quinta-feira, 30 de julho de 2009

É sempre de ouvir em repeat (nas fériaaaaaaaasssss) # 39 e 40



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(onde se prova que isso do wally ser um desenho inanimado é letra - firme e hirto no post de baixo; aqui aos pulinhos)

terça-feira, 28 de julho de 2009

FMM: vinte horas no paraíso

Já as gaivotas se cumprimentavam, trocando novidades junto ao mar, quando, no carro, sem forças, ouvi as últimas palavras do Bob Marley em 'Redemption Song'. Olhei o relógio, 07:30. Parecia a forma perfeita para os esquizofrénicos DJ do Bailarico Sofisticado dizerem, "Xau canalha fixe, voltem para a tenda, ou caravana ou carro ou toalha de praia ou praia sem toalha de praia, xau, durmam como vos for possível depois deste festival maravilhoso, durmam tortos, de lado, de pé, nus, ou aliás como o sol deixar, 'tá cá um bafo, e quando acordarem isto vai parecer tudo um grande sonho, como no cinema, e quando vos perguntarem se foi verdade vocês responderão que de nada se lembram. E será mesmo assim". Como qualquer espertalhão, tomei decisões em menos de nada. Olhei-me no espelho, vi pele de tomate e olheiras gigantes na tentativa frustrada de emprestar alguma majestade ao momento, dei à chave e ataquei 150 quilómetros de sol australiano rumo a Lisboa. Eu e a cerveja enganámo-nos duas vezes no caminho e quase nos deixámos dormir ao volante umas, vá, trinta. Lá cheguei - parecia impossível -, duas horinhas de sono e roda batida para a redacção. Já li por aí que a festa em Sines continuou. (Então era este paraíso que eu andava a perder.)

Melech Mechaya, depois de tostar na praia

Apanhado em flagrante durante a 'Dança do Desprazer' - sempre tive jeito para descobrir o Wally - embora vergonhosamente de braços em baixo, ainda que depois tenha invadido o palco. Vénia a um quinteto que merecia uma avenida inteira mas teve que se contentar com uma plateia de cento e tal pessoas num auditório pequenito e mais uma dezena delas a dançar na rua, espreitando pelo vidro, aquela coisa ali do lado esquerdo.

Bibi Tanga & The Selenites, antes de jantar

Pisava merda de novo.

James Blood Ulmer, depois de jantar

Morninho, a malta queria era parvoíce, não leves a mal.

Alamaailman Vasarat, já meio fora

Jazz e heavy-metal a copular como dois coelhos famintos.

Lee 'Scratch' Perry, todo fora

Era preciso bêr o mestre. Bêr. 73 anos. Tão bom, tão bom, tão bom.

Speed Caravan, "Onde é que 'tás?; "'Tou aqui!"

Se dúvidas houvesse de que Sines é uma espécie de Meca.

Banho de créditos: Mário Pires

sexta-feira, 24 de julho de 2009

charlyn

a minha vizinha de baixo ouve cat power.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Quem quer viajar entre Lagos e Alvor num colchão de brincar?

Não tenho conhecimento de que o Nelas leia blogues. Sei que já teve um, hoje encomendado às traças virtuais, e tenho sérias dúvidas de que leia este. Nem eu o leio. Na pior das hipóteses ficará famoso quando chegarmos ao final desta frase, onde se desvenda que, nele, caucasiano com traços indonésios muito pouco precisos, habita um testículo negro. Só um. Há-de lhe passar. Mas por agora é mesmo assim: um negro, outro branco. Tudo aconteceu nas primeiras aulas que frequentou de kitesurf - modalidade na qual entendeu especializar-se poucos dias antes de fazer 28 anos. Uma queda dolorosa, como se adivinha. De espírito bom, o Nelas faz amigos com facilidade. Amigas também. Por isso, através do seu professor, conheceu uma rapariga que foi parar ao Algarve numa carrinha que conduziu desde a Áustria. Esteve acompanhada por amigas até onde se podia dizer que era França, primeiro; sozinha até Portugal, depois, porque o bicho de quatro rodas avariou.

