quinta-feira, 17 de maio de 2012

Querido carro, gosto muito de ti

Faço-me à estrada rumo ao trabalho e no fim da rua topo um senhor estendido no passeio, de nariz para cima, inerte, pés alinhados. Saco do ponto morto e abandono o carro. Corro 20 metros para acudir o senhor, ou qualquer coisa assim. Do outro lado do passeio três putos de mochila às costas travam o passo e observam. Hesitam, mas aproximam-se. Meios passos. A medo. O senhor estatelado veste uma camisa branca para dentro das calças e traz uma boina. Noto-lhe cor. Abordo-o.

- Chefe, está bem?
- (...)
- Chefe, fale comigo!
- (...)

O senhor não responde mas tira as mãos do sítio. Uff.

- Consegue levantar-se? - pergunto-lhe.
-  (ic!) Não.

Os três putos ajudam o senhor a levantar-se. O senhor agradece.

- Obrigado (ic!)
- Menos pinga, chefe, hein? - sugiro.
- (ic!) – devolve o senhor.

Inverto a marcha e encontro mais gente em redor do meu carro do que havia junto ao senhor até há pouco estatelado no passeio. Percebo que se abana ligeiramente. (O meu carro). Entro.

A chave estava na ignição. O motor nunca deixou de trabalhar. Ocorre-me um pensamento: “foda-se.” Inspiro fundo e empurro o manípulo das mudanças. Primeira. Sigo. Passo por um homem descabelado que me fita de olhos esbugalhados. Por momentos contemplei a hipótese de sintonizar o rádio na RFM - talvez estivesse a passar João Pedro Pais.

3 comentários:

Cat disse...

De facto... foda-se.

Rui Coelho disse...

dassss. Sem pinga de sangue.

Bruno disse...

ri-me da etiqueta "memória". És grande, Rui!