sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Reportagem


Esta foto é muito bonita. O Tejo com azul a bold, dois ferries, a Sé. Não tem é coisa alguma a ver com o que tenho para dizer. É só mesmo para vos roubar a atenção. Obrigado!

O que tenho para falar, se fosse filmado da ponte 25 de Abril, rodávamos agora a câmara para a esquerda, com a mesma inclinação, e parávamo-la na zona dos Jerónimos. Foi mais ou menos para lá que me dirigi esta tarde, em reportagem. Destino: Travessa da Memória, na Ajuda. Enviaram-me para a Travessa da Memória, na Ajuda. Claro que não sabia o caminho. Acresce que chovia daquela forma que irrita. E era hora de ponta.

Acho que entrei pela Zona dos Jerónimos dentro como aqueles activistas que invadem os campos de futebol inteiramente nús, mas sem ideias para reivindicar politicamente o meu acto. Isto depois de ter parado na primeira rua sem caos que encontrei. Quatros feixes alaranjados se entrecruzavam pelo carro, que ficou estacionado diante de uma garagem luxuosa. Entrei no primeiro café.

- Olá, sabe onde fica a Travessa da Memória, na Ajuda?
- Travessa da Memória? Não, não me lembro. Mas espere só um instante. ‘Oh Alfredo!, anda cá, ajuda aqui este rapaz’.
- Boa tarde jovem, diz de tua justiça.
- A Travessa da Memória, na Ajuda, não sei onde fica, não sou de cá.
- Oh rapaz, isso é longe daqui. Vai ali em frente aos pasteis de Belém e pergunta, ali sabem.

Consciente da significativa probabilidade de vir a ser abalroado de frente por um eléctrico, segui em frente, ou assim achava. Na verdade, por feliz se pode dar aquele que esta tarde, sem saber, se meteu à estrada pela zona de Belém e, quem sabe, cruzou-se com um condutor que não via um carro à frente dos olhos: eu. Não era pela chuva, embora intensa, nem pelo nevoeiro, porque não o havia. Foi já no regresso à redacção que me saltou a rolha. Dois ou três milagres já se tinham manifestado no entretanto.

Desrespeitando os conselhos do senhor Alfredo, estacionei entre dois carros da polícia, bem atrás dos pasteis de belém, numa zona onde as placas de trânsito não me beneficiavam o coiro em demasia. Entrei num posto de correios.

- Olá - disse.

Vi cidadãos assustados a cruzar o respectivo olhar com o meu. Todos, um por um. Apesar da franja a gotejar e do rosto sombreado de uma barba ofensiva, compreenderam que as minhas intenções eram as melhores quando me dirigi ao primeiro, e este me pousou a mão direita no ombro esquerdo.

- Oh meu amigo, então não sei. Venha cá fora que lhe explico melhor.

O mónologo do senhor dos correios demorou aproximadamente quatro minutos. A conferência de imprensa começava às 18:00. Ao espreitar o relógio, afastei água da testa como se de suor se tratasse, e notei que o primeiro orador teria iniciado o seu discurso há dois minutos. Despedi-me.

Missão: virar a seguir aos pasteis, e depois gancho na segunda à direita. Baixei o volume da Europa Lisboa, repeti incessantemente as palavras-chave, e só desviei o pensamento daí quando, ao deixar para trás o café dos bolinhos, encarrilhei nos carris do elétrico enquanto a restante manada de carros se afastava pela esquerda entre buzinadelas e sinais de máximos. Ou assim me pareceu, quando voltei a entrar no curso preciso do trânsito lisboeta, já depois de ter passado por duas ou três senhoras de mãos na cabeça numa paragem de autocarro.

Entrei no que me pareceu a dita segunda à direita. Gostei do que vi, e sobretudo de não ter ouvido coisa que fosse. Era um bairro residencial, sossegado. Chovia como dantes. Fui-me arrastando em segunda, a olhar para os lados, e encontrei dois senhores a caminhar cerca de 30 metros à minha frente. Aproximei-me e apitei.

- Olá - disse, após me ter esgueirado para o vidro contrário, o do pendura, uma vez que o do meu lado estava com o elevador constipado.

