Faço-me
à estrada rumo ao trabalho e no fim da rua topo um senhor estendido no
passeio, de nariz para cima, inerte, pés alinhados. Saco do ponto morto e abandono
o carro. Corro 20 metros para acudir o senhor, ou qualquer coisa assim. Do outro lado do passeio três putos de
mochila às costas travam o passo e observam. Hesitam, mas aproximam-se. Meios passos. A medo. O senhor estatelado veste uma camisa branca para dentro das calças e traz uma boina. Noto-lhe cor. Abordo-o.
-
Chefe, está bem?
-
(...)
-
Chefe, fale comigo!
-
(...)
O senhor não responde mas tira as mãos do sítio. Uff.
- Consegue levantar-se? - pergunto-lhe.
-
(ic!) Não.
Os
três putos ajudam o senhor a levantar-se. O senhor agradece.
-
Obrigado (ic!)
- Menos pinga, chefe, hein? - sugiro.
-
(ic!) – devolve o senhor.
Inverto a marcha e encontro mais gente em redor do meu carro do que havia junto ao senhor até há pouco estatelado no
passeio. Percebo que se abana ligeiramente. (O meu carro). Entro.
A chave estava na
ignição. O motor nunca deixou de trabalhar. Ocorre-me
um pensamento: “foda-se.” Inspiro fundo e empurro o manípulo das mudanças. Primeira. Sigo. Passo por um homem descabelado que me fita de olhos esbugalhados. Por momentos contemplei a hipótese de sintonizar o rádio na RFM - talvez estivesse a passar João Pedro Pais.
3 comentários:
De facto... foda-se.
dassss. Sem pinga de sangue.
ri-me da etiqueta "memória". És grande, Rui!
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