600 euros de arranjo!, vociferaram-lhe os franceses.

Caro como os perfumes e vestidos e colares e aneis e pulseiras e brincos e sapatos e cintos e bolsas e saias das tias do Rui, pensaram as amigas, e bem, depressa tomando o caminho de volta a casa. Persistente, a austríaca apanhou boleia do reboque até onde se podia dizer que era Alemanha. Aí encontrou um mecânico que arranjou o fusível dorido da carrinha sem encargos. E depois aconselhou-a: "tem cuidado com o trânsito; há sempre gente com o juizo varrido - ainda mais para sul".

Apesar de ter retomado a rota inicial sozinha, a austríaca fez-se acompanhar por uma amiga inglesa quando chegou a Portugal. Não sei como as duas se conheceram, mas o Nelas explicou-me em Alvor que a outra, inglesa, tinha vindo até ali desde Lagos num colchão de praia. O vento aqui sopra sempre de norte, não há problema, explicou-me.

Por ter feito anos durante a semana, festejando-os derrubado na cama depois de ter partilhado demasiadas garrafas de rosé com um cliente na véspera, o Nelas convidou a malta para um sábado na vivenda dele, a partir das 13:30. Menu para curar ressaca: piscina, grelhados, minis e mojitos. No que me toca, tinha marcada uma caracolada com o meu irmão para o final dessa tarde, pelo que apostei na primeira e nos últimos, não necessariamente por esta ordem. A noite anterior fora longa, começando numa prova de vinhos que nos custou três euros e acabando a dispersar de uma discoteca em ladies night logo após dois caramelos terem andando à pancada porque um cortejou a matulona que o outro cercara primeiro. Há um acordo tácito nisto da rapinagem em pista de dança: ninguém ataca a mesma 'presa'. O ar pode ser de todos, mas a matulona é minha, reclama aquele que primeiro se insinuar. Não perguntem.

(Vá, não tenho culpa. Foi há nove ou dez anos. Rsrsrsrsrs. Sete).

A noite que fazia pesar o dia ficou também marcada por um espectáculo de última hora que teve lugar no mui bem afamado Boogie Bar, por engenho de uma agente da autoridade muito magra, morena e feia, com os dentes forçosamente alinhados numa placa verde fluorescente, uma mulher que executava essa fantástica manifestação de flexibilidade que é a espargata com a prontidão de uma stripper, as certezas de um bispo e o entusiasmo de um espermatozóide que descobriu a luz.

Parêntesis: Quinta da Cabaça, Portalegre, 2006 - eis, por consenso, o nosso tinto vencedor. Este, lê-se no site alentejopress.com, "é um vinho irreverente, guloso, com personalidade jurídica, frutado, brincalhão, de cor granada e aroma suave a frutos vermelhos, soberbo, democrata, charmoso, ginasta, advogado, dermatologista, psicólogo, eterno".

Do lado protegido do balcão o meu irmão pedia sensatez. Assentindo, chorávamos de mãos na barriga para não nos desfazermos de riso com as mãos na barriga.

Afinal vem tudo do mesmo lugar, pensei, enquanto a agente da autoridade executava uma espargata a dois tempos, e perfeita teria sido a um só caso ela não tivesse perdido o equilíbrio no momento em que se preparava para levantar a saia e mostrar o rabo magro, triste e só.

