quarta-feira, 27 de maio de 2009

Andrew Bird ou o prodigioso fato escuro que assobia muito bem


Foto: Rita Carmo (a maior)

Fila para a sala 1 do São Jorge, 21:35: confundo a Soraia Chaves com a Soraia Chaves.

Sala 1 do São Jorge, 21:45: entra um fato escuro pelo palco. O público, que não é louco, tem dificuldade em perceber como é que entra pelo palco da Sala 1 do São Jorge um fato escuro, assim, sem mais. Só quando este chega junto da plateia é que os espectadores percebem que não vem só: traz dentro de si um vulto descabelado que, pé ante pé, caminha de olhos fixos no chão. Sem os levantar demasiado, acomoda-se num pequeno perímetro repleto de instrumentos musicais e socorre-se do primeiro: um violino. Espanto: dedilha-o como se de um cavaquinho se tratasse. Temos artista.

Sala 1 do São Jorge, 21:52: é aqui, depois de gravados em pedais de efeito vários arranjos de guitarra eléctrica, violino e uma sequência de palminhas clap clap (silence) clap que terá feito corar o David Fonseca – é difícil imaginá-lo noutro lado que não ali, no meio da rapaziada que encheu o São Jorge pela segunda noite consecutiva -, que as coisas ficam mais bonitas. O vulto tem voz e apresenta-se em açoriano - “Bua nuite” -, primeiro, e inglês - "My name's Andrew, pleased to meet you" -, depois. Ah, e já canta. O terceiro tema, ‘A nervous tic-motion of the head to the left’ (The Mysterious Production of Eggs, 2005) chega antes das 22:00, e só se percebe que a plateia lhe conhece a letra porque descubro dezenas de bocas a sussurrar com os mesmos trejeitos. As emoções ficam retraídas. Adivinha-se uma noite plácida. Acreditem quando vos minto que isto é verdade.

Foto: Rita Carmo (show dxi bola)

Sala 1 do São Jorge, 23:02: Há muito que o vulto chamado Andrew já descalçou as botas e, de olhos fechados, vem dirigindo uma orquestra de vários outros vultos muito parecidos consigo e aliás inexistentes, sob a prodigiosa orientação de el comandante, O assobio. Assim de repente, lembro-me que cantou 'Oh No', 'Effigy', 'Natural Disaster', 'Fitz & Dizzyspells' e 'Tenuousness' do mais recente disco, Nobel Beast (2009). Também reparei que jurou amor eterno a Portugal (ovação massiva) e ao fado (ovação de sete pessoas que vestiam de negro e calçavam meia branca descoberta na perna traçada). E que tocou violino em bicos de pés demasiadas vezes para não estar a testar uma eventual descolagem. Já disse que também assobia como algumas aves gostariam? Por motivos práticos, passarei a denominar o vulto que se chama Andrew de bailarino-violoncelista que assobia muito bem.

Sala 1 do São Jorge, 23: 34: Afastámo-nos do São Jorge sem fazer a mínima ideia de que a noite continuaria no Irish Pub do Cais do Sodré durante uma taça de tinto, uma sandes de frango catita e uma imperial que o talão confundiu com uma pint. Na massa cinzenta, uma ideia colorida: o bailarino-violoncelista que assobia muito bem outrora conhecido por vulto que se chama Andrew perdeu-se algumas vezes durante o concerto – génio, claro; louco, óbvio; humano, também; dava jeito que a banda que o costuma acompanhar em digressão tivesse igualmente viajado até Portugal -, fez pouco disso, ignorou alguns temas que o público bem pediu, mas fez o que quis da grave e pouco esforçada voz num alinhamento de brilhantes musicas primaveris, pensadas, interpretadas e correspondidas em contra-mão. Não sei se é folk ou pop ou até clássica a música que ouvi ontem à noite. Mas é boa. Muito. Nada mau para um fato escuro.

2 comentários:

O residente disse...

o Mr Bird ainda não conheço, mas o texto, enfim, é daqueles.

Irish Pub?

Ricardo disse...

3.30 € uma imperial!