Nasci cá, em Portugal, mas foi lá, na tórrida Angola, namorada por conhecer, que a minha família nasceu e cresceu. Pais, irmão, primos, tios, galinhas, tudo – ou quase, honrosa excepção seja feita à minha avó materna, tão portuguesa quanto eu (seja lá isso o que for).
Comecei a ouvir merengues angolanos (baseados nos dominicanos) desde puto. Entendia ser essa a música ambiente quando via a minha mãe fazer coisas estranhas com as mãos e pernas e o meu pai serpentear a cintura, enquanto espreitava a dela. Tudo bem, achava, fugindo feito lebre da pista de dança dos encontros anuais de lobitangas (naturais do Lobito), em Tomar, e dos casamentos dos filhos dos amigos dos meus pais, frequentemente rumo à bola que saltasse mais perto; entretanto ganhei-lhe piada, ao merengue, e nalguns casos extremamente específicos até posso entoar uns zurros de asno com cio enquanto oiço o Waldermar Bastos de guitarra em punho a chamar pela Georgina - "Fui no Rocha Pinto ué/Fui no Casaquele/Cheguei na Corimba, Palanca no prenda, e nada/Ai Georgina ié mama, meu amor ué."
Tudo isso me faz bem, mas o meu sangue pseudo-africano sempre correu mais rápido ao ritmo das mornas pachorrentas e do semba, com o batuque em ligação directa à terra, ao chão. Afinal, sou o forasteiro da família, e natural será que o corpo responda de outra forma.
O Dany Silva explicá-lo-á melhor do que eu. O Bonga também.
Por isso fui varrido de paixão quando um dia ouvi a voz quente e levemente suja da Mayra Andrade – cabo-verdiana nascida em Cuba que cresceu no Senegal, Angola e Alemanha, para agora viver em França, deslumbrante, uma força da natureza, um petardo rebentado no céu; ca-bum!, fez-se Mayra. Egoísta, também, como se tivesse concentrado em si toda a beleza. Que a tem como já não se usa.
Se algum dia for pai, chamo o meu puto à sala, mostro-lhe uma foto dela, ponho a tocar o disco “Navega” (2006) e digo-lhe: “Vês, baixinho, assim se explica que os homens façam coisas muito tontas pelas mulheres”. Se for menina, bem, acho que mostrarei a mesma foto. Li algures que compará-la com a Cesária Évora é redutor. Também achei que fosse assim.
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3 comentários:
que linda declaração de amor :)
Já me foi dado a conhecer a jovem Mayra, infelizmente há apenas uns dias atrás.
Muito boa música!
bonita ela, bonita a música
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