"The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars." J. Kerouac
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Vinte segundos
Compreendendo que a morte é certa, ela achou que não seria correcto negar o corpo e resistir-lhe quando, ao ouvir entrar a primeira nota, achou-o irresistível. Sentado ao piano, já lançado em melodias cortantes, de gestos demorados, ele contava a história do homem tão elegante que dormia de perna traçada, e ela não pôde conter uma gargalhada que logo a indentificou aos olhos de quantos naquela sala se encontravam - uns fitavam-na abanando a cabeça; outros (outras) roíam as unhas; ele encontrou-a com a curiosidade voraz das batidas cardíacas galopantes. Quando se recompôs, já com o homem elegante fora de cena, ela sentiu uma melodia muito densa e bonita entrar-lhe fundo no peito inquieto, aí acomodando-se, nota a nota, sem pedir licença como quem descasca uma banana na casa de alguém que acabou de conhecer e depois justifica a iniciativa com o chamamento do estômago. Ela achou-o irresistível e guardou o adjectivo para lho sussurrar ao ouvido, baixinho, pela manhã, depois de por ele esperar no final do concerto - "deves ter sede" -, acompanhando-o até ao bar mais próximo, e voltou a achá-lo irresistível espreitando-o a partir do balcão - "são duas cervejas geladas" - quando ele esperava por ela e mordia o lábio inferior enquanto dançava os dedos sobre as coxas fitando uma planta seca imaginária, e por dançar os dedos sobre as coxas pensando que ninguém o via fez com que ela o achasse irresistível, guardando o adjectivo para lho sussurar ao ouvido depois de ambos se terem atropelado nas escadas do apartamento dela e na mesa da sala dela e na cama do quarto dela e no chão da lavandaria dela, sem luz, sem espaço, sem tempo a perder, ela achou-o irresistível pela manhã depois de concluir que o hálito perfeito quando se acorda é um mito, lembrando-se de um dia ter lido qualquer coisa assim, e achando-o irresistível acabou por adiar o adjectivo, e acordou-o pedindo-lhe ao ouvido, como quem ordena, baixinho, "quero-te outra vez".
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1 comentário:
olha que bonito
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