quarta-feira, 29 de abril de 2009

nenuco



a única dor no rabo dos 27 é não os ter para sempre - embora o morrison, a janis e companhia pudessem ter uma ou duas coisas a dizer sobre isso; porta-te bem, reflecte sobre os passarinhos que voam e até já.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

There's more to the picture, than meets the eye

Festejava-se o 25 de Abril num bar tipicamente algarvio, o Ireland’s Eye, seriam umas 02:00, quando chegou o S., acabado de acordar, para o encore, depois de a todos se ter adiantado, logo pela tarde, e sozinho começar os festejos, ou aliás na companhia de uma garrafa de Jameson. Poucos como o S. levarão tanto à letra a ideia de se ser livre, e portanto domar plenamente o eu. O dos outros, também. E assim foi que me puxou o braço para um breve monólogo quando o T., que esmurrara de satisfação o balcão até sangrar feliz de dois ossinhos assim que o DJ lançou os “Contentores”, foi chamado ao palco, sentando-se virado para as costas de uma cadeira e daí zurrar fado para merecer as atenções de uma senhora que ali cantara Charles Aznavour há umas semanas. Repetia ontem a presença, ela, sem dúvida pela liberdade, mas sem a cantoria. “Andei eu a comer uma guia de 300 quilos para isto”, queixava-se em horário de pequeno almoço o S., sem especificar demasiado. Quem não percebia muito bem o seu lugar naquilo tudo era a L., habitual farol das nossas noites cantadas no Boogie - outro estabelecimento boémio de contornos absolutamente algarvios na zona - e arredores, e naquela noite lamentavelmente relegada à discrição de uma mesa lateral, escura, onde não chegava o cabo de qualquer microfone através do qual se pudesse fazer a revolução. Quando não está a cantar a L. fala muito baixinho, talvez por saber, e respira fundo, que só temos ouvidos para ela, mas aquele Mestre de Cerimónias não parecia querer fazer dela o farol do karaoke dos outros, pelo que, sem cantar, a L. fazia ouvir o seu descontentamento como poucas vezes já o presenciáramos. Algo de significativo, percebia-se. Estaria tudo resolvido, porém, logo depois de a L. virar para o estômago, com movimentos de pescoço pendulares, muito rápidos, uma pequena substância espirituosa, servida uma e outra vez. Espécie de encantamento. Por esta altura, certo das minhas responsabilidades na A2, duas manhãs de domingo por mês, deixei a revolução na Praia da Rocha no rasto do casal que ali entoou de mãos dadas a canção “Depois de Ti”, composta e interpretada pelo lendário Tony Carreira, com Y a seguir ao Ton. Tema, aliás, poucas pessoas o sabem, que constituiu uma terceira senha na marcha que derrubou a ditadura, além das mais comerciais ‘Grândola Vila Morena’, do Zeca Afonso, e ‘Depois do Amor’, onde o Paulo de Carvalho podia disfaçar melhor as influências que levaram à escolha do título. Tudo, claro, para quem conhece a que ritmo batem os corações dos capitães de Abril, segundo as românticas coordenadas 'Foi um Amor Proibido/Como tanta gente tem/Eu já tinha alguém/Eu já tinha alguém'. Já em casa, cheio, sintonizei o meu rádio imaginário na canção que se segue, e com ela adormeci; exemplo, aliás, que muitos pais deveriam seguir, e a preceito ajudarem a adormecer as criancinhas, em vez de as assustar com histórias sobre lobos maus.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A valsa de Don Andrés e restante orquestra catalã



Coleccionar inúmeras alegriazinhas de modo a poder celebrar três grandes farras, Taça do Rei, Campeonato Espanhol e Liga dos Campeões, pode muito bem ser o destino do Barcelona, equipa de seda condenada a escrever nesta época uma história sem igual. «Isto é demasiado bonito para que se detenha. Temos pela frente algo maravilhoso para viver», disse o técnico dos catalães, Pep Guardiola, após golear esta noite o Sevilha por 4-0 na 32.ª jornada da Liga doméstica - ah!, com o Messi de fora. Soubesse o ex-médio que as coisas iam correr assim – bilhete para a final da Taça, líderança do campeonato com seis pontos de avanço e todos os recordes de vitórias, pontos e golos à mercê, e presença nas meias-finais da ‘Champions’ - e talvez, com o capital de que goza no clube, tivesse entrado mais cedo nisto de treinar o belíssimo Barça.

