménage a trois entre o Filipe Gaidão, a Lady Gaga e o José Castelo Branco - não me perguntem quem pariu - ouvi Muse, Kings of Leon, Rod Stewart, Xutos, Metallica, Abba e até System of a Down entre muito salto, muito copo e muito disparate, nomeadamente de um miudo com pinta de totó que ali ao pé fez um lamentável strip ao som do Joe Cocker e do êxito “Tira a roupa mas deixa o chapéu on”.

Na festa encontrámos mil e um conhecidos. Eu, por exemplo, apertei os calos ao David Moutinho, que não via há anos, e soube que há um ano o João esteve a um passo de assinar pelo Benfica, o que só de imaginar me provocou aquela sensação de enjoo em mar alto; encontrei também várias amigas, sendo uma delas ex-namorada, entretanto já mãe e famosa por sem ajuda suar da palma das mãos. Foi num pé dela que aterrei no meio de uma sessão de saltos para celebrar a vida com o Nelas. Houve gritos e pedidos de desculpa. Tenho cá um jeitinho, vou-te contar.


Divertimo-nos à brava mas tinhamos pouco tempo – o último barco chegava às 03:30. Na correria de volta para o barco depois de dezenas de tentativas frustradas de 'toca a reunir', o Nelas, que se queixava de ter sido usado por uma inglesa de 34 anos recém-feitos, ainda conseguiu comer uma boa dose de areia, e o Alex quase ficou em terra e quase foi expulso e quase caiu ao rio, mas conseguimos que entrasse no barco quem dele tinha saido duas horas e picos antes.

Pequena viagem. Festa. 

Mal chegámos ao pontão do lado da Rocha, o P.º lembrou-se de praticar marcha e fomos atrás. Não sei quem ganhou a corrida que fiz com o Paulinho mas sei que o Alex aproveitou e passou por nós a correr mesmo correndo e iniciou uma jornada épica de uns 1000 metros/barreiras por toda a avenida Tomás Cabreira até ao hotel Júpiter, seguido de perto por nós, que saltávamos de banco em banco e de muro em muro até o Alex adormecer na caixa aberta da carrinha do buffet da La Dolce Vita. Não sem antes haver uma pausa para homenagear a demência na subida para a fortaleza. Depois, eles para a discoteca e eu para casa e poucas horas volvidas, volante. E explicar a minha viagem de regresso a Lisboa ficará para os impossíveis do professor Bambo.

14 comentários:

Anónimo disse...

O teu amigo que mais merece ser feliz, até pelo que aturou nos últimos tempos, agradece, e confirma a peculiaridade das noites em questão e da Paloma " sei o que quero". Muchas gracias e mais fins de semana para posts deste é o que se pede!

Di Almeida disse...

Slot machine, mode on!

Rui Coelho disse...

Anónimo: por supuesto :D

Di: basta chegar ali perto de são marcos da serra e tim!-tim!-tim!, entro logo na fatiota. E boas ruínas on vacation mode*

Di Almeida disse...

Ahh,vão ser sim :) ando a tratar dos últimos detalhes e let's go Papi!

ps. Quando puderes envia-me o teu email porque queria-te pedir uma coisa.

Bacio *

Rui Coelho disse...

mail seguiu numa garrafa atirada ao mar, comme il faut*

Di Almeida disse...

Um cavalo marinho acabou de me entregar.Já lhe meti uma mochila às costas com a resposta...

Ps. para quem ler isto e pensar: pfff mas o que é que esta pindérica quer com o NOSSO Rui?
Obviamente que me vou fazer ao bife como qualquer gaja vulgar sem ponta de imaginação...

Hugo disse...

Ainda só li a noite de sexta. Epá estou aqui no trabalho e a fazer um esforço para não me desatar a rir que nem um estúpido! E nem sequer la estive...Marrocos...verão...é assim!

ana disse...

estou a planear estar bem em miami no próximo ano. literalmente :)

Pedro e Inês disse...

Podes dar-me o teu mail também???

Não, não te quero pedir nada nem tão pouco "fazer-me ao bife"... mas amanhã, nunca se sabe se não alinhas numas loucuras a três, quatro,....! ahahahah xD *****

Rui Coelho disse...

Ana: uiii, deve ser assim qualquer coisa.

P & I: deixei resposta na vossa caixa do correio.

Ana Roman disse...

ahhhhhh o verão....hahahah prefiro nem comentar hahah
:*

Nelson de Lagos disse...

pessoa com apelido de antiga capital de país africano: Foi um fim-de-semana dixecsicamente animado :D, 2 coisas em falta! A garrafa de vinho, chegou, deixaram na mesa, mas ainda fechada.. lol e o segurança é um irmão de uma ex. Perfeito é: beber; fazer desporto; beber; ser usado; beber; e acordar o teu pai as 7h da manha :D, Boa noite**

Anónimo disse...

Rui depois de ter ouvido pessoalmente a descrição do vosso fim de semana, só te posso agradecer pelos sorrisos rasgados que me foste roubando com as tuas palavras ao longo do teu texto..
BRILHANTE!!!
Sofia Almeida

Rui Coelho disse...

:D beijinhos pra ti e pra quem vai bricando aí dentro dessa barriguinha ahaha, tudo de bommm*