Ao morder que nem um bárbaro um pedaço de porco grelhado que disputei a duas ou três vespas que também marcaram presença na festa do Nelas, reparei no tapete novo do court de ténis. Quem também reparou que eu reparei nisso foi o pai do Nelas, a quem tinham enganado algumas dezenas de minutos antes dizendo que os mojitos poderiam sem dúvida substituir água em caso de aperto, de modo que beber quatro de seguida poderia ser a exacta medida da felicidade para aquele que mais sede tivesse. E o pai do Nelas, que naquele momento insista com o filho para que este lhe tirasse uma fotografia junto da Raquel, a quem elogiara sem descanso os contornos do carácter e afins, tinha muita. Isto para dizer que vou avançar com um programa de visitas guiadas em colchões de brincar ao longo da costa algarvia. Num piscar de olhos, visitem o portal http://www.barcoamotoreparameninos.pt/ e saibam tudo sobre este novíssimo nicho de mercado que promete fazer-vos mudar de blogue mais cedo do que tarde.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Vinte segundos

Compreendendo que a morte é certa, ela achou que não seria correcto negar o corpo e resistir-lhe quando, ao ouvir entrar a primeira nota, achou-o irresistível. Sentado ao piano, já lançado em melodias cortantes, de gestos demorados, ele contava a história do homem tão elegante que dormia de perna traçada, e ela não pôde conter uma gargalhada que logo a indentificou aos olhos de quantos naquela sala se encontravam - uns fitavam-na abanando a cabeça; outros (outras) roíam as unhas; ele encontrou-a com a curiosidade voraz das batidas cardíacas galopantes. Quando se recompôs, já com o homem elegante fora de cena, ela sentiu uma melodia muito densa e bonita entrar-lhe fundo no peito inquieto, aí acomodando-se, nota a nota, sem pedir licença como quem descasca uma banana na casa de alguém que acabou de conhecer e depois justifica a iniciativa com o chamamento do estômago. Ela achou-o irresistível e guardou o adjectivo para lho sussurrar ao ouvido, baixinho, pela manhã, depois de por ele esperar no final do concerto - "deves ter sede" -, acompanhando-o até ao bar mais próximo, e voltou a achá-lo irresistível espreitando-o a partir do balcão - "são duas cervejas geladas" - quando ele esperava por ela e mordia o lábio inferior enquanto dançava os dedos sobre as coxas fitando uma planta seca imaginária, e por dançar os dedos sobre as coxas pensando que ninguém o via fez com que ela o achasse irresistível, guardando o adjectivo para lho sussurar ao ouvido depois de ambos se terem atropelado nas escadas do apartamento dela e na mesa da sala dela e na cama do quarto dela e no chão da lavandaria dela, sem luz, sem espaço, sem tempo a perder, ela achou-o irresistível pela manhã depois de concluir que o hálito perfeito quando se acorda é um mito, lembrando-se de um dia ter lido qualquer coisa assim, e achando-o irresistível acabou por adiar o adjectivo, e acordou-o pedindo-lhe ao ouvido, como quem ordena, baixinho, "quero-te outra vez".

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um rascunho sobre o Alive!09

Créditos: Rita Carmo

9 de Julho
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Silversun Pickups: Aposto duas minis como a baixista é mãe de três filhos a caminho dos seis, vai à missa ao domingo e no final do dia ouve Smashing Pumpkins às escondidas.

Delphic: Nada mau para quem lançou um single.

Air Traffic: Bah.

Tv On The Radio: Banda mais cool do festival?

Klaxons: Eles próprios nem queriam acreditar no festim que desencadearam.

Crystal Castles: A Amy Whinehouse é uma menina de coro ao pé da Alice Glass.

Metallica: A primeira vez é sempre aquela base de dados.

Créditos: Rita Carmo

10 de Julho

(despachado.)

11 de Julho

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A Silent Film: A música mais bonitinha, assim ao lado da 'Crash into me' (DMB)?

Ayo: Reggae na voz que o Michael Jackson tinha quando cantava com os irmãos.

Los Campesinos!: Espero que alguém tenha tido o bom senso de filmar alguma parte do concerto e publicá-la na net. Eu não tive.

Chris Cornell: Vá lá que deixaste o Timbaland no estúdio...

Black Eyed Peas: Também gostamos muito de ti, Fergie.

