segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Celine Dion é para artistas, não é para labregos


"e agora os algarvios!"

O casamento do Hugo e da Sílvia foi aquele em que a pista de dança do copo d’água na Quinta dos Rouxinóis foi aberta pelos convidados e não pelos noivos. Oficiosamente, pelo menos – só um par de horas depois dos primeiros passos trocados é que marido e mulher apareceriam, juntinhos, para voarem até à lua pela Voz do Sinatra.




Tudo começou pouco depois de chegarmos ao restaurante, por uma qualquer falta de motivo, razão suficiente para convocarmos o Nelas com um veloz bater de palmas, assim de lado, junto ao rosto. Martini e caipirinhas também poderão explicar alguma coisa. O Nelas apresentou-se inteiramente vestido de negro, num estilo neo-cigano, sem casaco – que me lembre. Logo na igreja fez da nossa fila um estendal com telemóveis, óculos de sol e carteiras alinhados ao longo do apoio em madeira dos tementes ao Criador.

Desde sempre que o Nelas adora o Hugo – “o meu amigo Hugo” – e não surpreendeu que tivesse sido ele a levá-lo à igreja. E também não foi de admirar que o tivesse feito no Peugeot 305 de 1984 do avô, carro que anda a conduzir há mais que muito porque o moderníssimo Ford Focus dele só dá problemas. O que admirou foi ver o carro a chegar a Lisboa sem perder peças. O Nelas jura que numa rampa favorável da auto-estrada investiu a 130.

O Hugo e a Sílvia conheceram-se no ISEL. Primeiro foram amigos, depois namoraram cinco anos – a primeira vez que os vi juntos foi no Parque das Nações, a ver o Portugal x Angola do Mundial 2006 – e no sábado tornaram-se marido e mulher. Mereciam uma festa de arromba. E tiveram-na depois do “sim” mútuo, sob benção da irrespirável ária na quarta corda para violino de Bach, e de uma valente beijoca que rendeu um aplauso gigante.

"moce, ó o prior a curtir!"
Para o ambiente festivo muito contribuiu a graça natural da mãe do Hugo, que aos 60 anos estava deslumbrante e deve ter feito tantos brindes ao filho como o próprio. O pai, idem. São um encanto. Quase tão jeitosos como os meus pais.

A festa era animada por um DJ cuja auto-estima se revelava inversamente proporcional ao jeitinho para a coisa. A dada altura fomos pedir-lhe músicas mais óbvias, mais pagode, a bem da reunião das várias gerações.

O meu primo Pedro, que amou os meus amigos de infância desde que os conheceu no Verão de 2000 e desceu o país desde Espinho na companhia da namorada, pediu “Despe e Siga, Festa!”. Muitas vezes. Tantas que teve de ir ao carro buscar um disco com a música – essa e outras. Na verdade ensaiou várias tentativas de golpe de palco, mas o DJ aguentou-se à bronca e apenas teve de nos aturar ao lado dele a cantar a discografia quase toda dos Xutos, sob ameaça clara de que o palco ruísse ou eu tomasse conta das teclas cartoon-techno ou algum descalabro do género. Mais tarde soubemos que a presença dele foi uma exigência dos donos da Quinta. Vinha no pacote.

Numa das pausas que efectuou para fumar cigarros, o DJ passou por nós e por ali ficou, altivo. Em tom de desafio, informou-nos: “Celine Dion é para artistas, não é para labregos.” Rimos de choro, ele atirou o cigarro quase fumado para o chão e regressou à arena. No fim de tudo passei por ele e cumprimentei-o com carinho e afecto.



Eram 02:30 e a festa acabava para a grande maioria, já depois de o bolo ser cortado na rua com balões libertados noite acima, mas eu e o Nelas ainda queriamos ver o que se passava. Tinhamos começado a beber com o Hugo - ele tem um filho imaginário há dez anos, o joãozinho; eu tenho uma filhota que não existe, a joaninha, e são amigos - havia quase 30 horas e por isso achei por bem deixar o carro onde estava e voltar para Lisboa à boleia. Venho buscá-lo amanhã, pensei. Tinha dançado várias vezes com uma amiga da Sílvia, a Ana, e ela parecia disposta a acompanhar-nos. A condutora seria uma amiga dela.

Sentia-me extremamente orgulhoso da minha decisão, mas comecei a sentir algumas dúvidas sobre o futuro imediato quando a amiga da Ana deixou o carro ir abaixo 29.834 vezes só a sair do estacionamento. Até na portagem da auto-estrada. Por cima do ombro da Ana fui olhando para o Nelas como quem pergunta: isto é falta de jeito ou ela está ainda mais forinha que nós? Para nosso alívio, venceu a primeira hipótese.



Taxi, Incógnito. Eu, no Incógnito, de fato. Por essa altura os músculos já começavam a pesar, mas depois ouvi The Rapture e tudo reentrou no devido eixo. Passámos um bom bocado. Novo taxi. Cama.


"nelas, isto vai benite e leva jête"
Depois de dormirmos o suficiente fomos acabar com os restos da comida a casa dos pais da Sílvia, onde nos receberam como heróis de festa. Ao som de uma belíssima concertina atacámos sopa derramada em pratos de plástico, ou pelo menos tentámos - tremeliques de parkinson impediam-nos de levar a colher ao caldo da sopa e trazê-lo à boca.

Jovem, se já não és jovem, junta-te a nós.

Já quase ninguém tocou em álcool. A aposta recaiu nos grelhados e doces. O rescaldo de todas as coisas foi depois feito na rua, sentados no asfalto. Tudo cansado e feliz. Boas energias. Viva o Hugo e a Sílvia (L)

6 comentários:

Cat disse...

Ah tu eras o algarvio jeitoso de fato? ;D
Sabes, se algum dia me casasse - coisa mais que fora de cogitação no presente - haveria de gostar de abrir o bailarico ao som de Sinatra.

beijos


(por acaso eu conheço a Ana...)

Rui Coelho disse...

nós abrimos o bailarico muito antes, aliás os noivos tiveram de nos escorraçar da pista de dança ahaha. Mas sim, Sinatra é amor.

conheces? eu conheci-a na festa, boa gente. E o mundo é uma ervilha.

*

Unknown disse...

"moce ó o prior a curtir" maravilha

Hugo disse...

Lolol. Maravilha de post Joe. Só agora o li!!

Foi boa a festa. Faltaram algumas figuras! Mas tenho a dizer que a familia da Silvia adorou-vos! "são moços divertidos sempre a puxar para dançar com toda a gente", foram as palavras de alguém idoso.

Sílvia disse...

LOL
Muito bom, também só li agora e, porque o meu marido me alertou :P Adorei o teu relato da festa e é sempre bom porque daqui para amanhã a memória já não ajuda e uma pessoa vem aqui e sempre recorda alguns pormenores.

beijinhos beijinhos

Rui Coelho disse...

(L)