terça-feira, 26 de maio de 2009

Mayra Andrade conta Stória, Stória...

Foto: João Wainer

Mayra Andrade fez nome na cena da 'world music' com Navega, álbum de estreia que em 2006 deu a conhecer o seu crioulo cabo-verdiano levemente rouco, e editou hoje o seu segundo trabalho, Stória, Stória... Ao Destak/Castelo, na austeridade do Hotel Pestana Palace, em Lisboa, a doce cabo-verdiana fala de um disco mais sofisticado na produção, mas com a mesma «permeabilidade artística» que veste o anterior, defende.

Foi importante a participação do produtor Alê Siqueira no novo disco?
Foi muito importante; não pelo que ele já fez, mas pelo produtor que ele é. Há produtores que trabalham com os artistas a querer fazer o próprio disco, e há produtores que conseguem pôr-se ao serviço da música que estão a produzir - é o caso do Alê. Tem uma cultura muito aberta e costumo dizer que viu este disco com os meus olhos. Conseguiu encarnar um espirito, um conceito, e defendê-lo, sempre com muito respeito.

Neste álbum trabalhas com músicos guineenses, angolanos , brasileiros, portugueses, [«cabo-verdianos», acrescenta Mayra, bem a propósito]. Sentiste a necessidade de dar outra versão de ti mesma?
Eu não acho que seja uma outra versão de mim mesma, porque já me falavam disso no Navega: estar a fazer músca tradicional, mas não tanto porque permeável a essas tais outras influências. Só que este segundo disco foi mais escrito, mais orquestrado, mais recheado do que o primeiro, então se calhar isso tudo sobressai mais. Mas eu acho que é muito fiel à linha que venho traçando desde o primeiro. Eu vejo realmente este disco como uma continuidade. Não vejo o Navega como um disco tradicional e este como tradicional, mas mais aberto. Este é conceptualmente mais recheado, mais estofado, mas a minha forma de fazer música acho que não mudou - tem essa permeabilidade que eu defendo. Faz parte da minha liberdade artística: não é por eu ser cabo-verdiana que não posso fazer uma música que sinto. Isto da mestiçagem não é uma coisa que eu procuro, é uma coisa que é.

Precisas de viajar para alimentar a tua criação?
Não sei o que seria a minha música se eu não tivesse viajado. É um grande ponto de interrogação. Hoje em dia viajo em trabalho, mas tem sido assim desde os meus seis anos de idade. Eu sou o que sou e a minha música é o que eu sou. Pela minha educação, pelo meu percurso, pelas minhas viagens, pelas pessoas que eu conheci, pelo que eu ouvi, pelo que eu comi. Faço tal música por isso tudo. De uma forma muito directa isso influencia a minha música.

Porquê 'Stória, Stória...'?
'Stória, Stória' é o nome de uma música que eu escrevi em Cuba, em que canto sobre o início de histórias de amor. Falo da minha história de amor com um país onde só há pedras e não chove. Quer dizer: olhas para Cabo Verde e pensas que estás na lua. Não é exactamente a imagem do paraíso. 'Stória, Stória', é o que dizemos em Cabo Verde quando vamos começar a contar uma história. Antigamente, quando as pessoas se sentavam a contar historias, diziam: 'Stória, Stória', tipo, ‘Era uma vez’. Então assumo este disco como um livro de histórias, em que cada música é um capítulo, uma história de vida.

Cantas uma música em francês no outro disco, Comme s'il en pleuvait, e isso volta a acontecer neste, mas também há outra em português-brasileiro.
Coisa que eu evitei no primeiro disco, cantar em brasileiro. Sem gravar já me falavam do Brasil a cada dois minutos, então fiz questão de não o fazer.

Essa canção, ‘Morena, Menina Linda’, é um dos momentos mais apaixonados do disco. Como é que surgiu?
Essa música é do Grecco Buratto, um amigo meu que vive em Los Angeles, Estados Unidos, e ele escreveu-a para mim, com base em mil conversas, em mil momentos. Tudo o que ele escreve tem uma ligação com algum momento que partilhámos. Para mim é uma música muito especial. Hesitei muito em gravar. É tão pessoal que ele quis que eu partilhasse os direitos autorais com ele. Ele disse que, sem mim, a música não existiria: nasceu de uma história partilhada. Bom, depois claro que eu não partilhei os direitos. Disse: ‘fica com os teus direitos e escreve mais músicas bonitas’. Eu estava a regressar de férias da Baía (Brasil), rouca, e gravei-a em directo. Pensei: que irresponsável eu sou de chegar rouca. Mas é a voz que combina com a música.

Parece que queres cantar e não consegues.
Exactamente. Sabes, a minha vida é feita só de coisas assim. Percebo a enorme sorte que eu tenho. Tudo aconteceu para essa música ficar assim. Acho que na minha vida tudo tem sido assim. Julgas que são pequenos acidentes e, quando a coisa termina, pensas: se não fosse isto e aquilo, não seria assim. Mesmo.

2 comentários:

peter disse...

É grande! Ala para o CCB que já se faz tarde...

M. disse...

é bonita ela