Autokratz: E aqui o lampadinha a perder tempo com Black Eyed Peas!

Likke Li: Que ninguém ensine a uma sueca como se fazem canções pop. Podem é ligar à Everything is New e explicar-lhes uma ou duas coisas sobre alinhamentos de bandas em festivais de música.

Dave Matthews Band: O concerto do festival? Não tocaram foi a 'Bartender', sacanas. Não cabia lá em quase três horas?

Créditos: Rita Carmo

Menção especial aos Homens da Luta - E o povo, pá?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Adeus Amélie


Esqueçam o compositor requintado que assinou as bandas sonoras dos filmes O Fabuloso Destino de Amélie (Jean-Pierre Jeunet, 2001) e Adeus Lenine (Wolfgang Becker, 2003). Yann redescobriu a electricidade dos tempos em que ainda não era conhecido por Tiersen, e assentou como rocker. Dos bons.

Na verdade, sendo mais preciso, a linguagem musical ontem privilegiada no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, no encerramento de uma mini-digressão que passou por Figueira da Foz e Famalicão, vem sendo cada vez mais utilizada nas actuações ao vivo do músico. Ainda que de formação clássica em piano e violino, Yann Tiersen integrou vários grupos rock na sua juventude. Dust Lane, disco a editar no final do ano que serviu de mote ao concerto no CCB, é, 14 anos depois do trabalho de estreia, La Valse des Monstres (1995), o registo que devolve o compositor às descargas eléctricas.

Para trás ficam as paisagens melancólicas dedilhadas ao piano, ou abraçadas ao acordeão. Por outras palavras: toda uma reputação.

O violino, esse, ainda estrebucha, aqui e ali, mas nas poucas vezes em que o músico dele se apoderou - sensivelmente as mesmas em que deu uso à sua voz sofrível - foi para o utilizar como instrumento de ataque a canções de rock experimental, não para fazer soluçar os espectadores. Atentos como estátuas, aqueles pareceram surpreendidos ao testemunhar o novo rumo que Yann deu à sua carreira - qualquer coisa de que os Sonic Youth ficariam orgulhosos.

Os mais preparados podem muito bem passar a seguir o músico bretão como se o concerto que este deu no CCB tivesse o impacto fresco de uma primeira vez; os restantes ter-se-ão sentido como cobaias no final do encore, regressando a casa com a sensação de que não teria sido para aquilo que dela saíram.

"Toca a Amélie!"
À cerca de hora e meia de actuação faltaram praticamente todos os hinos do autor de Rue des Cascades (1996), pelo que melhor será falar no que o quarteto que o acompanhou não esqueceu. Junto de Stephane Bouvier (baixo), Dave Collingwood (bateria), Christine Ott (teclas e o psicadélico ondas Martenot, um instrumento electrónico dos anos 30), e Robin Allender (guitarra), Yann (voz, guitarra e violino) espantou a assistência mais desprevenida com o ruidoso bloco de cinco primeiras canções do alinhamento.

Desconhecidas, decerto ficarão associadas a quem de direito assim que Dust Lane estiver disponível nas lojas.

Na recta final da quinta faixa entrou em acção o aguardado violino. Prenúncio de regresso ao último disco de estúdio, Les Retrouvailles (2005), ou até do seu mais recente trabalho, Tabarly (2008) - terceira banda sonora para filme assinada por Yann Tiersen?

Nem por isso. O violinista de formação clássica só se mostrou como tal a sensivelmente meio do concerto, numa versão do tema originalmente escrito para piano, 'Sur le Fil', do albúm Le Phare (1998) - mais tarde aproveitado n'O Fabuloso destino de Amélie.

Descabelado como se pede a um artista indie, avançado um passo, recuando dois, esquerda, direita e de novo esquerda, inquieto, Yann ofereceu ao público um solo arrepiante. Este devolveu-lhe a ovação da noite. Dali em diante, cada vez mais intensas, as descargas eléctricas comandaram canções de queda livre, esporadicamente cantadas por todos os músicos, excepto o baterista.

