Anfiteatro ao ar livre, Gulbenkian |
Chegámos perto das 22:00 sob um céu mais rosado que negro, coberto de nuvens rápidas e ameaçadoras. As ramagens agitavam-se numa aflição de Outono. O frio eriçava a pele. Noites de Verão. Na Noruega.
Visitávamos a Noite Tunisina do Ciclo de Cinema Árabe a decorrer na Gulbenkian. A troco de três euros tínhamos direito a visionar duas curtas metragens e uma longa, mas também a mantinhas para aquecer o colo e outras zonas de fácil arrepio - só o percebemos já de cerveja na mão, no regresso da roulote que entretanto descobrimos assim como quem a procura.
"O Lamento do Peixe Vermelho" (Oubeyd-Allah Ayari) foi a primeira proposta e teve a duração de 12 minutos. Num só fôlego, dizer que o protagonista era um quarentão solteiro que estava a ficar cheché até que, sentado no banco de um bosque, viu uma galinha arrastar-se à sua frente dentro de uma caixa de cartão e apaixonou-se pela mulher que estava sentada na outra ponta do banco, a ler. Foi amor à primeira galinha.
Seguiu-se "Porquê Eu" (Amine Chiboub, 13 min.), que foi exactamente o que pensei quando observei alguns dos actores em acção. Salvou-se a ideia nuclear da curta: tratem-se bem, humanos.
Khorma a levantar voo |
Por fim, "Khorma, Filho do Cemitério" (Jilani Saadi, 100 min.). O primeiro plano do filme mostra um rapaz a fugir pela praia, vestido, iluminado pela luz plácida da manhã, cantando coisas sem nexo enquanto faz que voa. A câmara filma Khorma, um destravado ruivo a dar para o albino com dentes podres e que urina em direcções opostas - "Deus colocou dois buraquinhos no meu pénis". Khorma faz vida a anunciar casamentos e funerais. Parece tolo, mas sabe-a toda. Tem um mestre, Bou Khaled, que o introduz na arte do negócio. Em pouco tempo conseguirá pôr a sua comunidade a dançar ao ritmo que bem entende. Até que, pim!, acontecem coisas.
O filme, castiço, vivo, interessará a quem preferir espreitar detalhes sociais de realidades distantes, sentado num bonito anfiteatro ao ar livre, em vez de ficar a desancar no Miguel Relvas via Facebook - muito embora compreenda que esta última opção também possa ser cativante. Exemplo: percebemos rapidamente em que país muçulmano foi rodado. Líbano à parte - é um caso especial -, só na moderada Tunísia é que se poderia filmar uma rapariga a abanar-se toda para um homem enquanto esfrega a roupa no alguidar, isto além de 'crescer' para o pai, devolvendo-lhe ordens. Lembremo-nos: aqui começou a Primavera Árabe.
6 comentários:
"Primavera Árabe" tem muito que se lhe diga. Agora que a Irmandade muçulmana tomou o poder no Egipto é de esperar que os cristão coptas sejam perseguidos, corridos e quiçá mortos, fora a violação de jornalistas femininas ocidentais que têm ocorrido desde que essa "primavera àrabe" chegou, ou seja, a impunidade e a barbárie que era reprimida no tempo das ditaduras árabes terminou e a liberdade daqueles . Posso estar muito enganado mas aqueles terrenos serão muito bons para os corajosos baterem à sola de lá para a Europa, e aqui, com as suas comunidades já bem estabelecidas, com direitos e subsidios, impingirem a ditadura das minorias. Veremos.
PS: Que o cinema árabe seja diferente, isso não me surpreende, pois muitos desses realizadores só podem filmar no estrangeiro e os seus filmes são boicotados nos seus próprios países.
Centras-te nessa face da moeda, a desencantada, que existe e mancha o termo Primavera Árabe. Eu próprio não gosto dele. Mas dar a entender que todo o egípcio, porque pelos vistos é deles que falas, corre a matar cristãos coptas e a violar "jovens jornalistas ocidentais" agora que lhe soltaram a rédeas... vá lá, não acredito que acredites nisso.
Já morei com um iraniano e um marroquino, já morei com mil e um tugas, até já morei contigo - na altura estavas menos reaccionário, pá -, sei do que falo. Infelizmente há barbárie em todo o lado, revoluções incluído, mas se esses casos existiram não são a regra.
Interessa-me a outra face da moeda, interessa-me os movimentos sociais que conduziram a quedas de ditaduras como a do Ben Ali na Tunísia, que como deves saber foi o epicentro dos levantamentos no mundo muçulmano contra décadas de abusos instituídos como lei, e que evidentemente fodem a cabecinha toda ao povo. O que depois se faz com estas revoltas populares, o aproveitamento delas, é outra conversa. E eu aqui centrei-me tão só no exemplo da Tunísia, o país mais moderado e estável na região e precursor de tudo o que tem acontecido no mundo árabe, que não é mais do que o que na segunda metade do sec. xx aconteceu em portugal, espanha, leste europeu, brasil e por aí fora - vergar ditaduras na esperança de instituir direitos e liberdades além de deveres e um governo responsável perante o povo, não corrupto, eficiente, separação de poderes, essas coisas todas.
Por acaso lembro-me de teres falado desse iraniano. Realmente eu deveria ter-me focado somente na questão do cinema e não nas outras questões inerentes à Primavera Árabe, que me incomodam solenemente, isto porque a generalidade das pessoas só consegue ver um lado bonito questão. My appologies.
Também está na hora de irmos beber uns canecos ou vais andar pelo Meco estes dias no SBSR?!
Não tens nada que pedir desculpa, o debate é interessante, ainda que, aqui, deslocado. Este ano não vou ao meco, vou a casa receber mimos até doer. Vou é ao alive no dia de radiohead. Envia-me só uma mensagem com o teu número porque ando sempre a trocar de telemóvel
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Sou capaz de lá ir também. Já te envio.
Junto vai também o som de uma banda que curtia ouvir lá no Meco, para além da Lana Del Rey
http://www.youtube.com/watch?v=tTeFlZE4OSI
alabama shakes é dose pá ;)
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