Afinal, é apenas a época de estreia do Guardiola no banco de suplentes, dirigindo uma equipa, e, de preocupações, apenas ganhou uma: pedir aos seus jogadores que reentrem em campo com o mesmo apetite com que o deixaram, ao intervalo, invariavelmente a uma distância já inalcançável do adversário. Gosto de futebol. Mesmo. E, felizmente, dá-me para rir quando leio alguma imprensa espanhola desvalorizar os sucessivos correctivos que o Barça infringe nos seus adversários espanhóis, Sp. Gijón, Atlético de Madrid, Almería, Málaga, Valladolid, Sevilha, Valência, Deportivo e Numancia, é à vez, 9 equipas já foram goleadas num total de 19, com seis jogos por disputar, sob o argumento de que estes olham para o jogo seguinte - o Real Madrid apanha as sobras do Barcelona -, deixando-se ganhar.


Conheço-o bem: vem do mesmo saco onde se vai buscar outro - “Ah, eles só correm contra nós” -, acenado para justificar desaires pelos que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. No admirável mundo ‘blaugrana’, entre outros, podemos encontrar o melhor jogador do mundo: o Messi. Só falta oficializar. Depois, num grupo de quatro ou cinco com talento que sobra para rivalizar pelo estatuto que, por certo, o argentino roubará ao Cristiano Ronaldo na próxima gala da FIFA, mora um dos meus jogadores preferidos de sempre, o Xavi, e também o Iniesta, espécie de irmão mais novo daquele. Aos dois minutos do jogo com o Sevilha já Don Andrés tinha incendiado o Camp Nou com um golo perfeito. Depois entregou de bandeja os outros três.

Li por aí alguém chamar-lhe o “génio generoso”. E também me parece, abrindo o plano, que, por estes meses, ser adepto do Barcelona deve ser tão aborrecido como ir a um concerto do Kusturica com os No Smoking Orchestra ou ser o escravo sexual da Rachel Weisz.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

É sempre de ouvir em repeat #20

Canção: Jimmy
Banda: Moriarty
Disco: Whiz But This Is a Lonesome Town
Data: 2007



Os franceses Moriarty são o que queriam ser quando fossem grandes. Vivem num comboio rural imaginário, em trânsito entre Nova Iorque, Paris e Nova Iorque, e passam o tempo a tocar canções primaveris, acústicas, sempre deitando a mão a essas talentosas cigarras que alguém um dia chamou de harmónicas. Tudo sereno, à medida do instrumento que lidera o quinteto: a voz de Rosemary, que é de veludo. Há um par de EP'S. Disco, disco, apenas um: Whiz But This Is a Lonesome Town (2007), cujo alinhamento abre com esta 'Jimmy'. Dá lá para ignorar a canção do búfalo?

MySpace: aqui

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O carnaval dos Balcãs contra-ataca

Como o Natal, também o Carnaval poderá ser quando um homem quiser. O mote encaixa com precisão no conjunto balcânico Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra, que ontem, na ressaca da Páscoa, repetiu no Campo Pequeno, em Lisboa, o festim celebrado no Coliseu da capital portuguesa em 2008.

Sem qualquer trabalho editado desde Time of The Gypsies (2007), a banda liderada por Nenad Janković, aka Dr. Nele Karajlić, que inclui o premiado realizador Emir Kusturica desde 1994, revisitou quase 30 anos de carreira com a descontracção que em solo nacional se pode conceder aos intocáveis Xutos & Pontapés. Talvez por isso, meia hora de atraso não tivesse sido motivo suficente para atrapalhar a boa disposição do público que ontem quase lotou o Campo Pequeno, onde já mora um tecto - e ainda bem, Abril.