"You fucking rock!", ouviu-se da assistência.

Tímido - há coisas que nunca mudam -, Tiersen deixou-se ouvir apenas três vezes entre músicas. Nunca foi além de um imperceptível "obrigado" de olhos fixos nos pés. Também poucos esperariam que cuspisse fogo pela boca.

Aguardava o público, isso sim, por, enfim, ouvir os arranjos originais de uma das bandas sonoras de culto da década. "Toca a Amélie!", suplicou alguém, quase para dentro, com o tom de voz conformado de quem sabia que esse pedido não seria satisfeito.

Mas foi precisamente com o tema 'La Valse d'Amélie', ainda que atacado com arranjos de guitarra distorcida, que Yann Tiersen fechou uma actuação curta, de alto risco, mas conseguida. O legado rock do músico bretão contrói-se dentro de momentos.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A menina dança?


Omar S

Este daqui chama-se Omar S, trabalha na Ford de dia e de noite faz por ser um dos nomes com maior eco na prolífica cena house/techno de Detroid, berço de tudo o que cheira a pista de dança. Verdadeiro artesão, Omar S edita pela FXHE, que é sua, e no último volume da compilação Fabric utilizou apenas temas seus. Foi o segundo cabecinha a fazê-lo. O primeiro foi um tal de Ricardo Villalobos. Omar S também é o caramelo que ficou conhecido por dizer que não o conhecia. Faz nascer blocos sonoros rudes e aliás sólidos como a paisagem industrial de Detroid. Como o seu carácter. Parafraseando o poeta, tá-se cagando para tudo o que mexe. Esteve no (na?) Lux a 20 de Março, entretanto já lançou outro disco, Just Ask the Lonely, e a pergunta que se impõe é esta: onde é que nós estávamos a 20 de Março?

A ouvir: Set it Out

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Golden Silvers


Dei com o single de estreia deste trio we-are-seventies há uns meses, logo com vídeo e tudo, mas deixei passar a caravana. Achei piada, mas não ladrei. Agora já o quero, muito, depois de me ter assaltado os tímpanos vezes sem conta. Amigo de pés dançáveis, o single vem integrado no disco de estreia com o mesmo nome, que resulta assim num todo mui funky-disco, com um sintetizador a comandar canções luxuriantes, sem olhar para trás, de bem com a vida.

A ouvir: True Romance

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Passion Pit

Os norte-americanos Passion Pit são aquele grupo de rapazes extremamente amiguinhos que costuma acampar junto ao espelho do Incógnito, assim que descemos as escadas. Quando não estão aos melos, produzem do melhor som que este Verão vai dar a conhecer, como prova o disco de estreia, Manners, sucessor do EP Chunk of Change.

A ouvir: The Reeling

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(Aqui o primata deixou-se ficar num profundo sono pelo que alguém tem de promover a comunidade. Há coisas a acontecer. Boas.)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

«A Maria Bethânia foi um alívio...»

É conhecida por cantar. Prefere escrever. Ama lugares bonitos. Cafés. Reggae. A espontaneidade. E, se tal se justificar, pode muito bem deixar correr uma lágrima ao 11º minuto de uma entrevista. Assim se revela Vanessa da Mata, testemunhámo-lo num hotel de Lisboa, antes de a brasileira actuar amanhã no Coliseu do Porto, e no sábado, em Lisboa, no festival Delta Tejo.

Quanda nos fala, com o Tejo a anunciar-se no horizonte, Vanessa da Mata parece não querer magoar as palavras. É delicada a esse ponto. Os olhos, duas castanhas perfeitas, também nos fitam meigos. Desarmam o mais prevenido. Entra num vestido de mil e uma cores. As mesmas do sorriso. Se a isto juntarmos os traços indígenas – herdou-os da avó materna – e a farta cabeleira de caracóis livres, está preparado um verdadeiro desafio para o entrevistador: além de prestar total atenção à entrevistada, deverá, efectivamente, não perder de vista o que ela diz.