Com gestos efusivos, um deles, depois de se virar, apontou-me para uma placa que já só me dava as costas. Sem reagir ao meu pedido prévio, de saber onde ficava a Ajuda, mais precisamente a Travessa da Memória, pediu-me para recuar. Fi-lo com precaução, descobri a fachada do sinal, e rapidamente compreendi que entrara em contra-mão. Pedi desculpa, disse que não era de Lisboa, e entrei numa transversal ainda mais sossegada, com muito eco de cão a ladrar. Estacionei o carro diante de uma casa com várias luzes subitamente acesas. Suspirei fundo. Saquei de um pano e limpei furiosamente o vidro frontal por dentro e por fora. Depois sacudi-o, enterrei-o na porta lateral, tranquei as portas e dirigi-me a pé para onde a estrada subia.

No curto trajecto que fiz até encontrar novo café, pensei na febre que tivera até há dois dias, pelo que amaldiçoei a chuva e o cão que me perseguia. Os donos já estavam a fechar o dito estabelecimento, mas sempre me disseram que me encontrava no bom caminho. Insisti 20 metros à frente com um rapaz que entrava num prédio. Tê-lo-ei apanhado de surpresa, porque se virou com um ar assustado quando lhe fiz uma pergunta pelas costas.

- Olá – disse antes.

- Ah, a Travessa da Memória? Estás perto. Vira aqui à direita, depois sobes e viras de novo à direita. Segues e é lá ao fundo à esquerda.

Meti o capuz, e fiz-me à estrada, confiante, até que encontrei a Travessa, logo se descobrindo o espaço onde ia decorrer o evento. Cheguei 30 minutos depois da hora. Ainda não tinha começado. Os oradores despacharam a coisa com a rapidez de verdadeiros profissionais. Voltei ao carro depois de me esquecer duas vezes na volta do trajecto que fizera na ida. Liguei o carro já com o pano nas mãos, e zás-zás no vidro frontal. Segundos após ter arrancado já não teria visto uma avestruz que se debruçasse sobre o capôt.

Subi até ao prédio do rapaz com quem falara pelas costas, e vi parar, sem fazer qualquer sinal de mudança de direcção, o carro que há alguns segundos perseguia. Espreguicei-me muito torto, bocejei, procurei as horas no pulso esquerdo - não uso relógio -, e quando voltei à posição atenta compreendi que o condutor da frente estava a fazer marcha-atrás, o que só não resultou num violento embate com a dianteira do meu carro porque estávamos numa subida, e limitei-me a carregar na embraiagem, recuando sensivelmente à mesma velocidade que o meu perseguidor de traseira, que por fim preencheu um buraco vazio entre carros, à direita.

Suspirei fundo, ganhei coragem, e ao passar pelo esperto fuzilei-o com os olhos.

Foi a pensar nisto tudo que, já no trânsito da marginal, no lento trajecto de volta à redacção, dei conta de que o problema do vidro frontal se poderia chamar humidade, pelo que estaria bem ligar o ar quente e direccioná-lo para cima.

4 comentários:

i disse...

ontem perguntei-te como correu e tu disseste "bem". Julgo que isto seja uma explicação mais detalhada do "bem". tb já era tarde, ontem.
Ah, mas olha, tens que ligar é o ar frio, mto frio. diz-te a voz da experiência.

chica bacana disse...

Temos tido lindos dias, sim.

Na quarta-feira também apanhei uma molha a caminho de uma entrevista e só me vinhas tu à cabeça, com a tua história do dia da tua entrevista.
E pensava: "Bom, uma molha não é assim tão mau...Há azares piores. Que importa chegar lá com cabelo de ratazana e a pingar o chão todo? Afinal é um trabalho onde nem sequer interessa ser inteligente ou espirituosa, basta mesmo ter um palminho de cara. Que é que o facto de estar encharcada pode mudar? Nada!"

Pão-de-ló disse...

Uma vez Rui Coelho, para sempre Rui Coelho LOL e agora já conduzes por Lisboa moço ? Um abraço =)

Carochinha disse...

Um guarda-chuva para andar na rua nesses dias também costuma ajudar! ;)