Um pouco mais do que música
O menu musical era conhecido: um caldeirão de sonoridades tradicionais dos Balcãs, com evidentes influências da cultura cigana, onde se percorre os caminhos do punk, folk e jazz pelo manejo frenético de muita corda e muito sopro. Frequentemente, com passagens pelas raízes da música popular grega e turca – o longo domínio otomano no sudeste europeu assim o justifica. Êxitos como ‘Unza Unza Time’, ‘Bubamara’, ‘Pitbull Terrier’ e ‘Fuck You, MTV’, logo transposto para o menos consensual 'Fuck You, USA', foram entoados (e dançados) como se disso dependesse a salvação de cada um.

Mas a música da banda é apenas um ponto de chegada para onde corre, ou dança, uma narrativa que conhecemos em filmes de Kusturica como Underground (1995) e Gato Preto, Gato Branco (1998), cujas bandas sonoras foram compostas – e ontem amplamente recuperadas – pelos No Smoking Orchestra, originalmente intitulados Zabranjeno Pušenje. Não surpreende, por isso, que o inesgotável Nele Karajlic – apresentou-se vestindo um maillot azul com asas de morcego – incentivasse diversas invasões de palco, onde a distracção circense e as míudas giras mereceram o devido valor.

(Cinquenta anos de pele bonita para quem me encontrar)

Kusturica, sempre discreto, foi apresentado como Eric Clapton e Maradona, e abriu canções com os mui conhecidos riffs de 'Smoke on the Water' (Deep Purple) e 'Shine On You Crazy Diamond' (Pink Floyd). 100 minutos e um encore depois já se ouvia o hino soviético – banda sonora de cada fecho e começo de um concerto da banda. E apostamos: terá sido por metros constrangimentos logísticos que não foi visto um porco em palco a tratar de um carro podre à dentada. Mas haverá tempo para isso.

Créditos: a Rita Carmo é de longe a maior

quinta-feira, 16 de abril de 2009

É sempre de ouvir em repeat #19

Canção: All My Friends
Banda: LCD Soundystem
Disco: Sound of Silver
Data: 2007



Para uns já se fazia tarde, outros notaram estar de chuva, e aqueles houve que sublinharam ser terça-feira, esse dia de sacro descanso segundo os bons costumes do calendário ocidental, ou civilizado. Certo que já me tinham telefonado, enviado mensagens por telemóvel, facebook e hi5. Até a superbock me apertou os calos virtuais. Houve também quem me cantasse os parabéns de pijama à volta de um bolinho de alfarroba (era de alfarroba?) made in starbucks (era do starbucks?), oferecesse entrevistas fictícias em papel cor de laranja e discos de folk balcânico, mesmo a jeito para enfrentar a praça de Espanha depois de almoço. Tudo isso está muito bem, delicioso, kutxi kutxi; mas deixarem-me em casa na noite dos meus 62 anos devia ser crime punível até duas semanas de férias na costa da Somália.

terça-feira, 14 de abril de 2009

É sempre de ouvir em repeat #18

Canção: People got a lotta nerve
Intérprete: Neko Case
Disco: Middle Cyclone
Data: 2009



A Neko Case estava tão cansada enquanto compunha um dos temas do novo disco, Middle Cyclone, que quis ser a lua, e escreveu-o.

É a voz dos New Pornographers, de novo a solo, estrebuchando um certo tipo de criatividade à qual se torna difícil de resistir para aqueles que já sairam do bairro, atraídos pela novidade. Com alguma bondade, pensem na Ana Bacalhau, dos Deolinda: como ela, a Neko parte de um imaginário sonoro tradicional - o country, no caso -, coisa de pele, verdadeira, e em cima desse chão constrói uma outra, com uma linguagem nova, a sua, exponenciada pelo uso de um instrumento espantoso, invariavelmente disponível – a voz. Precisando, compõe música country como sempre desejámos que esta soasse, à semelhança do que a Ana Bacalhau e restantes Deolinda fizeram ao fado. Voz e letra, dá 30-0 a demasiada gente por aí.

Escolhi para repeat o primeiro single, mas podia ser qualquer outra faixa. A-na-ni-a-na-não - Middle Cyclone é assunto sério.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

É sempre de ouvir em repeat #17

Canção: There is a light that never goes out
Banda: The Smiths
Disco: The Queen is Dead
Data: 1986



Take me out tonight
Where there's music and there's people
And they're young and alive

terça-feira, 7 de abril de 2009

Mayra

Nasci cá, em Portugal, mas foi lá, na tórrida Angola, namorada por conhecer, que a minha família nasceu e cresceu. Pais, irmão, primos, tios, galinhas, tudo – ou quase, honrosa excepção seja feita à minha avó materna, tão portuguesa quanto eu (seja lá isso o que for).