Neste plano, a cantora de ‘Ai, Ai, Ai’ facilita-nos a vida logo que empreende o seu primeiro raciocínio. E é naturalmente sem travões que fala sobre Paraty, a pequena e isolada cidade do sul do estado do Rio de Janeiro que serviu de cenário ao seu mais recente trabalho, “Multishow ao Vivo”, um CD/DVD que já está nas lojas.

“Queria um lugar bonito, com arquitectura bonita, sair das salas de espectáculos. Todos os DVD são filmados ali, da mesma forma, produzidos para parecerem um sucesso. A minha ideia era que este fosse um momento poético, que tivesse intimidade, espontaneidade”. Ao escolher Paraty, longe do aparato mediático, Vanessa sabia para onde ia – e para o que ia. Desconfiada ao início, a editora cedeu.

“Não tivemos tantos fãs como gostaríamos – as pessoas não conseguiam, era muito longe, a quatro horas de cada cidade. Mesmo assim tivemos outras pessoas: um padre, crianças na sombra dos pais que jamais poderiam entrar numa casa de espectáculos, namorados beijando-se, tinha de tudo. Isso agradou-me muito”, observa, valorizando o que foi ganho.

Com “muito dinheiro nele investido”, o concerto de Paraty justificou um profundo trabalho de rectaguarda. A cantora liderou a criação do cenário, do guarda-roupa, da decoração, e também dos rearranjos das canções. Fê-lo, por exemplo, em ‘Não me Deixe Só’, ‘Ainda Bem’ e ‘Viagem’, três dos 24 temas que compõem o alinhamento do DVD – contém imagens do concerto da cantora no Festival Sudoeste TMN em 2008 -, onde são revisitados os seus três álbuns de estúdio. Mais curto é o alinhamento do disco: 14 músicas. Novidades no repertório habitual, são três: ‘Acode’, escrita por Vanessa da Mata, e os clássicos ‘As Rosas Não Falam’ (Cartola) e ‘Um Dia, Um Adeus’ (Guilherme Arantes). Dois ‘cozinheiros’ especiais também integraram o preparo deste menu: o baterista Sly Dunbar e o baixista Robbie Shakespeare, lendária dupla jamaicana de reggae que Vanessa da Mata convidou para acompanhá-la no concerto de Paraty. A releitura de músicas já feitas, quer pelos arranjos, quer pelas parcerias, levou-nos à pergunta, “uma canção é uma obra inacabada?”

Resposta: “Já começo a sentir uma necessidade de vestir roupas novas nas pessoas e em mim, já faço isso automaticamente nos espectáculos, é uma necessidade minha a de não ser automática com a música. Se eu cantar ‘Ai, Ai, Ai’, a chuva será completamente diferente, num lugar completamente diferente.”

A autora de “Sim”, o último disco de estúdio, gravado em 2007, refere-se ao tema que mais vezes passou nas rádios brasileiras em 2006. Três anos depois, Vanessa ainda recorda com espanto o que aconteceu em Paraty quando, a meio da canção, bradou aos céus, “(...) o que a gente precisa é tomar um banho de chuva, um banho de chuva (...)”. Choveu mesmo. Naquele preciso instante.

“Aquilo foi uma coisa incrível, era uma época de avalanches no Brasil. Nas duas noites em que tocámos o céu esteve cheio de nuvens carregadas, e nós tínhamos uma preocupação: era muito dinheiro investido, 70 pessoas só de filmagem fora a nossa equipa, fora a editora, a cidade estava tomada de assalto por uma gravação que tinha de dar certo. Não podia falhar. Um espectáculo destes acabaria com tudo, porque era aberto, e choveu em ‘Ai, Ai, Ai’. Parou quando a música acabou. Foi um milagre. Não no sentido religioso. Em todos os sentidos, talvez. A natureza estava connosco”.

Bethânia e Ben Harper
Desengane-se aquele que de Vanessa da Mata esperar tiques de entertainer – no sentido mais metódico do termo. Podemos estar perante uma das artistas que mais discos vendeu no Brasil nos últimos anos, mas pé descalço e cabelo ao vento nos concertos são imagens de marca de que a artista não abdica, independentemente do rumo de sucesso pelo qual a sua carreira encarrilhou. Tudo nela parece natural, nu, verdadeiro como o processo que levou à gravação de “Multishow Ao Vivo”, como a chuva que caiu só na música que 'pedia' chuva, como a resposta, em lágrimas, que devolveu à nossa pegunta, “Até que ponto Maria Bethânia foi importante na divulgação do seu trabalho?”

“A Maria Bethânia foi um alívio... foi um alívio. Ela diferencia-se no Brasil: arrisca falar de pessoas novas, de quem ninguém falou ainda. É diferente de muitas pessoas que falam o tempo todo por alguma troca de favor, ou, sei lá, por perceber que os jornalistas estão falando muito bem. Ou porque tem muito público. Para agradar. A Maria Bethânia não. Eu não era conhecida [até 1999, quando Bethânia gravou ‘A Força que Nunca Seca’, canção composta por Vanessa da Mata que deu título ao disco homónimo da irmã de Caetano Veloso gravado no mesmo ano]. Ela arriscou muito em falar do meu trabalho. Foi um alívio porque não tinha ninguém para falar dele, e eu já treinava composições com ela... “, diz Vanessa, para de seguida se interromper.

Emocionada, avisa que vai chorar. As duas castanhas perfeitas ganham água. Respira fundo. E conclui, resistindo à emoção: “foi muito bonitinho”.

Refeita, Vanessa, que por esta altura se demora a percorrer com uma pequena colher as paredes da chavéna do seu chá, longos movimentos circulares que há muito já diluiram os grãos de açúcar previamente espalhados em água e ervas, recupera o sorriso quando chegamos a ‘Boa Sorte/Good Luck’, primeiro single do álbum “Sim” gravado em 2007 com o músico norte-americano Ben Harper. Diz ter ouvido vozes, muitas, quando compôs a sua parte, em português, mas de pronto nos descansa, antecipando, em sua defesa, que falava de algo mais simples do que uma mera "doença psicológica". Na verdade, tratava-se do alcance que a música poderia atingir, aqui simbolizado por o que a própria apelidou de “um coro gigante”. Por outras palavras, as de Ben Harper, proferidas assim que o produtor Mário Caldato lhe deu a ouvir a música, “um hit seguro, de que as pessoas não se vão cansar tão cedo”.

Aquilo que fez eco na cabeça da cantautora nascida há 33 anos em Alto Garças, no Mato Grosso, tornou-se real, palpável. Dois anos depois, um single de Vanessa da Mata voltava a ganhar a corrida dos temas mais tocados nas rádios brasileiras. 19.565 vezes, precisa a assessoria de imprensa da artista. Com aquela parceria, a compositora que a voz de Maria Bethânia divulgou em 1999, evitando que, como a própria reconhece, a qualidade do seu trabalho fosse apenas avaliada "pelas tias e pela mãe", centrava definitivamente os holofotes em si enquanto artista completa, com um espaço próprio conquistado no vasto campo da música popular brasileira. A música, classificada pela cantautora como um “ponto de encontro maravilhoso”, permitiu-o. Quando reencontrar o público português amanhã, no Coliseu do Porto, e no dia seguinte actuar no festival Delta Tejo, em Lisboa, Vanessa da Mata, disse-nos, vai tentar dar um espectáculo que provoque uma reacção nas pessoas. “Positiva, se possível”, pede. Não pede muito.