Comecei a ouvir merengues angolanos (baseados nos dominicanos) desde puto. Entendia ser essa a música ambiente quando via a minha mãe fazer coisas estranhas com as mãos e pernas e o meu pai serpentear a cintura, enquanto espreitava a dela. Tudo bem, achava, fugindo feito lebre da pista de dança dos encontros anuais de lobitangas (naturais do Lobito), em Tomar, e dos casamentos dos filhos dos amigos dos meus pais, frequentemente rumo à bola que saltasse mais perto; entretanto ganhei-lhe piada, ao merengue, e nalguns casos extremamente específicos até posso entoar uns zurros de asno com cio enquanto oiço o Waldermar Bastos de guitarra em punho a chamar pela Georgina - "Fui no Rocha Pinto ué/Fui no Casaquele/Cheguei na Corimba, Palanca no prenda, e nada/Ai Georgina ié mama, meu amor ué."

Tudo isso me faz bem, mas o meu sangue pseudo-africano sempre correu mais rápido ao ritmo das mornas pachorrentas e do semba, com o batuque em ligação directa à terra, ao chão. Afinal, sou o forasteiro da família, e natural será que o corpo responda de outra forma.

O Dany Silva explicá-lo-á melhor do que eu. O Bonga também.

Por isso fui varrido de paixão quando um dia ouvi a voz quente e levemente suja da Mayra Andrade – cabo-verdiana nascida em Cuba que cresceu no Senegal, Angola e Alemanha, para agora viver em França, deslumbrante, uma força da natureza, um petardo rebentado no céu; ca-bum!, fez-se Mayra. Egoísta, também, como se tivesse concentrado em si toda a beleza. Que a tem como já não se usa.

Se algum dia for pai, chamo o meu puto à sala, mostro-lhe uma foto dela, ponho a tocar o disco “Navega” (2006) e digo-lhe: “Vês, baixinho, assim se explica que os homens façam coisas muito tontas pelas mulheres”. Se for menina, bem, acho que mostrarei a mesma foto. Li algures que compará-la com a Cesária Évora é redutor. Também achei que fosse assim.

MySpace: aqui

sábado, 4 de abril de 2009

Carta aberta ao Sr. Eastwood (onde consta um ou outro spoiler sobre o Gran Torino)



Caro Clint,

Ainda não tinha entrado o primeiro plano do filme e já o teu piano me tocava um destino irremediável: sairia do Monumental feito um traste. Sobreviveria, porém, tem sido assim. Mas só hoje, um dia depois de ter visto o Gran Torino, entendi porque raio tive tanta dificuldade em conter os soluços no final. (Bem, e ouvir-te cantar, também – mais alguém se lembrou do Tom Waits no seu estado mais arruinado? -, pena que não me deixes publicar aqui a versão completa da canção que nos desfaz nos créditos finais, fica o Jamie com os louros).

Da próxima vez que filmares a tua morte chateamo-nos a sério. Morte a abrir um filme e a fechá-lo é coisa triste. Morte a abrir um filme e a fechá-lo, contigo deitado num caixão, muito quietinho e direito, é inadmissível. Dois pontos a menos.

Não me interpretes mal: a história inteira do cinema cabe e manifesta-se num filme teu. Há diálogos quase tão sussurrados como a tua fatia do tema-título. Bonnie and Clyde, hein? Mas estás proibido de repetir aquilo dos caixões. É maldoso. Ficamos com receio de que não sejas para sempre. Tens de ser para sempre. Continuar. Ser mais vezes o mau da fita e com isso fazer as pessoas rir muito. Ninguém rosna daquela forma. Humor de cão devia rimar com Eastwood. Com uma coisa sei eu que rima: trabalho. Mantém esse hábito de não achares, talvez despropositadamente, que o mundo te deve alguma coisa. É um bom princípio.

Ah!, quase me esquecia: belo carro.

Atenciosamente, R.C.